DISCLAIMER: Todos os personagens da série "Sir Arthur Conan Doyle's The Lost World" são propriedade de John Landis, Telescene, Coote/Hayes, DirecTV, New Line Television, Space, Action Adventure Network, Goodman/Rosen Productions, e Richmel Productions (perdoem qualquer omissão).
Notas: não, eu não sou dona dos personagens… Mas isso não me impede de amá-los!
Observação: o primeiro capítulo dessa fic já foi previamente publicado, sob o pen name CMZANINI, e o título de "Depois da Tempestade...". Porém, por algum problema no fanfiction, desapareceu e ficou "bloqueada" para leitura, por isso está sendo republicada sob um novo título e sob um novo pen name (Cris Krux). Como também perdi todas as reviews, não posso agradecer aos leitores, mas agradeço a todos os que me apoiaram, me incentivando a republicar todas as fics: Becka, Camila Geisa, Claudia, Fabi, Ju, Lady K, Lady F, Lord Ed, Nay, Ninna, Pri, Rosa, Si Bettin, Si Ianuck, Tata (espero não ter esquecido de ninguém, mas se esqueci de citar meu coração com certeza não esqueceu, viu?)
Autora: Cris Zanini
Spoilers: muitos! :-) Principalmente Heart of the Storm, já que essa fic arvora-se a pretensão de ser uma possível continuação ao último episódio da temporada 3 do nosso seriado preferido... Essa fic foi classificada em 4º lugar no concurso HOTS do grupo TLW Casa da Árvore.
Agradecimentos especiais: às juízas do concurso HOTS, que já leram essa fic... E à Lady K, que descobriu uma incoerência na estória antes que eu a publicasse. Lady K, você é demais!
Depois da Tempestade...
Parte I – Ponto de Inflexão
Marguerite estava assustada, realmente assustada dessa vez.
Ela sabia disso, e detestava admitir.
Em todos os anos como espiã de guerra, por muitas vezes estivera a beira de ser descoberta. Fora presa, torturada, mas sempre recebera a dádiva da dose certa de sorte e esperteza para escapar de todas as situações limite. Mesmo aqui no platô sua vida estivera em perigo várias vezes. Mas sempre, sempre seus amigos haviam manejado a situação e conseguido salvá-la. Seus amigos. E entre eles, Roxton.
Seu chamado por Roxton tinha vindo do fundo do coração. Ainda tinha em seus lábios o gosto do beijo que tinham compartilhado há poucos minutos... A situação toda degringolara tão depressa depois daquilo, que o dia que tinha começado com aquela brincadeira maliciosa entre eles, sempre provocando e depois fugindo, ia terminar desse jeito totalmente atravessado.
O que ela desejava mesmo é que ele aparecesse para salvá-la, como sempre fazia... Isso daria a ela todas as alegrias: ver o homem que ela admitidamente amava vivo, saber que ele estava bem, e saber que tudo ficaria bem simplesmente pelo fato de que ele estaria com ela, que iria salvá-la...
Como mudara no platô. Até chegar aqui, e mesmo no começo, não contava com ninguém para defender-se. Sabia que ninguém a cobriria ou protegeria, e sua vida tinha sido um permanente estado de alerta, com o objetivo único de sobreviver para descobrir quem ela realmente era. Agora, nessa situação extrema, seu coração condoia-se na esperança que seus amigos, aqueles que tinham conseguido fazê-la acreditar que as pessoas podem ser amigos verdadeiros e com quem se pode contar, aparecessem como sempre faziam.
Mas onde quer que eles estivessem, ela desejava que eles estivessem bem, sãos e salvos, pelo menos em uma situação melhor que a dela. Roxton principalmente. Porque ela sabia que por mais rápido que eles pudessem ser, agora, era tarde demais, eles não chegariam a tempo de salvá-la.
