Capítulo 1

Quem tem medo do lobo mau?

Remus e seus pais moravam numa casa velha e pequena, localizada numa comunidade essencialmente trouxa na área rural da Grã-Bretanha. Ninguém da comunidade, porém, relacionava-se com a estranha família Lupin. Rumores maldosos sobre eles corriam de boca em boca. Boatos de que o filho tinha uma doença contagiosa. O pai não trabalhava no campo, como os outros. Lyall Lupin era um homem excêntrico, infeliz e muitíssimo reservado. Sua esposa, Hope, mantinha dois empregos na cidade mais próxima. Não era certo uma mulher sustentar a casa, diziam. O homem ausentava-se durante longos períodos e cheirava a xerez barato, fofocavam. A casa deles era afastada das outras, na orla de um pequeno bosque, e parecia prestes a ruir. O bosque era mal-assombrado, sussurravam. O falatório sobre os Lupin atingiu o auge quando um homem de aparência colossal, com uma enorme barba branca e óculos de meia-lua apareceu de repente na entrada do povoado e perguntou por Lyall. Algumas crianças assustadas apontaram-lhe a direção e sumiram de sua vista, com a menção de um sorriso no rosto bondoso do velho.

Quem atendeu a porta foi a senhora Lupin, uma mulher de aparência exausta e derrotada. Seus olhos de âmbar arregalaram-se ao ver aquele homem formidável e sorridente parado em sua soleira, usando um chapéu cônico e vestes esvoaçantes. Ela podia ser trouxa, mas já vira demais o mundo de seu marido para reconhecer o visitante como um bruxo.

— Olá — disse ele num tom amigável — A senhora deve ser Hope Lupin. Prazer em conhecê-la.

— Por favor, entre, senhor Dumbledore — ela disse com a voz trêmula, deixando-o passara pela porta. A casa era organizada e limpa. Alguns móveis, porém, estavam estranhamente danificados, como se alguém muito forte os houvesse golpeado. A pintura das paredes estava lascada, o chão de madeira tinha sulcos profundos e muitas das janelas estavam tapadas com tábuas, deixando o ambiente escuro e sombrio. Hope o conduziu até uma sala cavernosa, onde estavam sentados um homem curvo e carrancudo e um menino magricela e pálido — Querido, Dumbledore está aqui — ela disse ao marido, que não notara a chegada dos dois, absorto em pensamentos. Ele virou-se bruscamente para o senhor de roupas azuis e apertou-lhe a mão com força.

— Muito obrigado por vir até aqui, senhor Dumbledore. Sente-se, por favor.

— Ora, não há de que, senhor Lupin — ele disse, tomando seu assento. Hope sentou-se ao lado do filho e passou o braço ao redor de seus ombros estreitos. Disse qualquer coisa em seu ouvido e ele levantou o rosto para Dumbledore. Parecia muito triste e doente para uma criança. Tinha uma enorme cicatriz na ponte do nariz e outra em seu pescoço. Seus olhos tinham o mesmo tom bonito e raro de âmbar que os da mãe, e eram a única parte dele que brilhavam com alguma vida.

— Olá, senhor Dumbledore — murmurou — Sou o Remus.

— Estou encantado em conhecê-lo, Remus — seu sorriso bondoso não desaparecera. Cruzou os dedos longos e magros e apoiou o queixo pensativamente sobre eles — Então… Presumo que você saiba quem eu sou.

— O novo diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, senhor — falou o garoto — Meu pai me contou que você viria hoje, mas não me disse o porquê.

— Eu estou aqui para entregar uma carta, Remus. A sua carta de admissão em Hogwarts — o pequeno Lupin arregalou os olhos e sua boca abriu-se num esgar de surpresa e incredulidade. Ele ficou momentaneamente sem ar.

— Mas como… Eu…

— Eu sei quem você é, Remus, e sei o que você é. Justamente por isso é que vim entregar-lhe pessoalmente a sua carta. Venho me correspondendo com sua mãe há algum tempo, desde que a conheci no Hospital St. Mungos. Seus pais se esforçam muito para encontrar uma cura para a sua condição — olhou quase carinhosamente para o senhor e a senhora Lupin — Infelizmente, tal cura ainda não existe. A licantropia é uma doença com a qual você terá de conviver, Remus. Você é como qualquer jovem de sua idade, e merece uma chance de aprender magia como tal. Eu te ofereço uma oportunidade de estudar em Hogwarts, e vim aqui para saber se você está disposto a aceitá-la, meu jovem.

Remus não disse nada durante muito tempo.

— Eu não posso — sentenciou tristonho — Eu vou machucar a todos e…

— Eu me asseguro de que você não machucará a ninguém enquanto eu for diretor da Escola. Medidas especiais devem ser tomadas para a sua estadia em Hogwarts, é claro. Você precisará de um local para transformar-se a cada lua cheia e…

— Quanto a escola vai nos custar? — perguntou Lyall abruptamente — Não temos dinheiro. Gastamos tudo com o tratamento do menino, senhor.

— Nesse caso vocês podem usar o fundo de apoio que Hogwarts oferece aos estudantes sem recursos, senhor Lupin. Bem — ele voltou seu olhar para a criança — Essa foi a minha proposta. Vai aceitá-la, Remus?

— S-sim — balbuciou ele, a sombra de um sorriso perpassando por seu rosto.

Hope começou a chorar. Alegria, tristeza, alívio e medo: a mulher não sabia o que sentir. Abraçou o filho com ternura e beijou-lhe o topo da cabeça. Assim que Dumbledore partiu, Lyall aparatou até o Caldeirão Furado e voltou com um engradado de cervejas amanteigadas. A situação merecia um festejo.

— A Dumbledore! — brindou, erguendo seu copo cheio de bebida — O melhor e mais generoso bruxo que já existiu!

Há uma semana, Lyall levara seu filho ao Beco Diagonal para comprarem uma varinha: pretendia ensiná-lo em casa. Remus era um garotinho meigo, obediente e muitíssimo inteligente, que nunca teria a chance de se tornar professor por sua culpa. O Chefe da Seção de Regulamentação das Criaturas Mágicas que insultara o lobo Greyback e seu indefeso menino sofrera com as consequências. Lyall e Hope tiveram de criá-lo completamente sozinhos depois do acontecido, pois nenhum parente queria manter contato com um monstro. Mas, afinal, Remus não era monstro algum, e o diretor de Hogwarts sabia disso! O velho Dumbledore tinha mais coisas na cabeça do que todo o Ministério junto, e aceitara seu filho em sua escola. Construiria túneis, criaria mitos sobre casas mal-assombradas e moveria todo o corpo docente só para que um garotinho pudesse estudar.

Muito depois da meia-noite, Hope mandou que Remus subisse e fosse para a cama imediatamente. Ele não contestou. Nunca contestava nada. Deitou-se em sua cama estreita e dura, cheio de pensamentos estranhos na cabeça. Ele tinha medo de muita coisa, sobretudo de si mesmo. O que mais queria era ir para Hogwarts. Sempre sonhara em frequentar a melhor escola de magia de toda a Europa. Até aquela tarde, porém, não havia possibilidade alguma de fazê-lo. Dumbledore abri-lha uma porta, mas ele tinha medo de entrar: e se machucasse alguém? E se alguma coisa saísse do controle durante uma de suas transformações? E se descobrissem? Naquela noite, ele sonhou com presas cravando-se dolorosamente em seu pescoço.