Capítulo 1 - Lápides

Todos os anos eles iam até aquele mesmo local, naquele mesmo dia para fazer o que sempre faziam: no dia em que sua mãe tinha nascido eles iam até a lápide dela e comiam cupcakes enquanto relembravam histórias de quando ela ainda podia tocá-los. Seu pai às vezes contava coisas de quando eles ainda namoravam ou de quando tinham acabado de se casar. Stiles gostava especialmente dessas histórias, apreciava o brilho nostálgico nos olhos de seu pai e o jeito como ele sempre sorria quando pronunciava o nome dela.

Mas dessa vez Stiles não foi com seu pai, nem para celebrar a memória de sua mãe. Ele simplesmente queria conversar com ela, desabafar sobre as loucuras dos últimos meses, sobre todas as coisas que aconteciam com ele e que ele não podia contar para mais ninguém.

Apesar de todo o conteúdo sobrenatural que foi adicionado a sua vida ultimamente ele não acreditava em fantasmas. Ele sabia que ela não o responderia e que ela não o estaria sequer ouvindo. Ela estava morta e Stiles não tinha dúvidas sobre isso. Porém nenhuma dessas certezas que ele tinha conseguia explicar o sentimento bom de leveza que tomava seu corpo sempre que vinha até o cemitério contar alguma coisa a ela.

Ele costumava contar sobre seus professores, sobre Lydia, sobre Scott, sobre filmes que tinham recentemente sido lançados no cinema. Dava detalhes sobre eventos ocorridos com os vizinhos que sua mãe tinha sido amiga e se gabava sobre ter ajudado a solucionar um crime, mesmo contra a vontade de seu pai.

Não havia resposta nenhuma além do silêncio. Talvez porque fosse justamente isso que ele precisava ouvir. Stiles precisava de alguém que realmente fosse ouvi-lo e entendê-lo, mas alguém que também não iria julgá-lo e sim deixar com que ele fizesse as próprias escolhas.

- Hey, mãe. - ele limpou brevemente algumas folhas e gramíneas que estavam cobrindo a pedra lapidada com o nome da mulher e depois sentou-se.

- Faz um tempo desde que eu não venho aqui, né? Desculpa. As coisas têm andando bem estranhas. Não estranhas do tipo "puberdade" estranhas, está mais para "Hora do Lobisomem" estranhas. Aparentemente Beacon Hills atrai todo tipo de criatura bizarra que passe pelas redondezas. Aliás, você se lembra dos Hale? Eles morreram naquele incêndio um pouco antes de voc- Bem, você se lembra deles, eu tenho certeza. Foi bem trágico e triste e praticamente todos morreram. Mas o mais importante é que eles eram lobisomens! Dá para imaginar? Um bando inteiro de lobisomens vivendo a alguns quilômetros de nós. - ele exclamou excitado.

- Hm, e agora o Scott é um também. Não que ele seja uma boa representação para a espécie, ele continua meio devagar. Bom, ele até fez algo bem inteligente recentemente e sem a minha ajuda, o que me deixou puto, na verdade. Mas eu tenho quase certeza que o Deaton bolou todo o plano. Ah, o Deaton é o veterinário da clínica que o Scott trabalha, sabe? O que eu sempre disse que era simpático e sempre me dá uma barra de chocolates no meu aniversário e no do Scott. Então, ele é um bruxo. Ou um feiticeiro, ou sei lá. Mas ele sabe das coisas. Das coisas sobrenaturais, eu digo. E ele disse que eu tenho poderes mágicos! Eu! Okay, talvez não sejam poderes mágicos do tipo Harry Potter, mas eu definitivamente tenho alguma coisa mágica em mim. Talvez eu devesse comprar um kit de mágica e começar a praticar.