Ela estava ali, deitada naquele altar de pedra, segura firmemente pelas mãos de quatro druidas. Era o mesmo altar onde estivera há menos de um mês, quando finalmente dissera a John que o amava. Mas a caverna estava inteira e não tinha sinais de explosão. Ela estava na mesma caverna, mas em outro tempo, muito antes daquele tempo deles no platô. Por mais que esperneasse e lutasse contra a prisão que as mãos dos druidas representavam para seu corpo, não conseguia se libertar.
O frio da pedra parecia perpassar as costas de sua camisa e inundar-lhe o corpo e o sangue, e aquilo que a invadia agora era o estranho sentimento do medo. Talvez nunca tivesse temido antes porque não tinha nada verdadeiramente a perder. Mas agora o medo aparecia, então ela não podia negar nem para si mesma que finalmente ela tinha conquistado algo que era doloroso perder: uma vida que finalmente fazia sentido ser vivida.
Então tudo terminaria assim? Sem que ela soubesse quem era, quem eram seus pais, porque tinha sido abandonada quando pequena? Todas as suas buscas, todos os sacrifícios feitos em vão, para chegar ao final sem descobrir nada? Era frustrante nascer e ter vivido, e agora estar morrendo sem saber quem ela realmente era!
Seu único consolo é que pelo menos ela morreria sabendo que tinha dito a John que o amava... E depois do que ele lhe contara hoje, o futuro deles poderia ter sido diferente. Afinal, ele não vinha de uma família nobre desde sempre! Seu ancestral que tinha recebido o título tinha sido um dos corajosos piratas aventureiros que tomara parte da marinha inglesa lutando pelo poderio naval no século dezesseis. Poderia ter havido um futuro para eles. Poderia... Mas não mais...
O tempo passava como que em câmera lenta agora.
Ela via o druida que parecia ser o chefe dos que a haviam prendido segurando sua adaga sobre ela.
Ela viu a adaga se aproximando, tocando seu abdômen na altura do diafragma, mas ao invés de sentir dor, sentiu apenas o frio da adaga em contato com sua pele e em contato com sua carne.
Ela via o sangue brotando de seu corpo, sentia o calor daquele sangue em contraste com o frio lancinante da adaga, mas não sentia dor.
O tempo pareceu parar por um instante. E ela entendeu! Algo estava errado: ela só poderia ser a reencarnação de Morrighan como Bochra lhe dissera em sua visão há tanto tempo atrás se a verdadeira Morrighan tivesse morrido. E a verdadeira Morrighan só morreria se os druidas a matassem – ao invés de matar Marguerite como estavam tentando fazer!
E de repente soube o que fazer. Começou a cantar, instintivamente. Não era uma música que ela conhecesse, mas uma melodia ancestral, que vinha de dentro dela. Era um canto sem palavras, de sons vocais e guturais, profundos e envolventes.
Em algum lugar de sua mente ela se lembrava de já ter usado aquele canto em algum lugar, sim, quando tinha encontrado Bochra... Mas ela conhecia Bochra, não apenas daquele sonho ou visão, ela realmente o conhecia. E reconhecia finalmente aqueles homens que estavam ao redor dela.
Naquele momento, já não era mais Marguerite Krux, Marguerite Smith, Baronesa Von Helsing, Parsifal ou qualquer um dos outros nomes que tinha usado em sua curta vida de espionagem e manipulações. Ela sabia quem era agora: a reencarnação de Morrighan, a deusa-sacerdotisa celta da morte e do renascimento, a deusa da mudança, da justiça, a deusa do destino.
E então já não estava mais deitada sobre o altar de pedra com uma adaga a trespassar-lhe o corpo.
Ela estava voando, dentro da caverna, vendo os druidas em movimento suspenso rodeando agora o altar vazio.
Seu corpo já não tinha mais a forma de Marguerite, ou Morrighan, mas do corvo, ou gralha. Assumira o seu aspecto Badbh. Era o que mais lhe convinha nesse momento. O platô tinha se tornado um enorme campo de batalha, onde morte e vida estavam para ser decididos. E ela precisava encontrar a verdadeira Morrighan para que os ciclos da vida pudessem retomar seu curso.
