Na Inglaterra, durante a dinastia Tudor, deu-se o inicio da política de cercamento dos campos e a expulsão dos camponeses dessas terras para a criação de gado ovino.
Em 1530 aproximadamente, foi instituída uma lei que determinava que os ' velhos e incapazes para o trabalho deveriam solicitar uma licença para mendigar. Aos jovens e fortes, reservava-se o chicote e a prisão. (...) Ainda naquela época, outra lei estabelecia que aquele que se recusasse a trabalhar tornar-se-ia escravo de quem o denunciasse, podendo o dono dispor dele como quisesse. (...) E se esse por acaso atentasse ao senhor, seria imediatamente enforcado. '
Em uma cidadezinha localizada no norte da Inglaterra, Pendle, vivia uma família de camponeses, dedicada à agricultura que vivia em uma casa perto da terra dada a si para cultivo de subsistência. Porém, eles acabaram por ser expulsos da terra onde moravam pelo nobre Kreigher, que assim como a toda a Inglaterra, voltava-se capa o cuidado e criação de ovelhas.
Berry Herman, camponês daquelas terras estava para sem onde ir, e Betsy, sua mulher, disse que tinha uma conhecida em Londres que poderia abrigá-los. Berry então levou seus filhos, Annie e Neil, e sua mulher em uma carroça para a cidade.
Chegaram lá depois de três dias de viagem. Estava a amanhecendo e nas ruas não havia quase ninguém, excetos por algumas almas mortas que passeavam pelas ruas. Seguiram viagem sob o domínio dos cavalos pelo pai, que não descansou nesse dia. Betsy acabava de acordar, enquanto os filhos ainda dormiam dentro da carroça coberta.
- Para onde vamos agora, Betsy?
- Siga por aquela rua, meu bem. Ela mora por ali, se bem me lembro. – disse Betsy, pondo-se ao lado do marido. – Quer que eu leve para que descanse? Não dormes desde cedo... – disse já pondo as mãos nas rédeas.
- Deixe disso, mulher. – disse sorrindo cansado – É trabalho de homem. Como estão os pequenos?
- Dormindo como anjos! – disse meio sorridente.
- E Neil? Melhorou? – perguntou o pai, preocupado – Estava tão ruim hoje cedo. Minha sobrinha já morreu em um desses ataques!
- Um pouco. A voz até já está voltando e a temperatura já abaixou. Vai sobreviver... – disse a mulher em um suspiro. – Nessa idade, dou graças a deus que tenha melhorado.
Continuaram com seu cavalo cansado até chegarem a uma grande casa, toda decorada. Betsy desceu da carroça assim que parada, e esperando os eu marido, os dois bateram na porta.
Demorou um pouco, mas uma mulher de cabelos ruivos e longos, com uma camisola branca e por cima da mesma um chalé preto. A mulher olhou para os dois camponeses, de roupas surradas e caras cansadas, e pareceu não saber o que eles queriam.
- Olá, a Ellen está?
- Está falando com ela. Quem é você? – disse a mulher, ainda sonolenta,
- Betsy! Lembra-se? Sua irmã adotiva!
- Be - Betsy? – mulher estava muito surpresa – Não te veja há anos; vinte não é mesmo. Desde que se casou! – abraçou a mais baixinha.
- Também estava com saudade, irmã. – retribuiu o abraço.
- O que está fazendo aqui? – perguntou ela, começando uma conversa ali mesmo na porta.
Berry fora ver o que acontecia dentro da carroça, de onde vinha um estranho barulho.
- Pois é, minha irmã. Preciso de abrigo. Fomos expulsos de Pendlee não temos para onde ir. Ajude-nos, por favor! – ela pediu clemente.
- Ah, minha cara. As coisas andam difíceis até para mim... – disse pensando o que fazer – Mas entrem, não vou deixá-los no relento. Vamos, entrem!
Ellen saiu da casa ainda de pijama, indo para onde o marido de sua irmã estava. Quando chegou à parte traseira da carroça deparou-se com suas crianças. Ambas vestiam roupas também velhas e um ia coberto como pão.
Betsy se aproximou de onde os dois estavam, e logo foi informando que eram seus filhos e seu marido foi logo se apresentando. Com um aperto de mão, e um elogio às crianças, recebeu-as em sua casa.