- Ou quem sabe eu deveria aprender karatê e virar o Batman. Eu adoraria ser o Batman. Hm, eu não sou rico o suficiente para o ser o Batman, mas eu tenho ajudado bastante nas coisas que têm ocorrido por aqui. Certo, bastante é exagero, só que fica meio difícil de competir com lobisomens e caçadores tentando salvar o mundo. Oh! Falando nisso, eu acho que eu não tinha te contado, mas o Scott tem uma namorada. Sim, o Scott conseguiu arrumar uma namorada, antes de mim. E ela é bem legal e bonita também. Se bem que eles terminaram porque a mãe dela se suicidou porque tinha se tornado um lobisomem e o avô dela ficou louco e quis matar todo mundo-

- E eu sou do time de lacrosse! Do time oficial! E eu marquei pontos, mãe! Pontos! No plural! E o Scott também é do time. Apesar de que ele só está no time porque ele possui as super habilidades de lobisomem tipo super força, super velocidade, super-reflexos e tudo mais. Scott é o capitão, na verdade. Ele tem crescido bastante, sabe? Não tanto no sentido literal porque eu estou ficando mais alto, mas ele não é mais tão lerdo como ele era quando ele costuma ir lá em casa e você fazia cookies para nós..

- Como eu disse, muitas coisas têm acontecido por aqui. Sério, as coisas foram de lobisomem maníaco/psicopata buscando por vingança até adolescente maluco/psicopata buscando por vingança com a ajuda de um lagarto-monstro-assassino. Que por acaso é o namorado da Lydia. Lembra-se da Lydia? Pois é, eu acho que as minhas chances nulas agora são chances negativas. Talvez nós consigamos ser amigos, um dia, talvez, quem sabe? É, mas ela definitivamente não está na minha. Ela me trocou por um lagarto-assassino que virou lobisomem. É, eu sei, confuso, mas isso é só um pedaço das loucuras que aconteceram recentemente.

- Eu acho que o papai não irá conseguir lidar com as loucuras que ainda estão por vir. Já tem sido difícil lidar com as coisas do jeito que elas estão. Os vários e misteriosos assassinatos, as pessoas desaparecendo, a escola sendo danificada, os jogos de lacrosse se transformando num campo de guerra sobrenatural. Eu também acho que ele está começando a ficar cansado de mim, sabe? As coisas têm estado estranhas não só com a cidade, têm estado com as pessoas também. Todas elas.

E com sua última frase seguiu-se um silêncio e uma brisa morna anunciando o verão. Stiles continuou sentado, olhando para a pedra a sua frente como se ela pudesse lhe oferecer todos os segredos do universo. Em alguns minutos ele sorriu enviesado ao limpar algumas das persistentes lágrimas em seu rosto.

- Eu não estou triste, mãe. Não precisa se preocupar. Eu só sinto a sua falta... E o papai também. As coisas não estão tão ruins quanto eu fiz parecer. O pai vem comendo direito desde a última ida ao hospital, também anda tomando os remédios direito, eu sempre checo as caixas para ter certeza que ele não se esqueceu ou propositalmente-sem-querer se esqueceu de tomá-los.

- Hm, é... - ele limpou as novas lágrimas com a manga de sua camisa quadriculada e se levantou - Eu creio que é só isso. Já fiz um update em todas as novidades ou pelo menos as que eu me lembro melhor. - ele suspirou - Tchau, mãe. Eu volto para o seu aniversário, 'tá?

Stiles se recompôs e caminhou em direção a saída. Na metade do caminho ele pensou ter ouvido algo, por instinto olhou para todas as direções, com o corpo rígido, no entanto preparado para correr ao menor sinal de perigo (algo no qual Stiles tinha se tornado incrivelmente bom. Quem diria? Talvez a prática realmente pudesse levar à perfeição!).

Tudo o que viu foi uma silhueta negra a alguns metros de distância, parecia ser um homem falando com uma das lápides. E o rapaz estava prestes a desviar o olhar e continuar seu caminho quando ele achou ter reconhecido o homem. Aquela silhueta não lhe era estranha e juntando dois mais dois ele conseguiu se lembrar a quem pertenciam aquelas lápides: os Hale.

Aquele era Derek.

Era Derek Hale, o lobisomem mau-humorado e rabugento, falando com seus entes mortos da mesma forma como Stiles tinha acabado de fazer com sua mãe.

Isso parecia algo bastante surreal, mas afinal de contas, o que não tinha sido extremamente surreal nos seus últimos seis meses de vida? O próprio homem em pé a alguns metros era um dos culpados por "surreal" se tornar "habitual" na pacata vida do garoto.

