1 – Prepotentes

- Donna, você ainda precisa do dinheiro para reservar aquela data no teatro. Se você recusar essa matéria vai acabar se arrependendo. Você sabe disso. Eu sei disso. Todo mundo sabe disso.

- Não vou me arrepender de algo que eu nunca fiz Rachel, eu posso conseguir esse dinheiro de outra forma. Eu já esperei até hoje mesmo, um dia a mais, um dia a menos...

Donna trabalhava na revista de entretenimento e comportamento Pearson há 3 anos. Quando se formou em Teatro pela NYADA, viu na revista uma oportunidade de estreitar laços com grandes nomes e personalidades do ramo e acabou aceitando a vaga de colunista na sessão de entretenimento. Ela dissertava semanalmente sobre novas peças em Nova York, filmes em cartaz, críticas sobre os aclamados ao Oscar, o que seria tendência na premiação e até mesmo sobre os novos talentos de Hollywood.

Em 3 anos de contrato, Donna havia conhecido muita gente influente no ramo e algumas celebridades. Várias delas cultivaram a amizade com ela durante esse tempo. Agora, Donna apenas precisava ponderar se o sacrifício para a nova matéria super exclusiva da revista valia a pena. Aceitar a proposta significava dinheiro suficiente para sua primeira peça como Donna Paulsen.

- Eu te ajudo a achar alguém. Podemos ir à um bar longe daqui e pedir umas bebidas e você...

- Não, Rachel. Eu não vou aceitar. Depois de feito, eu não posso voltar atrás...

- Donna Paulsen, olha para mim.

Donna estava sentada no antigo sofá do apartamento que elas dividiam desde quando se conheceram no primeiro ano da faculdade. Rachel era formada em Direito e tinha acabado de se tornar oficialmente uma advogada. Cabisbaixa, Donna voltou seu olhar para Rachel na esperança da amiga deixa-la em paz.

- Ei, você consegue fazer isso. – Rachel murmurou, sentando-se ao seu lado, lhe entregando uma taça de vinho. – Não é tão difícil. Você precisa focar nisso pelo o quê? 3 meses?

- São 26 letras, Rachel. O alfabeto tem 26 malditas letras. Não podia ser, sei lá, apenas 3? Olha que maravilha seria...

- Se eu achar alguém que se qualifique nas suas exigências, você aceita? Por mim?

- Rach... – Rachel estava olhando para Donna de maneira apoteótica, sabendo que a amiga cederia mais cedo ou mais tarde. – Tá, tá bom. Você tem 2 dias. 2 dias, Rachel. Nada mais, nada menos.

- Finalmente! – Rachel celebrou tomando o resto do seu vinho e sorrindo. – Você não vai se arrepender. Daqui uns meses, você me agradece.

- Você sabe que seu aniversário é depois de amanhã, né? – Donna questionou Rachel de forma causal, mas sarcástica. Esperava que a amiga esquecesse um pouco desse assunto e focasse no que realmente importava no momento. – E você sabe também que esse ano não vai ter nenhuma festa aqui nesse apartamento, né?

Rachel tomou mais um gole do seu vinho e ao olhar para a cara de Donna, não pode evitar de soltar uma risada, se lembrando do seu aniversário no ano anterior.

- Mas que porra é essa aqui? Rachel? – Donna abriu a porta do apartamento e não pode acreditar no que estava vendo. Havia umas 10 pessoas deitadas no chão do apartamento – em todos os cantos possíveis. – RACHEL? DÁ PRA ME RESPONDER?

Rachel aproveitou que Donna passaria a noite fora participando de um evento no cinema e que não se importaria se ela chamasse alguns amigos para passar a noite comemorando com ela. O que Rachel não sabia era que a "festinha" sairia do controle e acabaria se tornando praticamente uma rave, com bebidas e muita coisa ilegal.

- Donn? Oh, Deus... me perdoa, por favor. Eu não sabia...

- TODO MUNDO! ACORDEM! – Donna disse batendo palmas e indo até a cozinha pegar uma panela. – VAMOS, LEVANTEM, É PRA HOJE. Pelo amor de Deus, Rachel. Vocês são advogados, como você deixou isso acontecer?

