Estavam todos sentados à mesa, comendo e bebendo em silêncio. Alguns para espantar o frio, outros para esquecer dos corpos que haviam queimado mais cedo. Dentre as capas negras e pesadas dos homens da Guarda da Noite e , agora, do exército de Stannis, havia uma que se destacava - era escarlate, como o fogo e como o sangue.

Sam se aproximou da Mulher Vermelha, curioso e encantado demais para deixar o momento passar, sorrindo-lhe com o seu jeito desajustado. A figura exótica daquela única mulher dentre todos os homens, altiva em meio aos olhares e aos comentários sórdidos que escapavam ao luto, fê-lo fantasiar com inúmeras possibilidades. Uma maga... uma feiticeira!

- Olá, meu nome é Samwell Tarly. Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, m'lady, por favor, não hesite em pedir. Estou à disposição.

Melisandre sabia que o rapaz não era uma ameaça. Sabia, também, que suas intenções eram livres de malícia. Sam não a olhava como olhavam-na os outros membros da Guarda da Noite. Recebeu, pois, aquela apresentação de bom grado, embora lhe sorrisse de maneira ambígua.

- Muito prazer, Samwell Tarly. Chamo-me Melisandre... e sou nenhuma lady.

- Oh, desculpe-me... - Ele se corou.

- Não se preocupe. Agradeço a sua gentileza, e tenho certeza de que o meu rei também a apreciará. - Olhou para Stannis, imóvel e em silêncio a alguns metros, observando a tudo e a todos com o seu olhar enérgico. - Assim como o meu deus.

Sam desconhecia a religião da sacerdotisa; a sua fé inabalável em R'hollor e a sua crença no retorno de Azor Ahai. A frase, portanto, pareceu-lhe demasiado enigmática, aguçando-lhe a curiosidade, de modo que a única reação possível pareceu-lhe ser assentir com a cabeça e deixar a sua presença.

- Diga-me, Samwell, quem é aquele? - Melisandre fitava a figura solitária e taciturna afastada dos outros.

- Hm, aquele é Jon. - Voltava-se novamente à mulher, informando-lhe de maneira despretensiosa. - Jon Snow. Ele é o b-

- Bastardo. Quem é o seu pai?

- Exato, m'lady. Oh, digo... Bem, o seu pai era Lord Eddard Stark, senhor de Winterfell.

- Lord Stark fora um aliado. Ajudou o meu rei a expôr as mentiras do usurpador Lannister em Porto Real, mentiras que mancharam a honra do irmão de meu Senhor.

- Sim... Ned Stark era um homem justo, nobre... Eles têm muito em comum, sabia? Jon e o pai.

- Sim, de fato. "Mas ele também fora o pai do usurpador nortenho... Robb Stark", pensou.


Jon não estava com fome. Ou com sede. Havia queimado o corpo de Ygritte. Havia falhado em sua "negociação" com Mance Ryder. Estava, agora, cercado por homens que não obedeciam aos comandos de um membro da Guarda da Noite; estava na presença de um "rei" e de seu exército.

- Jon, Jon!

Ele se virou, sorrindo para Sam sem, entretanto, esconder o desânimo:

- Olá, Sam.

- Você deveria estar lá. Conosco.

- Não estou com fome... - Encostado à parede, Jon olhava para os seus companheiros. Sentia-se vazio, derrotado. Sentia como se a sua presença não fosse necessária.

- Ora, mas você poderia nos fazer companhia. Rir um pouco! - Ao notar que Snow sequer olhava-o nos olhos, Samwell continuou, dando-lhe um tapinho no braço. - Conversei com a mulher de vermelho. Você a viu?

Vermelho. Pensou em Ygritte por alguns segundos; Ygritte que havia sido beijada pelo fogo.

Jon vira a mulher, sim. Entreolharam-se enquanto os corpos de seus irmãos queimavam na fogueira. A mulher, por trás das chamas, era como elas... Vermelha como o próprio fogo.

- O que achou dela?

Jon riu, desta vez, retribuindo o tapa carinhoso.

- Ora, Sam, ela é bonita. Mas pense em Gilly... Você já tem que se preocupar em não quebrar os votos com uma mulher, mais uma e você estaria perdido.

- É claro que eu penso em Gilly, Jon! - Pareceu ofendido, antes de voltar a sorrir, fitando a mulher a alguma distância. - Mas ela, a mulher que acompanha o tal rei, não é bonita. Ela é mais do que bonita, é linda, é como uma pintura! E eu não digo isso porque quero tê-la em meus braços, ora essa, eu amo Gilly, mas, sejamos honestos, lady Melisandre não me parece uma mulher comum.

Jon olhou para ela também. De fato, não parecia uma mulher comum, considerando a travessia que havia feito, os perigos a que fora submetida... A sua aparência apenas reforçava-lhe as peculiaridades. Melisandre, então esse é o seu nome.


Pouco a pouco, os homens foram retornando aos seus aposentos, subjugados pelo cansaço e pelo álcool. Jon poderia ouvir súplicas de seus músculos e de seus ossos, levados à exaustão após tanto esforço. Dissera adeus a Sam, cumprimentando alguns de seus companheiros antes de deixar o salão. Não havia sinal, quando saíra, de Stannis ou de seus homens.

- Olá, Lord Snow.

A voz, vinda de suas costas, pegou-o de surpresa. Virou-se, enfim, para se deparar com a sacerdotisa de R'hollor. Os cabelos soltos esvoaçavam ao menor sinal de vento, criando uma verdadeira visão incandescente.

- Olá,... Lady Melisandre.

- Oh, então você sabe o meu nome. Podemos pular as apresentações. - A mulher sorria de uma maneira que o deixava inquieto. Deu alguns passos à frente, parando a alguns centímetros dele.

- Sim, obtive algumas informações a seu respeito. Suspeito que tenhamos um amigo em comum na Muralha. - Ele era gentil em suas palavras, embora achasse aquela súbita aproximação um tanto suspeita.

- Samwell Tarly é um bom rapaz.

- Sim, ele é.

- Estava na hora de conversarmos melhor, Jon Snow. Sinto muito pelo horário um tanto inconveniente, mas o senhor não é muito dado às confratrnizações, não é mesmo? Estava só durante o jantar... Embora eu entenda, devido às circunstâncias.

- Perdi muitos amigos, senhora...

- Sem dúvida, pessoas que você amava.

Aquela frase o fez parar por alguns instantes. Ela poderia saber? Saber sobre Ygritte? Não, Melisandre não era uma mulher comum, mas também não poderia saber tanto a seu respeito com apenas poucas horas de convivência.

- Sim, tormano-nos irmãos ao defender a Muralha. Fizemos votos juntos, honramos os nossos votos juntos. Perdê-los não é fácil.

- Tenho certeza de que o Senhor da Luz olha por todos nós, Jon Snow, até mesmo depois da morte. O mesmo aconteceu ao seu pai.

- Como...? - E, então, lembrou-se de Sam. Claro... Ela sorriu, quase adivinhando o que lhe passava pela cabeça.

- Desculpe-me por tomar muito do seu tempo, o senhor deve estar cansado. Boa noite.

- Boa noite.