Ela deslizou suavemente pela caverna, saindo da mesma e voando dentro da tempestade, que açoitava agora violentamente o platô. Sentia o vento gelado acariciar-lhe brutalmente as penas negras, e a chuva pesada empurrá-la para abaixo das nuvens. A água impedia-a de ver claramente, mas seu instinto a guiou diretamente de volta à Casa da Árvore, onde Verônica estava de pé, no centro da casa, com o Trion seguro em sua mão, envolvida por uma luz amarelada que emanava daquele ponto central do platô.
Mas o que ela via agora não era mais Verônica, ou Abigail, ou qualquer outra das mulheres através das gerações de Avalon, mas apenas a Protetora do Platô. Ela estava imóvel, e Marguerite-Morrighan sabia que a imobilidade apenas sustentaria as coisas como estavam, mas não provocaria nenhum estado de mudança que seria o necessário para alterar o destino do platô, para desviar a borrasca. Sua memória ancestral reconhecia muitas repetições históricas desses inícios e recomeços de civilizações em todo o mundo, em todos os tempos. E ela sabia que se uma nova Protetora tinha sido invocada, principalmente fora de Avalon, é porque a Protetora Atual estava em perigo ou incapacitada de defender o Platô.
Seu coração se apertou.
Ela só teria uma chance de fazer o que precisava ser feito.
Sabia que sua ancestral estaria em Avalon, agora, provavelmente atacando Abigail, a mãe de Verônica.
Mas não sabia como chegar em Avalon. Nem sabia se chegaria a tempo de salvar a mãe de Verônica. Pois vendo Verônica chamar pela mãe sem obter nenhuma resposta só poderia supor que Abigail estava frágil demais – ou talvez até já destruída – pela força renovadora de Morrighan.
Temia abandonar Verônica, e não encontrar Avalon, ou não chegar a tempo de salvar Abigail, e, o que era pior, deixar Verônica à mercê da Morrighan original. Verônica talvez não a perdoasse, mas Marguerite não arriscaria. Sua missão era ficar ali, com Verônica, e protegê-la quando a verdadeira Morrighan a viesse procurar para destruí-la.
Verônica estava como num transe. No meio do cone de luz amarelada, ela viu sua mãe: uma versão mais velha de si mesma. Chamou-a, mas sua voz se perdeu no barulho da tormenta. E seu coração se apertou pelo que via: Marguerite estava atacando Abigail. Não estava vestida como a Marguerite que deixara a Casa da Árvore na manhã daquele dia conturbado, mas usava sim uma túnica longa, amarrada à sua cintura. Tinha exatamente a mesma constituição física da herdeira, longos cabelos negros e cacheados caindo em cascata pelas costas. E lutava com sua mãe! Mas como Marguerite encontrara sua mãe? E porque a estava atacando e lutando com ela tão ferozmente?
Num dos movimentos da luta, Abigail ficou de costas para Verônica, em sua visão, e finalmente ela pôde observar melhor o rosto de Marguerite. Queria entender, pois sabia que depois desses três anos, a herdeira não seria capaz de realmente fazer mal a qualquer um deles deliberadamente, embora ainda quisesse que eles acreditassem que ela era má e escondesse deles seus sentimentos mais nobres e doces ocultos sob uma grossa camada de anos de auto-preservação. E foi então que percebeu que aquela não era Marguerite.
Era exatamente como ela, o mesmo corpo, o mesmo rosto, todos os traços em cópia perfeita, como o clone de Marguerite que tinha aparecido na Casa da Árvore depois dela entrar inadvertidamente naquela caverna de cristal em que seu corpo real ficara preso.
