Assustada, faminta, perdida. Assim se encontrava Rhina, naquele lugar para onde foi trazida para ser vendida como escrava. Estava há quase dezoito horas sem comer ou beber alguma coisa. Ela se encontrava no fundo do poço, achando que estava prestes ao fim de sua vida.

- Não mereço morrer dessa forma! - disse ela para os ventos.

E para os ventos mesmo. Achava que os céus haviam abandonado sua pessoa, desde que foi capturada por alguns homens enormes enquanto andava sozinha, colhendo flores pelos jardins de sua casa, que se situava em uma pequena ilha em Red Line. Lembrou-se de quando foi colocada em um navio escuro e sinistro, imobilizada desde a boca até os calcanhares. Depois de um tempo, foi retirada do local e levada para um lugar até sofisticado, onde acontecia um serviço ilegal, talvez o pior deles: a escravidão. Em uma sala, puseram duas mulheres, de aparente meia idade, para verificar as condições físicas dela. Odiou quando foi forçada por estas a ficar nua, e nada poderia fazer, pois estava sob a mira de uma garrucha usada por uma delas e também estava com as mãos amarradas para trás e os pés também imobilizados por cordas negras e grossas. Depois da verificação daquelas mulheres, lhe puseram roupas brancas de chita e foi induzida a uma sala sem janelas, similar auma senzala, e cheia de outras mulheres de diversas idades. Todas possuíam a mesma feição facial de preocupação e revolta.

Surpreendeu-se quando lhe deram a melhor comida. Algumas outras futuras escravas choravam, reclamando das condições da comida que lhe ofereciam, mas para Rhina, que era de origem pobre e não tinha fartura nem mesmo nas plantações que cultivava, aquilo chegava a se aproximar de um "manjar dos deuses". Naquele mesmo local, passou duas noites junto com as outras. Numa certa manhã, algumas foram retiradas do local já algemadas – o que não foi diferente com Rhina. Ela foi levada em uma espécie de leilão, onde foi colocada diante de um público e ofertada como se fosse uma mercadoria, aliás, o que ela era realmente.

- Vejam, essa mulher foi recentemente achada perdida e foi resgatada por nós...

"Mentiroso!" ela pensou, enquanto ouvia o homem anunciá-la ao público. Ela estava de cabeça baixa.

- Ela é jovem, aproximadamente por volta dos vinte e cinco, forte, tem bom corpo! - disse o homem, puxando os cabelos preto avermelhado dela para que erguesse a cabeça. - Trate de olhar para frente! - reclamou o velho barbudo que a controlava ali.

"Tenho só dezoito!" pensou ela, já com raiva daquilo tudo. O homem de barba loira de tom escuro a exibia, sem tirar-lhe a roupa. Ninguém se revelou interessado em lances e logo retiraram-na dali. Uma das mulheres que a revistou anteriormente ficou com ela, e comentou ironicamente o porquê de ninguém ter lançado um valor.

- Você tem aparência juvenil, magra, só serviria para ser uma escrava sexual e olhe lá!

Rhina olhou calada. Apesar de ter apenas cinquenta quilos bem distribuídos em um metro e sessenta e cinco centímetros, tinha boa saúde. Possuía seios e quadris que revelavam que já era uma mulher basicamente feita. Foi levada até o mesmo lugar onde estava com as outras escravas, e não lhe tiraram as algemas dos pulsos e tornozelos. Havia menos escravas no local. Soube que uma delas, talvez era a mais velha de todas, acabou morrendo sem motivo aparente. Passou a noite em claro, por mais que os olhos se fechassem, sua mente estava aberta e atenta a qualquer mudança que reparasse. A uma hora dessas, sua irmã mais jovem de criação deveria estar desesperada e perdida quem nem estava a própria Rhina naquele momento. Ambas viviam sozinhas e juntas, trabalhavam como simples agricultoras para se sustentarem. Então, pela primeira vez depois que foi raptada e escravizada, chorou longamente até finalmente conseguir dormir.

Acordou dolorida no dia seguinte, pois dormiu sentada e encolhida quem nem uma concha. Mas isso não importava para os guardas que tomavam conta do lugar. Um deles entrou e puxou-a para fora, levando até aquelas mesmas duas mulheres, que conduziram-na até um banheiro, onde arrancaram-lhe as roupas para lhe darem banho. Sentia-se pior que uma pessoa com necessidades especiais, pois sequer teve direito a se banhar com privacidade. Porém, as duas eram cuidadosas em banhá-la, afinal não podiam estragar a mercadoria.