E talvez Stiles nunca tivesse parado para pensar porque Derek era tão mau-humorado e rabugento e agora ele simplesmente entendia. Porque provavelmente Derek era sorridente e divertido e tivesse amigos e fosse tão normal quanto todos os outros adolescentes de Beacon Hills. Ele só não conseguiu manter essa parte de si viva, talvez ela tenha queimado junto com todo o resto: seus pais, seus tios, seus primos, sua casa. Talvez Derek Hale tenha queimado junto com tudo isso e o que sobrou intocado estava agora tão deformado e quebrado que é como se nada tivesse restado. Nada.

Tudo o que estava dentro dele estava incinerado e enterrado por debaixo daquelas lápides, o que restou foi a carcaça. Um corpo amaldiçoado que se sentia horrível por não ter sido queimado e enterrado junto com tudo mais.

Stiles agora se sentia triste, pois ele entedia tudo aquilo. Desde a vontade de falar com quem não mais estava lá até o desejo de trocar de lugar, de ir para o fundo da terra também. Porque no fundo Derek era exatamente como ele.

Esses pensamentos trouxeram uma leve insanidade ao garoto, visto que ele começou a seguir na direção do homem, tentava ser silencioso mesmo sabendo que aquilo não iria funcionar e a super audição canina captaria seus movimentos e Derek fugiria na direção oposta a de Stiles ou ameaçaria cortar a garganta dele com seus dentes... De novo.

Contudo, nada ocorreu. Derek estava absorto no que quer que ele estivesse fazendo e só notou a presença de Stiles quando ele estava há pouco menos de dez metros dele. Por impulso ele olhou com um olhar afiado na direção do barulho, prestes a atacar. Foi assim que Stiles viu as lágrimas e o olhar escondido por detrás da expressão ameaçadora do homem: dor, vazio, tristeza, raiva, solidão, necessidade, piedade, nostalgia.

Aquele olhar tinha dito muito mais a Stiles sobre o homem do que Derek já tinha dito a ele. Era um olhar triste e com o qual o adolescente se identificava e se identificava bem demais para alguém que sempre fingia estar bem.

- Eu vim visitar minha mãe. - Stiles disse num tom suave, não sentindo medo nenhum no momento. Derek deu de ombros e virou o rosto para o outro lado, tentando disfarçar o ato de limpar as lágrimas que mal sequer tinham caído.

- Não precisa esconder o rosto, eu te entendo, eu também sempre choro quando eu falo com a minha mãe.

- Eu não estava falando com ninguém. Porque não tem ninguém aqui, exceto você.

- Deixa disso, lobo mau. Ou você acha que eu vou sair espalhando para os seus inimigos que você também é capaz de chorar? É normal. Eu acho que você se controla até demais na verdade. Eu perdi a minha mãe e não consigo não chorar quando eu lembro dela e eu tive ataques de pânico por anos todas as noites depois que ela morreu. Se eu tivesse perdido mais alguém eu não acho que eu teria sobrevivido ou me recuperado do trauma.

Derek o encarou, cheirando de longe, tentando encontrar algum sinal de que o garoto estivesse o enganando, mas ele sabia que não encontraria nada. Stiles podia não ser muitas coisas, mas ele sem dúvida era o tipo de pessoa que tentaria fazer alguém se sentir melhor caso o visse minimamente magoado.

Razão pela qual Derek apenas voltou seu rosto para a lápide a sua frente e em seguida caminhou na direção em que Stiles estava, preparando-se para ir embora e fingir que aquele encontro nunca tinha acontecido.

Quando passou do lado do rapaz sentiu seu ombro ser tocado e levemente pressionado, o que fez com que ele olhasse para Stiles. E lá estava novamente o olhar entristecido e abandonado, o mesmo que ele tinha sem querer deixado o garoto ver a alguns momentos atrás.

Ele estava prestes a perguntar o que Stiles queria com ele e dizer que ele não tinha tempo para isso, pois ele tinha um Bando de Alphas para poder procurar, achar e derrotar, quando Stiles se aproximou e o abraçou. Um abraço genuíno e apertado, como se ele estivesse tentando sufocar Derek com aquele ato.