Mas os olhos, como da outra vez, não eram os olhos de Marguerite. Tinham a mesma cor e a mesma aparência felina, mas esses eram olhos frios, com um propósito tão forte que seriam capazes de qualquer coisa para atingi-lo. E Verônica sabia que nem nos piores momentos Marguerite teria um olhar tão gelado assim. E principalmente não o teria enquanto estivesse lutando com a própria Abigail, afinal, mesmo Marguerite não tendo conhecido a mãe de Verônica, automaticamente a reconheceria, pois Abigail era apenas uma versão um pouco mais velha da própria Verônica.
Verônica quis lutar, ajudar sua mãe, e chamava por ela com voz angustiada. Mas era apenas uma visão, e ela tinha que assisti-la sem poder fazer nada.
Marguerite observava a agitação da garota da selva, mas não conseguia aproximar-se mais dela, impedida pelo cone de luz que envolvia Verônica. Via que ela parecia estar sofrendo, e seu coração se apertou ainda mais por não saber como confortar aquela que ela considerava como uma verdadeira irmã.
Verônica assistiu, em sua visão, à cópia de Marguerite (que não era Marguerite e sim a verdadeira Morrighan) transformar-se em uma égua (a forma Macha de Morrighan) e com agilidade ferir sua mãe, derrubando-a finalmente com um coice e pisoteando-a com suas patas poderosas. Depois, tão rapidamente quanto antes, ela se transformou num corvo, e com seu bico forte cortou o cordão do Trion que estava no pescoço de sua mãe e saiu voando com o Trion em suas garras, deixando sua mãe no chão. Verônica tentou se mover, se aproximar, para socorrer sua mãe, mas então a visão se desvaneceu.
Ela continuava ali paralisada, sem poder se mover, e não pôde conter as lágrimas que banhavam seu rosto. Onde estaria sua mãe? Estaria viva ainda? Sabia que o coice do animal em que Marguerite se transformara poderia tê-la matado, mas não tinha como ter certeza agora. Apenas estava triste, e muito confusa. E assustada também, porque com sua mãe posta a nocaute, talvez mesmo morta, ela finalmente se tornava a protetora oficial do platô.
Enquanto isso, a verdadeira Marguerite continuava em sua forma de corvo, observando e vigiando. Via o pesar estampado na face bondosa e inocente de Verônica, e sentia que o que quer que a garota das selvas tivesse visto ali tinha realmente despedaçado seu coração.
Em alguns minutos porém, percebeu, com certo pesar, que sua decisão de ficar na Casa da Árvore para tentar proteger Verônica tinha sido acertada: um outro corvo entrou voando velozmente na sala. Era Morrighan, sua ancestral. Havia sangue em seu longo e afiado bico. E como a luz da pirâmide de Verônica tivesse ficado muito mais forte nos últimos momentos, Marguerite teve certeza que Abigail tinha sucumbido. Mas agora não havia tempo para lamentar. Sabia que ela tentaria atacar Verônica, e precisava defendê-la. Sabia instintivamente agora que dela dependia a continuidade da existência de todos, da existência do platô e da fonte de energia de um mundo inteiro.
O outro corvo pareceu surpreso de ver Marguerite ali. Mas Marguerite resolveu aproveitar-se do elemento surpresa para partir para o ataque. Voou em direção ao outro corvo, e com seu bico poderoso tentou atacar o peito dela, fazendo um esforço desesperado para ferir o quanto pudesse sua atacante. Mas Morrighan recuperou-se rapidamente de sua surpresa, e mesmo sem compreender contra-atacou Marguerite. Mais habituada a lutar em suas diversas formas físicas, Morrighan levou vantagem e conseguiu bater muito e depois ferir, ainda que levemente, Marguerite com seu bico e suas garras.
