Apesar de tudo, estava quente.

Era para ser um dia frio como vinha sendo durante toda a estação, mas estava quente. As armas ainda expeliam fumaça de seus canos devidos aos tiros recentemente dados, as poças de sangue estavam frescas e aqueciam bem os cadáveres em pedaços de onde tal sangue escorria. Os corpos em si ainda não tinham tido tempo de perder o seu calor.

Apesar de tudo, estava vermelho.

A névoa fina daquele dia não era capaz de ocultar a chacina ocorrida; o vermelho quente tendia a manchar aquela neblina outrora branca. E bem como a neblina, os inertes corpos cada vez mais pálidos eram pintados com o vívido carmesim.

O branco da roupa dele também fora tomado por aquela cor quente. De pé, ele admirava com gosto seu trabalho, assim como também admirava o único que permitiu sobreviver ali.

- Nii-ni...

O dito "coelho branco" aproximava-se a passos lentos do ruivo sobrevivente. Entretanto este não estava inteiro. Suas costas foram atingidas durante o ataque, Hiroshi estava incapaz de se mover. Seu olhar recusava-se a mirar os corpos, fúria e desespero eram expressados nos olhos do ruivo.

Apesar de tudo, o assassino era Haruka Inaba.

- Por que, Haruka, por que!?

Ele gritava, desesperado e com razão para tal. Ao seu redor jaziam os cadáveres de seus companheiros, nem mesmo o indestrutível Ogi havia sobrevivido. Não apenas eles, todos os membros da família Valentino e da NORA encontravam-se sem vida. Só restava o causador de tudo: o coelho branco.

- "Por que"? Por você, é claro. - O albino não escondia sua insana calmaria. Seu sorriso imutável não se desmanchava nem ao menos quando ele falava. - Você não precisa de amigos ou inimigos, Nii-ni. - O eco de seus passos ficava mais alto nos ouvidos do ruivo, junto dele, o som dos pés pisando nas poças do caminho. - Só precisa de mim.

O horror estampado na face de Hiroshi crescia cada vez que seu irmão se aproximava um passo. Era inacreditável o que Haruka havia feito. Uma obsessão descontrolada pelo irmão mais velho.

- Como foi capaz de matar seus próprios companheiros!? O que você fez, Haruka!

- "Companheiros"? Você fala umas coisas engraçadas, Nii-nii. - O albino parou entre os corpos de Yatarou e Natsuki, ambos com metade da cabeça estourada, apontando para eles com extremo desdém - Esses aqui não passavam de ferramentas, e os outros não eram nada desde o começo.

Ele retomou a caminhada, e mesmo podendo ouvir o desespero no palpitar do coração de Hiroshi, Hakura sorria como se não fosse nada. Era insano o desejo dele pelo irmão.

Apesar de tudo, sempre foi egoísta.

- Agora, Nii-ni, somos só nós dois, como deveria ter sido desde sempre.

Parava outra vez, agora diante do irmão que tentava rastejar para longe, mas o tiro que recebera na espinha o paralisou por completo.

- É inútil, Nii-ni. Aceite o meu amor de uma vez.

- Se me ama tanto, como pode atirar em mim também!?

- Se não o fizesse você tentaria me parar. - Respondeu e então ajoelhou-se - Eu o quero só pra mim, Nii-nii, mesmo que pra isso tivesse que invalidá-lo para sempre. Eu não me importo desde que esteja comigo. - Ele estendeu as mãos para tocar o rosto do irmão, mas Hiroshi o virou imediatamente, obrigando Haruka a recuá-las.

- Você não deveria ter feito isso...

- Tudo por você, Nii-ni. Veja.

As mãos do albino foram postas sobre a poça de sangue do irmão, manchando suas palmas com aquele vermelho. Depois disso ele as levou ao cabelo, pintado-se com o vermelho semelhante aos dos olhos cintilantes. A cena chocou tanto Hiroshi que o ruivo sequer piscava os olhos arregalados de íris sem foco.

- Agora eu sou como você. Não é legal?

- Ha...ruka...

- Eu sei o quanto você amava meu cabelo branco, mas eu o detestava. Sempre quis ser igual à você, Nii-ni. Eu te amo.

Por fim, Haruka o abraçou, deitando-se sobre o irmão, ambos aquecidos pela poça de sangue quente que tendia a crescer se misturando com as poças crescentes dos demais.

Apesar de tudo, era amor.