CAPITULO UM
And will you tell all your friends
You got your gun to my head?
(Taking Back Sunday – Cute without the 'e')
Enquanto eu dirigia até meu destino, tentava entender como eu criara coragem para fazer algo tão ridiculamente estúpido e provavelmente fatal. Era uma idéia idiota, suicida, praticamente sem volta. Mas mesmo assim eu não hesitava em acelerar meu carro pelas ruas de Londres. Pelo rádio eu ouvia notícias dos últimos homicídios misteriosos e de eventos catastróficos sem explicação. O fato era que o Primeiro Ministro não quisera revelar aos ingleses – e ao mundo – a existência do mundo bruxo. As pessoas estavam com medo, andavam armadas. As escolas estavam fechadas. Londres estava um caos. E ninguém sabia por quê.
Então, depois de muito, muito pensar, eu decidi que eu tinha que fazer alguma coisa. Separei-me de Harry há alguns meses, ele foi atrás dos horcruxes e me impediu de ir junto. Rony fora com ele. Primeiramente me deu uma raiva inédita de ambos, mas depois cheguei a conclusão que era melhor eu não ter ido junto. Só assim eu teria como colocar meu plano em prática. Claro, minha idéia original é uma merda, nem sei por que concordei comigo mesma em fazer isto. Passei alguns meses pesquisando paradeiros, seguindo Comensais – e quase sendo morta algumas vezes. Descobri que Draco estava em Londres, o que me chocou. Pensei que ele estaria enfiado em uma caverna subterrâneas da Escandinávia, mas não. Estava logo ali, nos subúrbios. O mais perfeito dos esconderijos.
Olhei mais uma vez o mapa no banco do passageiro e percebi que já estava chegando. Um calafrio percorreu a minha espinha e eu tinha certeza que não era o ar-condicionado do carro. Eu estava prestes a caminhar até um Comensal da Morte – aquele que tentou matar Alvo Dumbledore – e me oferecer de boa vontade aos serviços de Lord Voldemort. Eu devia estar louca. Mas mesmo assim estacionei na frente da casa de tijolos, idêntica a todas as outras à sua volta. Rua 73, casa de número 303. Era tão simples, porém ninguém nunca imaginaria. Observei a casa por alguns minutos por trás dos vidros escuros do meu carro. Havia um caminho de pedrinhas até a porta branca, onde uma guirlanda de flores com a frase 'Aqui vive o amor' estava pendurada, dando um ar quase satírico aos propósitos da casinha. Havia cortinas nas janelas e uma luz por trás delas. O som da televisão vinha de outra casa ali do lado.
Era mais difícil do que eu pensava sair do carro e andar até a porta. Eu imaginara a cena milhões de vezes, alterando frases e criando expressões vingativas na frente do espelho. Mas já não tinha certeza de que conseguiria interpretar aquele papel na hora da verdade. Ou melhor, da mentira.
Finalmente consegui sair do carro, depois de dar uma rápida espiada para a rua, que continuava vazia. Apesar de já serem mais de sete horas da noite, o céu ainda estava claro, graças ao horário de verão. Estava um calor insuportável. Mudanças no tempo estavam acontecendo com muita freqüência em Londres e os trouxas do mundo todo não conseguiam entender. Como, em pleno Julho, os termômetros marcavam 7ºC num dia e 43ºC no outro? Ajeitei de leve minhas calças jeans e acionei o alarme do carro, como que para ganhar tempo. Notei uma movimentação dentro da casa, por trás das cortinas.
Minha primeira intenção foi de correr, entrar no carro e sair cantando pneu dali. Mas a idéia de que Rony e Harry pudessem estar em grande perigo naquele momento manteve meus pés firmes ao lado da caixa de correio onde se lia 'Família Smith' em letras simpáticas e rebuscadas. Senti náuseas. A caixa de correio estava lotada e havia pequenas pilhas de cartas no chão. Meu coração apertou ao imaginar o que havia acontecido com a pobre família Smith.