Verônica ouviu os grasnidos violentos de aves próximo a si, acima do torvelinho da tempestade, e virou-se para contemplar uma cena estranha. Dois corvos, fora do seu cone de luz, lutavam ferozmente. Um deles tinha preso em seu bico o Trion, o Trion de sua mãe. Mas nunca tinha visto corvos no platô, exceto na visão que acabara de ter. E agora havia dois corvos, ali, na sala da Casa da Árvore. Um ela sabia ser a mulher que era a cópia de Marguerite, que tinha atacado sua mãe e se transformado em corvo. E o outro corvo, de onde viera? Seria também uma pessoa? Viu que os corvos estavam se atacando, um tentando ferir o outro, e que aquele que segurava o Trion finalmente conseguiu uma boa vantagem, arranhando o outro corvo depois de bater nele com suas asas, bico e garras, afastando-o por alguns minutos para ganhar tempo na batalha.
Nesse instante, o corvo que segurava o Trion se transformou novamente na mulher que era a cópia de Marguerite, apenas com roupas diferentes e os olhos frios. Verônica viu que o outro corvo tinha pousado sobre a mesa, e agora olhava como que hipnotizado para a mulher que aparecera como que por encanto.
Marguerite, batida e ferida pelas garras de Morrighan, tinha pousado sobre a mesa, para recobrar o fôlego. E ver o outro corvo transformar-se nela mesma, mas vestindo a túnica druida a deixou totalmente surpresa. Agora entendia porque os druidas a tinham confundido duas vezes com a própria Morrighan. Elas eram absolutamente iguais. Por alguns instantes ficou ali, tentando fazer sentido do que via, enquanto tentava voltar a respirar normalmente.
'Você não é Marguerite.' Verônica gritou do meio do cone de luz.
Marguerite, então, ouvindo sua amiga, notou que Morrighan se aproximava perigosamente de Verônica. Sabia que o propósito de Morrighan seria destruir a última Protetora. Mas fora por isso que Marguerite ficara ali, na Casa da Árvore, ao invés de sair desesperadamente tentando procurar por Morrighan ou salvar Abigail. Ela ficara para salvar Verônica, e para salvar o platô. E faria isso, ou pelo menos morreria tentando.
Ela levantou vôo e tentou entrar no cone de luz. Mas não conseguiu. Era como se houvesse um escudo invisível naquela luz que a impedia de entrar. Não sabia se teria mais vantagens contra Morrighan como Badbh ou como Marguerite. Tentou novamente entrar no círculo de luz, e viu então que Verônica olhava como que fascinada para ela. Não conseguiria falar, como Badbh, mas em seu coração disse à Verônica: 'Não tema, eu vou levar essa assassina daqui.'
Verônica viu o corvo tentando desesperadamente entrar no cone de luz que a envolvia, ao mesmo tempo que ouviu a voz distante de Marguerite falando com ela. Decididamente deveria estar sofrendo algum tipo de alucinação, mas a presença de Marguerite era tão forte que Verônica tinha certeza que ela estava ali, de alguma forma.
Foi então que Verônica viu o corvo desistir de entrar no cone de luz e voltar-se para atacar a mulher que era a cópia de Marguerite. Primeiro, o corvo estendeu suas grandes asas, batendo-as com força e desorientando a mulher. Mas viu que a mulher repeliu o corvo com um safanão tão forte que o mandou num baque surdo contra a parede da Casa da Árvore, tendo antes derrubado o vidro em que Arthur o besouro estava preso em seu casulo. O corvo caiu no chão, depois de bater na parede, no meio dos cacos de vidro da ex-casa de Arthur, enquanto a mulher continuava avançando na direção de Verônica. Mas o corvo levantou vôo novamente, primeiro um pouco incerto, como que confuso pela pancada e ferimentos recebidos, e investiu novamente contra a mulher que se aproximava cada vez mais de Verônica.