- Humm... breve será uma escrava sexual... se o feitor mostrar os dotes naturais que essa menina tem, logo vão comprá-la! - disse uma delas, enquanto deslizava a mão ensaboada pelo ventre delineado e os ossos da pelvis levemente visíveis.

Rhina não estava gostando muito de ser banhada pelas duas, e nem de ser levemente tocada de forma "gentil". A outra, que lavava os cabelos, deslizou a mão até os ombros, passando antes pelo pescoço delicado com as mãos ensaboadas, respondeu ao comentário da outra.

- De fato. Tem uma bela pele morena de tom claro, cabelos macios, carne e seios firmes, um belo corpo jovem! - aproximou os lábios até o ombro direito dela, tocando-a num beijo.

Rhina saiu das mãos das duas, limpando a área em que foi beijada com as próprias mãos, espalhando o resto da espuma do sabonete pelo corpo todo. E assim, ela mesma cuidou da própria limpeza íntima, e as outras apenas esperaram ela terminar, para vesti-la e levar de volta a senzala. Na madrugada do dia seguinte, pouco antes da hora em que iria ser levada para um segundo leilão, Rhina planejou fugir. Fingiu dormir profundamente depois do jantar que lhe deram. Como ela era a mais quieta e obediente das escravas, ela era quase deixada de lado pelos guardas que vigiavam – o facilitou um pouco para a jovem escrava. De forma experiente, Rhina analisou os fatos e a situação. Vendo que tinha uma chance, ela saiu pelos fundos da senzala, que tinha uma saída que foi descoberta por ela. Sem fazer um ruído, Rhina fugiu dali, olhando para todos os lados. Por um momento, percebeu que sua roupa branca sobressaía no meio de um mato em que estava, então se despiu ali, colocando o vestido embolado no colo e continuou a fugir pelo mato. Torcia muito para que não fosse encontrada, enquanto seus pés descalços tinham todo cuidado para não emitir um som. Passou o resto da madrugada naquele mato sem fim, e por um momento, ficou tensa. "Será que aqui é uma armadilha?" pensava Rhina, que não parava de andar às pressas por nada.

Ao vir a primeira luz do dia, Rhina decidiu se vestir. E com a luz do dia, pode encontrar a saída daquele mato. O lugar em que estava era diferente donde ela vivia. Um lugar rico em vegetação exótica. Estava em Sabaody, um arquipélago perto de Red Line, e não sabia. Embora seja chamado de um arquipélago, na verdade é uma floresta de mangue enorme crescendo para fora do meio do oceano com cada árvore da floresta servindo como um "ilha" para que as pessoas vivessem. E é lá que funciona o comércio ilegal de escravos.

Cansada e com sede, Rhina queria parar por um momento, mas não conseguia. Queria fugir para bem longe, o mais distante possível para não ser alcançada. Porém, não conseguiu resistir por muito tempo e, parando no meio de uma floresta, perto de um rio de água corrente, ela caiu às margens. Ali mesmo, deitada, ela molhava os lábios e bebia a água, sem pensar se era água limpa ou não. Cochilou por segundos, acordando na expectativa de continuar fugindo. Suas roupas se encontravam um trapo, rasgadas por passar entre arbustos espinhosos, sujas de terra e barro. Seus cabelos escuros, levemente ondulados, ainda tinham um belo brilho avermelhado. Sua beleza natural não tinha acabado diante de tantas limitações e desafios.

A noite daquele dia de fuga parecia longa, e ela já não tinha ideia para onde estava indo. Até que escutou ruídos. Pareciam gargalhadas... de homens... resolveu espiar para ver quem era, porém muito bem escondida. Eram como piratas... e sim, eram piratas. Um grupo pequeno. Quatro pessoas. Pareciam conversar em volta de uma fogueira fraca. Todos de aparência extravagante e portando armas. Não pareciam guardas que procuravam escravos fugitivos, mas poderiam estar encarregados de capturá-la. Todas as possibilidades circulavam dentro da cabeça dela. Um deles se levantou. um homem aparentemente pálido, de porte alto, musculoso, com cabelo vermelho brilhante, assemelhando-se chamas, ainda mais com a luz fraca da fogueira. Não dava para ver com detalhes o rosto, igualmente aos outros. O tal homem parecia discutir algo, e um outro deles se levanta também. Esse outro tinha longos cabelos louros, repicados, tinha mais ou menos a mesma estrutura corporal do outro. Depois de alguns minutos, ambos apagaram a fogueira e foram embora. Como estava perdida, e talvez bem longe dos seus raptores, resolveu segui-los.