Ouvi vozes e uma série de trancas começaram a abrir na porta da casa à minha frente. Dei três passos até o capacho da porta, levantei o punho e bati duas vezes. Senti como se tivesse acabado de usar umas das penas malditas de Umbridge para assinar um documento de óbito com meu próprio sangue. O mesmo gelou nas minhas veias, quando a última tranca abriu e tudo ficou em silêncio.
- Quem é? – perguntou uma voz feminina e, aparentemente, simpática lá de dentro.
- Hermione Granger – respondi, sentindo vontade de vomitar e raiva pela voz ter saído tão trêmula.
A porta foi aberta e uma mulher na casa dos quarenta olhou para mim. Tinha cabelos castanhos, bastante sujos e olhos vidrados. Naquele momento percebi que aquela mulher devia ser a Sra. Smith, obviamente enfeitiçada pela Maldição Imperius. Trajava pijamas e tinha grandes olheiras debaixo dos olhos. Parecia não tomar banho há dias.
- É tarde para fazer visitas, Sra. Granger – disse, soando como um robô.
- Eu sei, me desculpe – respondi, dando de ombros – Acontece que estava na redondeza e soube que um velho amigo estava hospedado na sua casa. Resolvi passar para dar um olá.
- Meu marido não está, ele está trabalhando.
A mulher já ia fechar a porta sem mais delongas, mas eu segurei a maçaneta e empurrei a porta. Como eu já esperava, ela ficou sem ação. Geralmente, pessoas sob a Maldição Imperius só podem responder a alguns estímulos que lhe são ensinados. Os trouxas não segurariam a porta como eu segurei. Iriam embora, reclamando da má-educação da Sra. Smith.
- Eu quero falar com Draco Malfoy – disse, a voz mais firme do que eu imaginava ser capaz de produzir naquele momento.
A mulher ficou parada, os olhos vidrados olhando para todos os lados, menos para mim. Parecia confusa e não sabia o que fazer. Tentou fechar a porta mais uma vez, mas eu segurei com força. Em um lapso, ela começou a gritar. Foi quando ela ficou dura como uma pedra e caiu estatelada no hall de entrada. No momento seguinte, Draco Malfoy me puxava para dentro da casa com uma força inimaginável, trancando as inúmeras fechaduras atrás de si com um rápido aceno da varinha. Aconteceu tão rápido que eu nem percebi que ele conjurara amarraras em minhas mãos, fui perceber este fato quando fui incapaz de levantar os braços. Respirei fundo. Não podia me descontrolar. Eu tinha um papel a cumprir.
- Malfoy – eu disse, apoiando-me na parede atrás de mim – Eu não vim com ninguém, estou sozinha. Ninguém sabe que eu estou aqui.
- Melhor assim, ninguém nunca mais vai ouvir falar de você. É quase um favor a humanidade, Granger.
Draco apertou a varinha contra o meu pescoço de uma forma bastante dolorosa. Por alguns milésimos de segundo, pensei em desistir ali mesmo e deixar que ele me matasse. Mas, no mais satírico dos clichês, fatos importantes da minha vida passaram voando diante dos meus olhos. Se eu morresse ali mesmo, eu poderia estar automaticamente selando a morte de Harry.
- Eu vim me oferecer, Malfoy! – gritei e senti o aperto da varinha diminuir por alguns segundos. Ele não esperava ouvir qualquer coisa vinda de mim a não ser um grito agonizante.
- O que diabos você está falando?
- Eu... Eu desisti, Malfoy. Eu desisti de Harry e de ser usada por aqueles idiotas. Eles só se importam com a minha inteligência! Se eu morrer, vão acabar reclamando que perderam o gênio da Ordem em vez de ficarem tristes!