- Eu.. hã.. eu.. o Mike.. e.. eles chegaram.. e aí.. – Rachel estava com a aparência horrível, sem contar o cheiro de bebida que Donna podia sentir de longe.

- Chega de desculpas. Eu vou para o meu quarto, eu vou tomar um banho e, quando eu voltar, eu não quero mais ver essas pessoas aqui. Rachel, por favor...

Donna sabia que esse não era o costume de Rachel. Ela havia brigado com o Mike no dia anterior e sabia que a amiga precisava de uma distração, por isso concordou com a "festa" mesmo não estando em casa. Ela infelizmente não podia cancelar sua aparição no evento por ser a única pessoa na revista autorizada a cobrir tudo.

Rachel observou a amiga ir em direção ao quarto e não pode evitar de observar as condições do apartamento. Ela estava de ressaca, isso era óbvio. Ela precisava de um remédio para dor de cabeça, antes de tudo. Assim que Donna abriu a porta do quarto, Rachel achou que não precisaria mais do remédio. Ela perderia a cabeça naquele mesmo dia...

- Mas o quê? RAAAAAACHEEEEELLL!

- Ah, Donna, você sabe que foi apenas daquela vez. Eu jurei nunca mais chamar aqueles associados para mais nada. E continuo invicta na minha promessa.

- Só porque o Mike te pediu desculpas e vocês voltaram. Senão estava aí, dando rabo de saia pra eles que eu sei.

- Mentira! – Rachel se inclinou para trás, rindo. – Já sei, esse ano podemos apenas fazer um jantar, coisa simples. O que você acha?

- Realmente, Rachel Zane, às vezes você pensa. – Donna se inclinou e deu um tapinha na perna da amiga. – Minha bebê vai ficar mais velha, não consigo acreditar nisso.

- Nem eu, Donna... nem eu. E a gente tem a mesma idade, para de me fazer me sentir uma idosa.

Donna duvidava um pouco da capacidade de Rachel de achar alguém que atendesse às qualificações, que topasse fazer isso e que estivesse disposto a passar 26 encontros com ela sem receber nada em troca.

A matéria consistia basicamente em um guia d sobre temas para encontros. Estudos recentes apontavam que, 97% das pessoas conseguiam fazer o relacionamento durar depois de 26 encontros sem pretensão alguma, apenas diversão. A equipe da Pearson viu nela a oportunidade de comprovar esse estudo através dos talentos de Donna pela atuação. Ela poderia fazer esses 26 encontros acontecerem e ainda escrever sobre eles.

A única exigência de Donna quando ela soube da proposta, foi que retirassem o sigilo. Ela jamais mentiria por causa de um trabalho; ela não mentiria em circunstância alguma.

A revista analisou o pedido de Donna e, por mais que não fosse tão absurdo assim, ela não poderia contar à pessoa que ela escolhesse que a matéria era para a revista. Donna precisaria omitir essa informação até o 21º encontro. Era por isso que a revista iria pagar tão bem. Nada vem tão fácil assim...

Jéssica Pearson, proprietária da Pearson, conhecia Donna antes de trabalharem juntas. Jéssica costumava frequentar o mesmo clube de poesia que Donna e foi lá que elas se conheceram. Jéssica sabia de como Donna trabalhava e de como adorava o que fazia na revista, mas sabia também que não era isso o que ela queria fazer pelo resto da vida. Essa matéria – a última que ela daria à Donna – era uma justificativa pelo pagamento ultrajante que eles iriam pagar. Acima de tudo, elas eram amigas e Jéssica acreditava no potencial de Donna para a carreira de atriz.

Enquanto pensava sobre tudo isso, Donna aproveitou o sábado para comprar o presente de Rachel e organizar algumas coisas que faltavam para o jantar. O aniversário de Rachel era apenas na segunda, mas, como ela mesma havia dito: "Ninguém comemora o aniversário na segunda-feira, Donna, você às vezes é ridícula", elas planejaram o jantar em cima da hora para o domingo e não havia sequer algo decente na geladeira delas para a ocasião.