Foi mais uma longa andança. Não quis parar nem para beber a água do mesmo rio onde havia matado sua sede antes. Seus pés doíam, suas pernas pediam para se esticar no chão e deitar. Finalmente, viu uma saída daquela floresta, e é para lá que foram o grupo de piratas, em direção ao mar. Ainda teve um pouco mais de caminho a seguir, até um enorme barco estranho, O navio tinha um estilo "heavy metal", com um crânio bizarro com duas espadas enormes atravessadas nele, como parte do convés. Realmente, pareciam que estavam de partida, só estavam verificando o navio e algumas coisas que estavam levando. Meticulosamente, Rhina foi se aproximando, e viu quando todos entraram no navio. Haviam caixotes grandes que estavam amarrados em uma parte do navio, provavelmente seriam puxados. Ela foi até um deles e tentou abrir, com a finalidade de entrar deles e fugir daquele lugar onde nunca deveria ter posto os pés. Só o que ela não imaginava era que alguém tinha percebido a sua presença.

Um homem enorme, usando uma touca marrom escuro como um manto e calções pretos a pegou pelo braço. A mão era enorme e Rhina se apavorou, deixando escapulir um gritinho.

- Gatuna! Flagrei-a tentando roubar nós! - gritou o homem, cuja voz chegava a doer em seus ouvidos.

Veio o mesmo homem louro até os dois.

- O que está acontecendo?

- Killer, peguei essa gatuna tentando roubar os pertences!

- Não! Não estava roubando nada... - Rhina tentou se defender.

O homem mascarado observou a criaturinha que seu companheiro de bando Wire segurava.

- Está me chamando de mentiroso, não é? - ele a sacudia pelo braço, fazendo-a cair no chão, mas sem soltá-la.

- Já chega, Wire! É só uma pobre garota de rua procurando comida! Não parece ser perigosa...

Killer fez um gesto para que o outro a soltasse, assim atendendo. Killer levantou Rhina, e analisou-a de cima para baixo. Ela mantinha a cabeça baixa, e seus cabelos cobriam o rosto.

- ...desculpe-me... eu... só estava procurando comida... mas não queria roubar ninguém! - Rhina sentiu a voz travar um pouco, devido a vontade de chorar.

- Wire, não a deixe sair até que eu fale com o capitão. Se ele permitir, trarei alguma coisa para você comer, ouviu menina? - Killer levantou o rosto dela, revelando sua beleza, mesmo em uma expressão abatida. - Parece-me que é uma fugitiva, em vez de uma simples mendiga.

Rhina decidiu revelar a verdade aos poucos.

- ...e sou. Só apenas queria voltar para minha casa, de onde fui tirada brutalmente.

Killer reparou nos pulsos marcados por contusões. Similar a pulsos que estavam algemados por muito tempo. Ele deduziu que era uma escrava fugitiva do tráfico local, mas nada falou a respeito. Foi lá dentro do navio atrás de Kid, seu capitão. Informou sobre uma "suposta" escrava que estava procurando comida por trás das mercadorias roubadas. Só que Kid não gostou de saber disso.

- Não vamos acoitar escravos fugidos! - Eustass Kid deixou bem claro.

- Só apenas queria saber se podemos despachá-la com alguma coisa de comer.

- Nada! Ela estava roubando mesmo! Conheço gente desse tipo! - ele largou uma de suas armas no chão, jogando-a. - Vou fazê-la comer uma punição que eu mesmo vou dar!

Kid saiu dali e Killer foi atrás, segurando-o pelo ombro.

- É um pobre garota fraca e faminta! Não há necessidade de puni-la! - o loiro tentou convencer o outro, que não lhe deu ouvidos e foi até lá.

Kid avistou Wire com uma criatura baixa e franzina, de roupas de chita sujas e rasgadas. Realmente, era uma criatura sem nenhum sinal de perigo. Mas poderia ser usada como isca para alguém que, por trás, poderia atacá-los. Chegou diante dela, que já estava de cabeça baixa, submissa e rendida.

- Olha pra mim, não gosto de ser ignorado! - uma voz rouca e firme ordenou Rhina a levantar a cabeça.

Rhina reconheceu o primeiro deles que ela viu de longe. Aquele era o capitão do bando. Altivo, bravo, arrogante. Sentiu medo em encarar olhos tão vivos, vermelhos que nem sangue. Sádico. Por uns segundos, Rhina tinha se arrependido de ter fugido do cativeiro. Ou de ter seguido eles.