Draco Malfoy levantou uma única sobrancelha e pareceu me avaliar. Eu consegui soar o mais ressentida e raivosa do que imaginava e a frase 'o gênio da Ordem' surtiu o efeito que eu esperava. Enquanto ele parecia pensar sobre o meu caso, aproveitei para olhar em volta. A casa estava suja, mas intacta. A Sra. Smith continuava estatelada no chão, enquanto, na sala, eu podia vislumbrar a silhueta de um homem. Ele não se mexia.
- E você acha que eu acredito em você, Granger? – o apertou na minha garganta aumentou novamente.
- Você deveria entender mais do que todos, Malfoy! Como você, eu sempre vivi às sombras de Harry Potter! Eu que resolvia todos os problemas idiotas dele, quase morrendo muitas das vezes e o que eu ganho? Um tapinha nas costas! Praticamente nada! Nós somos iguais nesse ponto, admita Malfoy! – respirei fundo e empurrei a varinha para longe do meu pescoço com as mãos atadas – Você sabe tão bem quanto eu como é viver na sombra de Harry Potter.
Pensei que Draco não acreditaria em mim. Olhei fundo em seus olhos cinzentos, sem nem piscar. Precisava mostrar coragem. Contudo, ele não parecia mais tão ameaçador assim. Olhando bem, percebi que tinha olheiras grossas, como se não dormisse há dias e vestia roupas trouxas. Estava desalinhado, estranho, como se não fosse Draco Malfoy. Por um momento eu senti pena. Apesar de odiá-lo com todas as forças do meu ser, naquela noite ele parecia tão... inofensivo, que nem ao menos lembrava o arrogante sonserino.
- Você está realmente me dizendo que vai se juntar à Voldemort? – perguntou, incrédulo.
- Não, não quero nada a ver com Voldemort. Eu vou simplesmente passar-lhes informações sobre Harry. E quero garantia de vida. A mim e a minha família.
Fui curta e grossa, como havia ensaiado muitas vezes na frente do espelho. Tinha que ser. Era assim que Comensais da Morte agiam. Quando este pensamento cruzou minha mente, uma nova onde de náusea me atingiu. Eu estava agindo deliberadamente como uma Comensal da Morte.
- Então você vai me passar informações para que eu as transmita para o Lord em troca de proteção?
- Sua capacidade de interpretação parece danificada, Malfoy – eu disse, balançando a cabeça negativamente.
- Cale a boca, Granger. Não esqueça que quem está amarrada aqui é você.
- Qual é, acho que ambos sabemos que podemos nos ajudar mutuamente, Malfoy. Pare de enrolar. Você está queimado com Voldemort, eu sei muito bem. Eu estou bastante informada da sua vida, inclusive. Papai enlouqueceu? Snape o largou no meio do caminho? Acho que você foi abandonado, Malfoy. – o olhar dele se tornou alerta e eu continuei, com um sorriso presunçoso na cara - Então por que não aproveitar a chance que eu estou te dando? Quase de badeja, se me permite dizer. Só que antes de tudo, quero que você me desamarre. E nem ouse tirar minha varinha de mim.
Essa minha presunção toda foi totalmente inspirada no próprio Draco. Eu tinha que o dar créditos, aquilo realmente funcionava. Tocar no ego ferido das pessoas e jogar sal grosso nele, esfregando bem para arder mais, era realmente – como devo dizer – gratificante. Principalmente quando aquele que tinha suas feridas abertas era seu maior inimigo. A expressão de Draco mudou drasticamente, uma mudança que eu só vira acontecer quando ele fora transformado em doninha no meu quarto ano em Hogwarts. Era uma expressão de desespero contido, vergonha e raiva, muita raiva.
A batalha por trás dos olhos de Draco pareceu se intensificar. Mas um lado estava ganhando, para a surpresa dele e minha. O meu lado. Ele estava se convencendo, mesmo que pouco, de que eu podia estar falando a verdade. Fui tomada de euforia que tive que controlar com um esforço inimaginável quando ele finalmente soltou meus braços das cordas conjuradas. Massageei os pulsos doloridos e fiz um sinal de agradecimento com a cabeça. Ele guardou a varinha e saiu de perto de mim. Só quando ele o fez pude perceber o quão perto realmente estávamos.