O lobisomem ficou sem reação, os olhos arregalados perplexos de surpresa e confusão, as sobrancelhas tão arqueadas que pareciam uma só. Mais ridículo ainda foi notar como ele não tentou ou simplesmente não tinha forças para sair daquele contato forçado. Ou talvez a parte realmente mais humilhante daquela situação foi quando ele apoiou seu queixo no ombro de Stiles e simplesmente deixou que o toque continuasse porque ele sentia que talvez não fosse conseguir ficar de pé se ele o soltasse agora.

Stiles definitivamente só tomou consciência do que tinha feito quando sentiu o peso de Derek sobre seu corpo. Não havia uma significante diferença de altura entre eles, mas Derek era pelo menos uns 10 kg de músculos a mais.

O que havia de errado com ele? Stiles não tinha conseguido aceitar o fato de que ele foi louco o suficiente para abraçar Derek. Derek! O mesmo lobisomem que já tinha feito mais ameaças de morte a ele do que qualquer vilão cruel e mal intencionado tenha feito ao James Bond. O mesmo lobisomem que provavelmente seria capaz de arrancar a cabeça dele com suas garras em um centésimo de segundo.

Certo, Stiles não acreditava que Derek fosse realmente matá-lo, nesses últimos meses a relação entre eles tinha melhorado bastante, ela só não tinha alcançado o nível aonde abraços são permitidos e provavelmente só alcançaria esse patamar em dez ou vinte anos (caso Stiles sobrevivesse tanto tempo andando com gente desse tipo. Aliás, caso Stiles sobrevivesse ao dia de hoje, apesar de que ele não poderia imaginar nada mais irônico do que morrer em um cemitério).

Ele tinha certeza que o relacionamento entre eles estava na fase entre "eu te cumprimento caso o reconheça na rua e você não esteja fazendo nada vergonhoso" e "numa situação de vida ou morte nós podemos muito bem ajudar um ao outro a sobreviver", e essas duas fases são bem longe da fase "caso eu pareça muito triste você pode me abraçar até que eu me sinta melhor".

Levou alguns longos momentos até que Stiles manifestasse que talvez fosse hora de recuperar a consciência e terminar aquele abraço (também conhecido como "possível causa de sua morte prematura"). Ele fez movimentos sutis, indicando a Derek suas intenções e segundos depois eles estavam separados um do outro por menos de 30 cm de distância, evitando se olharem e incertos do que fazer em seguida.

- Desculpa. - os dois disseram ao mesmo tempo o que os forçou a se encararem durante alguns segundos e no instante seguinte desviaram o olhar novamente.

- Eu acho que você não vai me matar então... - Stiles comentou e Derek o olhou confuso - Você não me parece o tipo de pessoa que gosta de receber abraços especialmente de adolescentes que você conhece há seis meses. Eu achei que você tinha cogitado a ideia de, sei lá, me enterrar na floresta num lugar onde nunca achariam meu corpo. Ou talvez você realmente estivesse precisando de um abraço. - ele sorriu travesso dando de ombros.

- Stiles, se você contar isso para alguém eu-

- Vai arrancar minha garganta com seus dentes. É, eu sei. Mas eu achei que nós tivéssemos passado desta fase em nosso relacionamento.

- Nós não temos um relacionamento.

- Como não? Eu salvei a sua vida, você salvou a minha, nós dois repetimos o erro de manter um ao outro vivo por mais um tempo. Achei que nós já tínhamos evoluído até um ponto aonde você apenas pensa em me matar, mas deixa de lado as ameaças físicas e verbais.

Derek olhou profundamente para o garoto, como se aquilo pudesse fazer com que ele se calasse, o que funcionou com bastante sucesso assim que Stiles terminou sua sentença.

- Isso - Derek aponta para o local em volta - nunca aconteceu. E se você disser algo, eu irei negar.

- Como a noite da piscina? Porque eu realmente achei que talvez você tivesse se acostumado com meu abraço depois daquilo. Duas horas, Derek. Duas horas. Deve ser um recorde em duração de abraços.

- Cale a boca, Stiles. - ele começou a andar em direção a saída com as mãos enfiadas no bolso de sua jaqueta de couro, fazendo o possível para ignorar o rapaz que vinha logo atrás dele sorrindo enigmaticamente divertido para o nada.