A mala da família eram apenas duas bolsas, uma continha as poucas roupas do casal e a outra a dos filhos. Ela chamou um menino para buscar as malas da família e colocou-os direto para dentro.
A casa era sofisticada ao ver dos camponeses, mas a visão da senhora era de que nem se comparava ao luxo dos nobres. E não se comparavam mesmo, as riquezas daqueles homens era algo utópico para pessoas de classe baixa como era considerada.
Foram convidados a se sentar no macio acolchoado vermelho vinho. Estranharam a maciez, mas não comentaram. Neil dormia no colo da mãe, enquanto Annie ficava maravilhada com a casa de Ellen.
Annie tinha seus quinze anos, e seus cabelos iam até o ombro, castanhos escuros e levemente ondulados, seu corpo era bem formado, apesar de um pouco magro para a época, seios fartos e olhos verdes, herdados do pai.
Betsy tinha os cabelos loiros – era descendente de franceses –, seios medianos; também magra para a época. Sua pele era branca, apesar de trabalhar no campo e ajudar ao marido. Tinha quarenta e um anos, e casou-se com Barry aos vinte.
Neil tinha seus dez anos de idade, corpo magro e branquinho. Seus cabelos eram loiros pouco escuros, e os olhos eram verdes também como o do pai.
A casa tinha uma sala composta de três sofás, um mais longo e as outras duas eram poltronas. Todas em tom vinho e bem macio. Tinham alguns artefatos chineses e alguns tecidos decorando o lugar. Ao final tinha uma escada que dava ao segundo andar, onde havia vários quartos.
- Fico muito agradecida, Ellen.
- Tudo bem, minha irmã... – sorriu.
Uma empregada entrou trazendo o chá e o pão e servindo aos convidados. Logo que terminou, saiu depois de um aceno com as mãos de Ellen.
- E como vocês pretendem se sustentar aqui? – disse tomando um pouco do chá.
- Esperávamos que nos ajudasse num emprego.
- As coisas estão difíceis, minha cara... O que você sabe fazer? – perguntou para Berry.
- Eu sempre mexi na terra, é a única coisa que sei fazer.
- E você?
- Eu aprendi alguns artesanatos, também sei costurar e um pouco de bordado.
- Céus! Vocês só sabem isso? – ela disse surpresa – Por Deus, vocês são uns completos inúteis... – sussurrou para si mesma, sem deixar que os outros ouvissem.
Annie acabava de se sentar ao lado da mãe, que olhava aflita para o rosto pensativo da mulher. Vendo a mãe desconfortável, resolveu perguntar.
- Por que não podemos trabalhar com a senhora? Nós aprendemos rápido o serviço...
- Não é esse problema... – disse ela, olhando fixamente para o rosto da mais jovem.
- Eu posso ser empregada em algum lugar. Sei lavar, passar, cozinhar e cuidar de uma casa. – rebateu Annie.
- Não é fácil assim. – disse coçando os olhos.
- Como não?
- Annie, pare com isso! – repreendeu a mãe.
- Vamos deitar, sim! – disse Ellen ficando de pé. – Eu vou mostrar-lhe os quartos.
Todos se levantaram e sobre os leves tossidos de Neil os dois subiram as escadas em direção aos quartos.
Havia varias portas e Ellen abriu duas delas, uma que continha uma cama de casal; um espaço simples, sem exorbitâncias, mas confortável. No outro quarto tinha outra cama de casal, onde dormiria Annie e Neil, da mesma forma como o quarto dos pais, simples.
- Durmam bem... – disse ela, assim que estava para fechar a porta.
- Senhora Ellen? – chamou Annie.
- Sim, querida? – respondeu a mulher.
- Obrigada por tudo... – disse virando-se e dormindo finalmente.
Depois de um mês vivendo na casa de Ellen, Annie e Betsy já aprendiam os afazeres com as mulheres que trabalhavam na casa. As mesmas trabalhavam arduamente para cumprir aquilo que seus patrões queriam com todo o cuidado possível, mas sempre encontravam um tempo para ensinar às duas moças do interior mais sobre a cidade.
Berry, como não tinha habilidade com nenhum exercício além do cultivo da terra, trabalhava como cocheiro da carruagem de Ellen, que dispensou seu empregado por um que não precisasse pagar dinheiro e que fazia tudo na maior boa vontade.