- Eu vou deixar você falar – ele anunciou, de costas para mim – Mas se tentar qualquer coisa, saiba que vai ser a última coisa que fará.
Ele encaminhou-se para a sala, e eu silenciosamente o segui. Impressionei-me com a coragem dele. Eu nunca andaria de costas para o meu inimigo. A sala era uma típica sala trouxa, sem tirar nem por. Estava muito mais limpa do que a mulher dona da casa e o senhor sentado na poltrona ao lado da televisão. Ele virou a cabeça levemente quando entramos, mas logo depois voltou a encarar a tela preta.
- Eles estão sob a Maldição Imperius? – perguntei, mesmo sabendo a resposta.
- Sim, estão. Se eu os matasse, teria que me livrar dos corpos, ou a casa inteira ia feder.
Draco jogou-se numa poltrona fofa do outro lado da sala e esticou os pés em cima de um pufe. Era incrível que há dois anos atrás estávamos em Hogwarts, assistindo aulas nas mesmas salas, andando pelos mesmos corredores. Ainda éramos jovens, dezenove anos apenas, mas os nossos rostos tinham traços de uma velhice incomparável. Era até engraçado. Imaginar que, se ele não tivesse feito o que fez no meu sexto ano, Draco poderia até ter saído na minha foto da formatura.
- Fale – ele mandou.
- Malfoy, sinto dizer que você está fodido com Voldemort. Quando eu estava procurando por você me deparei com umas pessoas que não se importariam de ver sua cabeça empalhada numa parede. Pense o quão gratificante seria para você – e para a família Malfoy – levar informações ao Lord que realmente o levariam para mais perto de Harry.
- Granger, você acha que eu sou idiota? Você realmente acha que eu acredito que você seria capaz de trair seu namoradinho?
- Você vai ser um idiota, Malfoy, se não aceitar a minha oferta. Eu não estou traindo Harry – que não é meu namorado - pois ninguém nunca vai saber que eu sou o contato de vocês. Além do mais, eu sou uma das bruxas mais inteligentes que já existiu, você realmente acha que eu não sei quem é o lado mais forte da guerra? Por que eu ficaria do lado mais fraco, onde eu poderia facilmente ser assassinada? Não. Eu quero viver, Malfoy. É o princípio básico. É um instinto de sobrevivência.
Devo admitir que, depois que se começa, é muito fácil pegar o ritmo dessas pessoas sem coração. Se eu fosse uma completa e total filha da puta e não desse a mínima para Harry e Rony, com certeza eu estaria fazendo aquilo com o maior prazer.
- Harry confia totalmente em mim. Apesar do idiota não me incluir nas buscas, ele me manda relatórios periódicos, pedindo ajuda com algumas questões. Eu sei onde ele está, o que ele está fazendo, com quem ele está. Imagine se, depois que você passasse essas informações para Voldemort, o Lord finalmente acabasse com o pobre Menino-Que-Sobreviveu? O que aconteceria com o coitado Draco Malfoy? Um cargo abaixo de Ministro da Magia seria pouco.
Okay, eu tinha que começar a me controlar. Estava ficando entusiasmada com todo aquele ar 'Comensal da Morte' que caiu sobre mim. Além do mais, eu estava exagerando nas informações. No caso, inventando informações. E bajulando Draco Malfoy, o que era pior que tudo isso junto. Eu já tinha jogado o sal e pisado, mas agora eu estava praticamente fazendo um curativo no ego dele.
- Além do mais, depois que ele tiver morrido, você vai poder contar para todo mundo como roubou a namorada de Harry Potter.
Deu vontade de me jogar de um precipício depois dessa frase ridícula que saiu descontrolada da minha boca. Tenho certeza que minha expressão mudou de 'eu-sou-malvada' para 'estou-morta' em questão de segundos. Contudo, Draco não pareceu perceber. A frase surtira um efeito inesperado. Tive que certeza que pude enxergar um brilho estranho em seus olhos. Não era possível que, depois de tudo o que eu dissera, aquela frase ridícula iria mudar a opinião dele.