Marguerite estava confusa e sua visão estava borrada. Morrighan tinha uma força descomunal, sobre-humana – até porque uma deusa sacerdotisa realmente deveria ter algo mais que humano, definitivamente. Tinha a sensação que suas asas não a sustentariam no ar, pois sentia que estava fraca e desequilibrada, mas tinha que impedir Morrighan de atacar ou ferir Verônica. Já tinha entendido que Morrighan era muito mais poderosa que ela, pois estava habituada a usar os poderes e as formas a seu favor, enquanto Marguerite tinha que confiar em instintos que até poucos momentos atrás lhe eram absolutamente desconhecidos. Então teve uma idéia. Voou circulando a mulher mas, ao invés de atacá-la, avançou diretamente para sua mão, tomando rapidamente o Trion, o mesmo Trion que Morrighan tinha arrancado havia pouco do peito da mãe de Verônica, Abigail.
Morrighan ainda tentou pegá-la, mas Marguerite, com o Trion seguro em seu bico, voou o mais alto que pôde, quase tocando as vigas do teto da Casa da Árvore. Ela precisava ter certeza que Morrighan a seguiria e pararia de atacar Verônica. Mas não foi o que Morrighan fez. Ela continuou seguindo na direção de Verônica, que estava imóvel agora dentro do cone de luz. Mas a mulher não conseguia entrar no cone de luz. Marguerite se aproximou novamente do cone, e agora, com o Trion em seu bico, foi como se o cone de luz que protegia Verônica admitisse sua entrada. Era isso, o cone de luz protegia a Protetora. E só o Trion podia penetrar aquela proteção.
Marguerite viu a mulher se paralisar de raiva do lado de fora do cone. Mas isso não importava, pelo menos por um momento. Dentro do cone de luz, Marguerite estava com Verônica, que não a reconhecia sob a forma de corvo, e a temia vendo que ela já tinha posse de um dos Trions.
'Verônica, sou eu, Marguerite. Preciso do outro Trion. Essa mulher que parece comigo é Morrighan, uma sacerdotisa druida, ela está aqui para destruir o platô. Eu preciso levá-la daqui, mas ela só virá atrás de mim se eu tiver o símbolo da Protetora.'
Verônica ouvia a voz de Marguerite como que vinda do nada, mas apenas o corvo pairava a sua frente, sem menção de atacá-la. O corvo era Marguerite?
'Marguerite? É você?' e Verônica estendeu um braço, em que Marguerite pousou mansamente. Verônica teve certeza então, pois sabia que o outro corvo, o que atacara sua mãe, já a teria atacado se tivesse tido a chance. E esse corvo apenas se aproximava dela, com suavidade. Ela estendeu então a mão em que segurava o Trion, colocando-o no bico de Marguerite juntamente com o Trion de sua mãe. Verônica acariciou levemente o Trion de sua mãe, mas deixou ambos juntos com Marguerite.
'Para onde você vai?' Verônica perguntou ao corvo, sentindo que a voz que lhe respondia era a de Marguerite.
'A caverna em que ficamos presos quando Challenger teve amnésia. Mas não me siga até que tudo tenha acabado, sob hipótese alguma, entendeu? Você é a Protetora do Platô e tem que ficar viva para protegê-lo.' Marguerite respondeu, e levantou vôo rapidamente, saindo do círculo de luz.
Ela ouviu um grito, e viu que Morrighan voltara a se transformar num corvo, seguindo-a agora em vôo. Viu o cone de luz que envolvia Verônica desaparecer lentamente, e sabia que precisava desviar a atenção e a força de Morrighan para outro lugar que não fosse a Casa da Árvore, pois Verônica agora estaria totalmente desprotegida.
Ela saiu voando pelo balcão no meio da tempestade, apenas virando-se para confirmar que Morrighan a seguia. Mas nem precisava se virar para ter essa certeza, os grasnidos violentos que ouvia só podiam ser os da mulher-corvo que a perseguia. Ela voou o mais rápido que conseguia. Agora seu corpo todo doía, ferido e batido por Morrighan. Mas faltava pouco: ela só precisaria entrar na caverna onde estavam os druidas. Eles saberiam que havia duas Morrighans ali. Mesmo que eles a matassem, além de matar a verdadeira Morrighan, isso já não teria mais importância, porque o ciclo apropriado de antecessão-sucessão teria sido finalmente cumprido.