Neil ficava em seu quarto ou rondando pela casa. Aprendera a ler a e escrever, junto da irmã, com a ajuda do sobrinho de Ellen, Alphonse. Apesar disso, Neil quase sempre se mostrava apático, sempre quieto. Mas era ótimo nas coisas que tentava fazer.
Annie era uma jovem esperta. Percebera cedo que Ellen não era uma simples comerciante. Tanto que eles não sabiam no que ela trabalhava. Sequer Berry, que a levava todos os dias para o trabalho. Descobriu depois de alguns meses que ela mantinha um bordel na cidade, mas não era uma simples casa de prostituição, ela servia apenas aos mais nobres ingleses.
Ellen acabou descobrindo que sua sobrinha sabia do que se tratava, e depois disso, ela mostrou-se extremamente interessada no mundo dos negócios de Ellen, apesar de esta querer manter longe a menina daquele meio.
Quase nunca saiam da casa de Ellen, não era preciso. A mesma às vezes ficava dias em casa, sem trabalhar. Na rua, não andavam por causa da perseguição aos vagabundos e quem não trabalhassem, assim como os estupradores e ladrões que vagam por ali, pelo mesmo motivo que eles fugiram: não tinham lugar para morar e como se sustentar.
Annie já tinha dezessete anos de idade; há quatro anos e sete meses moravam com Ellen. Berry havia falecido depois de completados exatamente um ano após a vinda para Londres. Havia pegado uma grave doença e acabara por falecer. Betsy, não agüentando a solidão e a dor de perder o marido, falecera sete meses depois. E a guarda das crianças ficara para a mulher, que não sabia o que fazer com aqueles dois jovens à sua frente.
- Neil, vá para o quarto, quero conversar com Annie.
- Certo... – disse o menino, saindo e indo para o quarto.
- Annie... – virou-se para a menina.
- Me deixe trabalhar com você! Sabe que eu sou capaz! – disse batendo o pé.
- Sua mãe não iria querer isso para você... – disse passando a mão na testa e cruzando as pernas.
- E pretende trabalhar a sua vida inteira? Ora, Ellen! Até eu sei que teu extinto de nobre não te deixa fazer muito. Grande parte do trabalho fica a cargo daqueles inúteis escravos ignorantes... Deixa comigo, é melhor confiar na sua família do que em um homem que só quer o seu mal! – disse ela.
- E como sabe disso? – perguntou, tentando disfarçar que não acreditava no que a menina dizia.
- Ellen, eles são escravos, pobres. Eles só querem teu dinheiro! Eu quero ajudá-la, foi minha segunda mãe...
- Você também só quer meu dinheiro, ou acha que não sei... – sorriu – Tu tens cheiro de farsante, menina. Criei-te uma cobra.
- Fez-me ao seu bel prazer. Quero dinheiro sim, por que sei como é viver na miséria e não quero! Quero ser como você! Mas não serei eu capaz de tomar-lhe o lugar. Sabes bem, onde encontraria melhor mulher que tu? É quase uma deusa! – ajoelhou-se perante a mulher, deitando sua cabeça nas pernas dela – Sabes que sou capaz, por favor! Eu nunca lhe pedi nada! Por favor, deixa-me trabalhar com tu.
- Annie, Annie... – disse acariciando seus cabelos curtos na nuca e ondulados – Alphonse chega de viagem em dois dias. Se ele concordar, tudo bem. Mas apenas se ele concordar.
- Obrigada! – disse abraçando a mulher. – Obrigada tia Ellen!
- Certo. Agora vá se preparar para receber seu noivo amanha, sairemos bem cedo.
- Certo. Durma bem, tia. – beijou-lhe o rosto, abraçando-a depois.
- Você também, Annie. – disse para a menina ainda quando ela estava subindo as escadas.
Annie deitou-se em sua cama, no mesmo quarto de antigamente, mas que agora era apenas seu feliz em ter conseguido o que queria. Tendo os melhores sonhos com seu noivo que chegaria dali a dois dias, depois de longos sete meses fora do país numa viagem para a Espanha.
Ellen ainda ficou na sala, tomando um pouco de vinho português e pensando em como aquela pedra preciosa havia parado em suas mãos. Tão bonita e tão traiçoeira. Uma cobra.