- Está bem, Granger. Eu vou fingir que acredito em você. Me passe as informações.
- Você acha que eu sou idiota? Enquanto você fingir, eu não abro a boca. Aliás, acho que já perdi tempo demais com você. Acho que até Crabble e Goyle veriam a oportunidade imperdível que eu estou lhe dando. Adeus, Malfoy.
Na verdade eu nunca planejei sair dali tão rápido. Eu precisava ter certeza que ele acreditara em mim. O problema é que eu estava me sentindo mal. O famoso sentimento de culpa caiu sobre mim logo depois da frase sobre roubar a namorada de Harry. Além do mais, eu havia exagerado nos fatos. Nem ao menos tinha informações para dá-los. Entrei sem olhar na jaula dos leões e deixei a chave do lado de fora. Droga.
Virei de costas, sentindo minhas bochechas ficarem vermelhas de raiva. Iria alcançar a porta para o hall em dois passos, mas o Sr. Smith segurou meu pulso com força quando eu passei ao lado de sua poltrona. Ele não me olhou ou moveu-se, apenas me segurou. Se não estivesse intacto, eu poderia achar que era um Inferi.
- Acorde, Granger. Ou você vai me dizer o que tinha para dizer, ou nunca mais vai sair daqui – a voz de Draco soou indiferente, atrás de mim – Na verdade, tanto faz para mim essas suas informações sobre o Potter. Se você realmente acha que eu estou fodido com Voldemort, por que você, de todas as pessoas, vai se dar o trabalho de me procurar e tentar me ajudar? Ora, Granger, eu não sou tão idiota assim.
Eu me soltei do pseudo-Inferi e voltei-me para Draco. Ele estava de pé, ao lado do bar, servindo-se de um copo de uísque.
- Eu não quero lhe ajudar, eu quero me ajudar! – eu vociferei – Passando essas informações para você, eu encontro um meio de não acabar sendo explodida no meio dessa guerra. Você vai me proteger de Voldemort.
- Vá se foder, eu não vou proteger você – ele riu – É até engraçado estarmos tendo essa conversa. Você me oferecendo e pedindo ajuda. É tão clichê, Granger.
O brilho visto nos olhos de Draco havia sumido completamente. Ele nunca acreditara em mim. Eu já devia saber.
- Eu devia te matar por tanto atrevimento – ele continuou, bebendo um gole do uísque – Vir aqui, dar a cara a tapa, para tentar me convencer de que você virou malvadinha. Devo admitir que você quase me enganou. Mas eu sou difícil.
- Então me mate logo, Malfoy – eu disse num impulso de raiva, avançando contra Draco – Ou você é muito covarde para fazê-lo? Ou melhor, não quer que a casa fique cheirando a cadáver, por isso vai me deixar ir embora? Você realmente não é nada, Malfoy.
- De repente mudou de atitude, senhorita? Pensei que você estava disposta a salvar minha vida e me coroar rei dos Comensais da Morte – ele fez uma cara falsa de surpresa e riu – Ah, é, você estava mentindo para conseguir informações para o seu namoradinho patético.
- Quer saber, Malfoy? Vá para o inferno!
Eu tentei me controlar, mas não deu. Dei um tapa com toda a força no copo de uísque de Draco, que voou contra a parede mais próxima, estilhaçando-se. Draco ficou sem ação por uns segundos, mas logo voltou a si bem rápido. Segurou-me pelos ombros e me empurrou contra a mesma parede que o copo havia batido. Caí sentada no chão de madeira da casa, com uma dor de cabeça dos infernos. A mão que batera no copo estava cortada e ardeu mais ainda em contato com o uísque derramado.