Enquanto no céu as nuvens estavam fechadas e escuras, abaixo, no nível do chão, os diversos planos conflitantes de realidade se sobrepunham de maneira assombrosa.
Mas no momento sua meta era apenas uma: voltar à caverna em que os druidas a tinham tentado sacrificar. Finalmente, viu a caverna, os druidas e seu líder a frente dela procurando por algo ou alguém – por ela, certamente. Ela mergulhou num vôo vertical, entrando aquele plano de realidade, e passando como um raio pelos druidas, adentrou a caverna, seguida de muito perto por Morrighan, que finalmente a alcançara.
Morrighan não sabia quem seria aquele outro corvo, mas ainda assim o atacou ferozmente. Sabia que o outro corvo tinha os dois Trions, as duas gerações de proteção de toda a fonte de vida do platô. Mais uma vez seu bico e garras feriram as asas e o peito do outro corvo, mas ainda assim Marguerite não largou os Trions.
Nesse meio tempo, os druidas, que tinham visto os estranhos corvos entrando na caverna, tinham entrado. Afinal, eles conheciam muito bem as várias formas de Morrighan. Quando Marguerite, desorientada e ferida, finalmente os viu, soube que sua missão estava quase cumprida agora. Concentrando-se, ela se transformou, deixando sua forma Badbh e voltando à sua forma Marguerite. Mas o que sentiu a fez ajoelhar-se. A adaga que eles tinham usado no começo do sacrifício projetava-se para fora de seu peito, a dor lancinante e a dificuldade em respirar levando-a ao chão. Além disso, os hematomas e muitos ferimentos se espalhavam por seu rosto, braços e torso, resultado das suas diversas refregas com Morrighan enquanto corvo. Mas em sua mão estavam seguros os dois Trions, suas juntas e os nós dos dedos esbranquiçados pelo esforço de manter-se consciente e de não deixá-los cair nas mãos de Morrighan.
Ver o outro corvo transformar-se numa cópia dela mesma surpreendeu Morrighan. Quem seria aquela mulher que tinha os mesmos poderes que ela e que lutara tão ferrenhamente para defender o platô? De qualquer forma, isso não importava agora, ela estava ali, ferida de morte e indefesa, caída de joelhos a sua frente, pendendo perigosamente prestes a perder os sentidos.
'Por que você quer destruir o platô?' Marguerite perguntou, entre dentes, sentindo sua força se esvair. Parecia insanidade falar com um corvo, mas ela sabia que aquele corvo era Morrighan e que a entenderia.
'Um ciclo de tempo foi quebrado. Uma ruptura temporal foi causada, e isso demanda destruição para que nem passado nem futuro possam ser afetados.' A voz parecia vinda do além, pois o corvo não se movera, apenas a olhava fixamente, se aproximando devagar em pequenos saltos.
'Ruptura temporal? Viagem no tempo? Finn? É a ela que você está se referindo?' Marguerite estava confusa e seu estado físico debilitado não a ajudava a pensar melhor.
'Não importam nomes. Alguém do futuro voltou ao passado – e tem que voltar a seu próprio tempo. Todos as diversas realidades, passado, presente e futuro já se misturaram, e apesar de algumas confusões, aquela que precisava voltar à sua origem já foi retornada. A velha Protetora do Platô ainda tentou me impedir, mas eu a matei. E com os dois Trions, agora minha missão vai ser completada encerrando mais um ciclo nesse platô.'
Morrighan vencera mais uma vez. E era como Morrighan que queria triunfar. Então, assumiu novamente sua forma Morrighan, a cópia do corpo de Marguerite com a túnica druida.
E esse foi seu único erro. Os druidas que tinham voltado à caverna imediatamente reconheceram que a mulher ajoelhada que eles tinham tentando sacrificar mais cedo, apesar de idêntica a essa mulher de túnica, não era seu alvo. Eles se aproximaram por trás, pegando a verdadeira Morrighan, e levando-a ao altar.
