A primeira vez que vi meus olhos, foi como um sonho. Um sonho horrível do qual eu não podia acordar. A primeira vez foi como se estivessem me matando de dentro para fora, sangue frio correndo por minhas veias, respirações entrecortadas rasgando minha garganta. A primeira vez foi algo tão horrível que me perturba todos os dias, mesmo que não me lembre. Afinal algumas pessoas se lembram dos primeiros passeios ao parque, ou do primeiro carrinho de controle remoto, ou a primeira vez que viu o mar. Mas meus olhos não eram tão diferentes assim. Eles eram profundos, frios e perigosos como o mar, e eu soube disso desde o instante em que os vi me fitando na imensidão de um espelho qualquer.
Meus olhos eram como se perder em uma floresta, na qual por mais que ande, você não consegue sair. Meus olhos eram como chorar no escuro, sentir lágrimas quentes na face, o tecido áspero dos travesseiros nas bochechas, e ter a certeza de que ninguém nunca saberia daquelas amargas gotas. Meus olhos eram como gritar no espaço, e saber que é impossível que alguém te escute, até você mesmo, embora tenha a certeza de que está gritando o mais alto que consegue. Não se escutar, eu garanto, é o pior pesadelo de qualquer um. Meus olhos eram como o vestido de casamento de uma viúva, que o encara durante dias e dias, sabendo que aquela peça de roupa teve um par, enterrado e soterrado por montantes de terra, dor, lama, e lágrimas. Meus olhos eram como dias de chuva que alagam cidades e tiram vidas, deixando rastros tristes por onde passavam. E eles continuaram assim.
O pior, eu garanto, é conviver com esses olhos. É saber que eles ressaltam sua pele alva e suas bochechas angulosas. É saber que eles combinam tão perfeitamente com seus cabelos platinados. Eu vejo na face das outras pessoas o terror, a vontade de correr, os ombros se encolhendo em medo, a vontade de ajudar que sempre contêm. Vejo tudo com os olhos que, às vezes, tenho vontade de fechar para sempre. É horrível saber que eles estão ali, como os vitrais de uma igreja abandonada, trazendo sombras estranhas e disformes, como bolas de gude em uma face fúnebre e conservada por formol, tentativa falha de imitar a vida. Ela é muito pior. Eu sei que eles estão ali, sei que eles estão me perseguindo como duas sombras azuis geladas, fluido congelante descendo por minha espinha como água. Eles nunca me deixam em paz.
Meus olhos são como um precipício no qual muitos já se arriscaram, sempre caindo pelas beiradas, se dependurando em sorrisos e caindo para o sombrio coração que abrigo no peito. Meus olhos são como as marcas feias que carrego nos braços, queimando como brasa, constantes, distorcidas, sempre inevitavelmente presentes. Quando me olho no espelho todos os dias, meus olhos são como o mar. E eu nunca aprendi a nadar.