Draco tirou sua varinha do bolso e apontou contra o meu peito. Lá estava eu novamente, sob a mercê do ex-colega psicopata. Droga. Droga. Droga. Ele arfava tanto que eu achei que sua camisa iria abrir a qualquer momento e seu rosto estava vermelho e suado. Acho que eu nunca vi Draco com tanta raiva na vida. Nem no dia da doninha.
- Você é uma ridícula de uma sangue ruim patética, Granger – ele disse, cuspindo.
- Então me mate! – eu gritei. Me impressionei com a voz forte e segura que consegui produzir naquelas circunstâncias.
- EU VOU TE MATAR!
- POIS ESTOU ESPERANDO!
Eu apertei os olhos bem fechados e me encolhi automaticamente quando senti que ele estava avançando em minha direção. Era até um pouco patético o modo como eu implorei para que ele me matasse. Um pensamento estúpido de mim mesma no céu observando ele, muito raivosa, gabar-se de como eu havia implorado pela morte – de um jeito um tanto dramático que envolvia lágrimas e sangue derramados – passou pela minha mente como um flash. Eu quase ri.
Contudo o que eu senti não foi a dor de um ataque físico ou a paz imediata logo após um rápido e limpo Avada Kedavra. O que eu senti foram mãos agarrando-me pelos ombros mais uma vez e me puxando com força para cima. Abri os olhos para encontrar os de Draco Malfoy muito próximos dos meus novamente. Dentro deles eu podia me ver refletida e a expressão de medo em meu rosto. Mas além do meu próprio rosto refletido nos olhos cinzentos, eu tive certeza que vislumbrei algo mais. Podia jurar que vi tristeza nos olhos de Draco, apesar de não achar aquilo muito possível, visto ao fato de que Draco Malfoy certamente era desprovido de emoções humanas.
Ele me encarou e não desviou o olhar. Eu não consegui desviar também, estava presa demais nos olhos dele, contra minha vontade. O tempo de um piscar pareceu demorar séculos para passar, mas, quando passou, quebrou o transe entre nós dois.
- Me solte – eu pedi, mas minha voz soou patética e infantil.
- Admita que você está aqui só para conseguir informações para a Ordem, Granger – Draco deu um sorriso prepotente, como se lesse minha mente – Eu sou bastante bom em oclumência, sabe.
Meu rosto ficou vermelho no mesmo instante e muito, muito quente. Comecei a tremer sem parar. Resolvi que era hora de sair dali, mais do que imediatamente. Draco poderia ter chamado mais alguns Comensais para me raptar ou me matar. O aperto de Draco nos meus ombros era forte, então resolvi fazer o que uma garota faria em qualquer situação do tipo. Comecei a gritar, chutar e mexer freneticamente os braços.
Notei o choque de Draco, que imediatamente tentou controlar meus braços. Sendo mais forte, é óbvio que ele conseguiu. Empurrou-me contra a parede tão forte que eu achei que todos os meus ossos seriam esmagados contra ela. De alguma forma, enrolara seus braços nos meus, de modo que eu não conseguia mais mexê-los. Minhas pernas, por outro lado, continuavam a chutar e eu continuava a gritar. Draco me apertou mais forte contra a parede e eu senti minha caixa torácica ser pressionada. O ar faltou nos meus pulmões. Parei de gritar, arfando e tossindo.
- E então? – ele perguntou. Pude sentir a respiração quente dele chocar-se contra o meu nariz quando falou.
- Me deixe ir, Malfoy – pedi, chorosa. Meu Deus, eu já estava ficando patética.
- Eu vou deixar você ir – ele disse, para meu espanto – Mas com uma condição.
- Como assim?
- Você me prometeu informações. Você me prometeu a namorada do Potter – ele deu um sorrisinho malicioso – Granger, nós vamos fazer exatamente como você sugeriu. Vamos nos encontrar e você vai me dar informações referentes ao Potter. E eu vou as repassar para o Lord.