- Quem é você e o que quer aqui? - Kid amansou um pouco a voz, mas mantinha sua desconfiança.

- …

- Perguntei para ser respondido. Quem é você?

- Você é uma escrava fugitiva, não é mesmo? - Killer acrescentou, se aproximando dela.

Rhina arregalou seus olhos castanhos, ainda mais claros com a luz do dia.

- Ah, então é isso! - respondeu Wire. - E então, capitão, que vamos fazer com ela?

Kid puxou um punhal que ostentava no peito em uma cinta, acompanhado de uma pistola. Rhina suava frio.

- Conheço uma forma de punir ladrões como se deve... cortando-lhe os pulsos! - disse Kid, apontando um punhal.

Rhina caiu de joelhos. E resolveu confessar tudo. Que estava tentando se esconder em um dos caixotes para fugir daquele lugar, e poder voltar para casa quando estivesse em total segurança. Os outros olharam-na, sem falar uma palavra. Ela chorava intensamente

- Tenha piedade, por favor! Faço tudo que o senhor quiser, mas poupe minha vida, não me devolva para eles!

- ...pra onde fica sua casa? - perguntou Kid, abaixando o punhal.

- Em Red Line, na primeira ilha.

- Entendo... levante-se!

- O... o que vai fazer comigo, senhor? - Rhina ainda estava ajoelhada, não querendo encará-lo nos olhos.

Ele a pegou pelo outro braço, levantando-a sem muita gentileza. Viu melhor como estava fraca e machucada. Apesar de tudo, ainda mantinha-se a bela jovem que era. Kid percebeu isso.

- Com razão te raptaram para o comércio escravo, é uma peça bem interessante! - disse ele, friamente.

- O que vamos fazer com ela? - Wire perguntou.

- Mudei de ideia: vamos levá-la conosco.

Ela sorriu, aliviada. Mas Kid percebeu a expressão da jovem fugitiva e já foi alertando.

- Mas lembre-se que posso mudar de ideia quando eu quiser. Pretendo ajudá-la voltar para sua casa, mas desde que esteja de acordo em ser obediente. Enquanto estiver conosco, vai cuidar dos serviços de limpeza e da cozinha. Caso não esteja de acordo, eu te deixo aí mesmo sem pão nem água! - disse as últimas palavras no seu jeito grosso e áspero de ser.

- Aceito qualquer serviço, senhor... - disse a outra, de cabeça baixa, quase tendo o braço esguio arrancado.

- Senhor Kid. - disse ele, e lembrando-se da pergunta que fez e não foi respondido. - E ainda não disse como se chama!

- Rhina...

- Humm... vamos!

Kid não soltou o braço dela levando-a para o barco. Quando todos já estavam no barco, puxaram os caixotes para que entrassem no barco e assim foram embora do porto. Kid a colocou em um canto no navio e mandou um outro homem que ela não conhecia ainda tomar conta dela. Heat, o que ficou encarregado em vigiá-la, tinha cabelos azuis pardos, longos e desgrenhados. Tinha cicatrizes costurados em seu queixo, boca, e no ponto alto de suas bochechas. Possuía também tattoos pelo corpo.

- Quem é esta? Parece uma fugitiva! - disse Heat, olhando-a, vendo que estava machucada nos pulsos e nos tornozelos. A mesma ideia veio em sua cabeça, assim como Killer – percebeu que se tratava de uma escrava.

- Chama-se Rhina, e vai ser a nossa criada apor alguns dias! - apresentou-a Kid para ele.

- Ohh... então, você a comprou como sua escrava?

Rhina olhou zangada para o homem de cabelos azuis.

- Ué, mas não é isso?

- Mais tarde explico melhor! - disse Wire, batendo no ombro dele amistosamente.

- Não a comprei e nem é minha escrava, mas deve prestar uns servicinhos até que volte para Red Line, de onde vem ela. Foi flagrada suspeitosamente roubando nossas coisas, eu mesmo cortaria o pulso dela! - explicou Kid. - mas a poupei devido ao estado deplorável em que se encontra.

Ela não gostava do modo que ele a tratava. Ainda estava acusando de furto. Mas sua vida dependia da "simpatia" deles por ela. Mas no fundo, Rhina estava agradecendo por sair daquele lugar. Quem sabe, futuramente, aqueles piratas poderiam ajudá-la? Talvez, pudesse melhorar de vida um pouco, e poderia beneficiar também a irmã. Só precisava de tempo... e de sorte.