Marguerite viu-a debater-se – como ela mesma tinha feito pouco antes – mas eles a seguraram e deitaram no altar. O druida pegou uma outra adaga trabalhada, e sem mais perda de tempo ergueu a lâmina e pronunciando palavras de um cântico ancestral baixou-a com força sobre o peito de Morrighan, para o sacrifício. Mas Marguerite não chegou a ver essa parte. Ela tinha finalmente desmaiado.
CONTINUA...
Nota 1: Morrighan é uma deusa celta bastante conhecida. Ela é a deusa da guerra, da vingança, da morte e renascimento, do destino, da mudança e da justiça. Ela é a patronesse das sacerdotisas e é a que empurra os guerreiros para suas vitórias… ou derrotas. Como várias deusas celtas, Morrighan compreende três aspectos:
Badbh – o corvo ou a gralha - ela é conhecida como aquela que sobrevoa os campos de batalha sob a forma de um corvo ou gralha.Também é ela que lamenta as mortes das almas corajosas. É ela quem carrega suas almas para o caldeirão do renascimento. Esse aspecto frágil pode ser chamado seu aspecto gentil
Macha – a égua ou potranca – é o aspecto maternal de Morrighan. Muitas pessoas conhecem a história de Macha e como ela se apaixonou por um homem mortal. Ele gabou-se que ela poderia correr mais rápido que os cavalos do rei, e o rei disse a ele para apostar nela. Ela estava grávida de gêmeos nesse tempo, e implorou ao rei que esperasse até que eles tivessem nascido. Ele negou-se e ela foi forçada a participar da corrida, mesmo grávida. Ela ganhou, e deu à luz aos gêmeos no final da corrida. Humilhada, ela gritou a maldição de que por 9 gerações, todos os homens de Ulster depois da puberdade sofreriam as dores do parto por 4 dias e noites na noite de uma importante batalha e que eles ficariam incapacitados pelas dores de forma a não poderem lutar. Então, ela se transformou numa égua e partiu galopando, deixando seu marido com duas crianças e nenhuma esposa.
Nemain – a megera – esse é o aspecto idoso de Morrighan. Ela é freqüentemente descrita como "A Lavadeira do Vau", uma figura melancólica de uma senhora idosa, lavando roupas ensangüentadas no rio. Um guerreiro que veja essa aparição lavando suas roupas ensangüentadas antes de uma batalha sabe que vai morrer. É ela que coloca a ferocidade sangrenta nos corações dos guerreiros. É também ela que é a patronesse das sacerdotisas. Ela compartilha sua sabedoria direta e objetiva com todos aqueles que ousarem e estiverem prontos para ouvir.
A Canção de Morrighan:
Eu sou o início
Eu sou o fim
Eu sou a vida
Eu sou a morte
Eu sou a guerra
Eu sou a paz
Eu dou a vida
E eu a tiro
Minha voz é aquela que se ouve sobre o campo de batalha
Meu espírito é aquele que dirige os homens à vitória... ou à derrota!
Eu sou as carpideiras sobre os filhos e companheiros mortos.
Eu sou aquela que traz as almas para as terras do Verão
Cuidado o guerreiro que me veja lavando no vau suas vestes manchadas de sangue... porque ele irá me encontrar em breve!
Eu trago mudança para a vida estática
Eu trago coragem e paixão ao coração
Eu inspiro sacerdotisas e guerreiros
Em alguns lugares, sou chamada: Macha, Minerva, Badbh Catha, Nemain, Kali, Athena
Me conheça... Eu sou a Deusa das Sombras!
Bom, pessoal, essa é uma fic terminada, então, publicar as próximas partes depende apenas do fluxo de Reviews...
Estão vendo esse botãozinho GO aí embaixo? Isso, bem no canto inferior esquerdo... Taí! ;-)