Merda, merda, merda. No que eu fora me meter? Por que essa idéia idiota cruzou minha mente? E por que eu, de todas as pessoas, fui segui-la? Eu sou uma das pessoas mais lógicas que eu conheço (modéstia a parte), como fui sequer acreditar que este plano besta daria certo? Nem em um milhão de anos. A lógica nunca erra!
- E eu vou lhe passar informações referentes ao Lord – ele continuou, para minha surpresa. Arregalei meus olhos – Não faça essa cara, Granger. Você realmente acha que eu vou entregar a cabeça do Potter numa bandeja para Voldemort? Você faria isso pela pessoa que destruiu sua família?
A lógica, então, errara. Não era possível que Draco estivesse mostrando sinais de que realmente tinha sentimentos. Ou era? Então, talvez, aquela tristeza que eu via em seus olhos fosse a dor pela perda da família. Senti-me mal. Se Draco estivesse mentindo, ele devia ganhar o Oscar ou algo do gênero, porque eu simplesmente acreditei. Acreditei que ele zelava pelo bem da família, acreditei que passaria informações para a Ordem. Fácil assim. E isso me deixou assustada por um momento.
- Então você vai virar informante da Ordem? – eu perguntei – Em troca de que?
- Você sabe, meu dinheiro de volta, minha casa, meu pai fora de Azkaban – ele deu de ombros – Se a guerra acabar bem para o Potter, eu vou querer uma absolvição. Nada de tribunais, nada de gente me julgando, nada. Devolvam-me tudo que me tiraram e eu prometo não aparecer nunca mais.
- E se Voldemort ganhar a guerra?
Houve uma pausa. Os olhos de Draco se encheram de uma névoa espessa.
- Nenhum cargo abaixo de Ministro da Magia, lembra-se? – apesar da expressão descontraída, Draco não parecia feliz ao dizer aquilo – Estamos combinados, Granger? Eu a deixo a ir, você volta daqui a uma semana e nós trocamos informações. Até o Potter e Voldemort se encontrarem. Se você discordar, você vai morrer. Simples assim.
- Acho que não posso discordar, então?
- Não é uma opção muito sensata e você, sendo senhorita princípio-básico-de-sobrevivência, vai ver o caminho certo.
- Está bem, então – eu disse enfim, triste – Eu voltarei com informações.
Draco deu um sorriso petulante e finalmente soltou-me. A pressão nos meus pulmões diminuiu consideravelmente e eu respirei fundo muitas vezes, apoiada na parede. O corte na minha mão já estava tomando uma tonalidade roxa e o sangue ainda saia, mesmo que em menores quantidades. Como se eu nem estivesse mais na sala, Draco virou-se para o bar e serviu-se de mais um copo de uísque. Quando terminou, como se notasse pela primeira vez minha presença ali, fez uma expressão curiosa.
- Você sabe onde é a porta, Granger. Do lado da Sra. Smith.
Ele indicou com o copo a porta para o hall. Eu vislumbrei as pernas esticadas da Sra. Smith. Quando finalmente alcancei o hall, ouvi as inúmeras trancas mágicas destrancando-se em cadeia. Com um último 'click', a porta se abriu. Segurei a maçaneta e abri mais a porta, mas não tanto de modo que o corpo da Sra. Smith aparecesse. Com uma última olhada para Draco (ele me observava, apoiado no bar), eu saí para a noite quente daquele dia. O ar morno chocou-se contra mim como se fosse sólido. Um nojo.
Entrei no meu carro e liguei o ar-condicionado com urgência. Limpei o suador da minha testa com a borda da minha blusa. Respirei aliviada. Olhei novamente para a casinha de número 303 e quase pude sentir Draco Malfoy me observando por trás das cortinas de renda e babados. Liguei o carro e saí dali. Quando estava há várias quadras de distância do esconderijo de Draco, parei perto de um beco, saí do carro cambaleando por causa da tontura, apoiei-me numa parede e fiz a única coisa que realmente precisava naquela noite: vomitei.