Rachel ficou encarregada de chamar seus amigos e arrumar o apartamento, enquanto Donna se dispôs a cuidar da refeição. Ela não sabia fazer muita coisa, mas, quando fazia, era muito elogiada. Optou por fazer camarão gratinado com aspargos e batata sauté ao molho quatro queijos.

Vasculhou o mercado procurando alguns produtos que ela sabia que estavam faltando e rumou de volta ao apartamento. Donna preferiu andar de volta para casa na esperança de clarear os pensamentos e de decidir a melhor coisa a se fazer no momento. Sabia que aceitar essa oportunidade profissional seria fundamental para a sua futura carreira teatral e não aceitar, significava deixar passar a única chance imediata de conseguir o dinheiro que precisava.

Pensa, Donna. Pensa. Vale a pena? Rachel está certa? Bom, ela quase sempre nos coloca em algumas situações constrangedoras mas, quando me diz algo, ela geralmente está certa. Mas e se der errado? E se eu não souber o que fazer? E se eu não souber escrever? E se...

- OLHA POR ONDE ANDA, MALUCA. – Uma buzina ressoou ao lado de Donna e a ruiva deu um salto para trás. Havia se dispersado em pensamentos e quase foi atropelada. O carro parou do seu lado e um motorista não muito agradável continuou a insultando. – QUER CHAMAR ATENÇÃO? Se joga da ponte! Não venha se jogar em cima do meu Tesla.

- Nossa, meu sonho sempre foi morrer atropelada por um, olhe só, Tesla. Quanta honra, você foi o escolhido e perdeu a oportunidade. Que lástima.

- Quanta prepotência. – O homem, aparentando estar nervoso, havia parado no meio da avenida e ao fundo, várias buzinas lhe diziam para abrir o caminho. – ESTÃO COM PRESSA? PASSEM POR CIMA.

- Quem é o prepotente agora? – Donna não conteve a risada e continuou caminhando, deixando o homem boquiaberto enquanto ele se recuperava e arrancava com seu carro.

- Rachel, você sabe onde está o saca rolhas que eu deixei aqui ontem?

- Eu não sei. – Rachel disse saindo de seu quarto e aparecendo na porta da bancada de mármore que dividia a sala e a cozinha. – Você que quis comprar esse negócio maior que o normal para não perder e sempre perde. Eu nem me atrevo a tocar nele.

- Eu sei, ele deve estar por aqui. Eu apenas estou nervosa. Não sei se vou dar conta de fazer tudo o que preciso.

- Sei que você vai. Você é Donna Paulsen, sempre sabe o que fazer. – Rachel deu um piscada cúmplice na direção em que Donna estava e deixou a amiga sozinha.

Donna havia acordado cedo para conseguir dar conta do dia e talvez seguir a lista que havia feito no dia anterior depois que chegou de suas compras.

* Separar a roupa que iria usar no jantar;

* Organizar os discos de vinil que havia escutado com Rachel durante a semana;

* Limpar os camarões;

* Finalizar as batatas;

* Fazer o jantar dar certo para a felicidade de Rachel.

Rachel havia avisado que iriam 4 pessoas para a comemoração. Mike, seu namorado de longa data; Louis, seu melhor amigo do escritório e ele levaria sua namorada, Sheila; e Harvey, melhor amigo de Mike que também trabalhava com eles e consequentemente se tornara seu amigo também.

Dos amigos de Rachel, Donna conhecia apenas Mike, apesar de compartilharem quase tudo na vida. Os amigos de profissão de Rachel quase sempre não faziam parte do círculo de amizade delas e Donna estava ansiosa para conhecê-los.

Havia escolhido um vestido azul tubinho com mangas curtas e um sapato preto de salto. Não queria parecer muito formal nem muito descontraída, acreditava que aquele look com certeza iria favorece-la.

Separou o presente de Rachel e depois de finalizar a maquiagem, retornou à cozinha para checar se tudo estava em ordem. Os convidados já estavam prestes a chegar e ela queria garantir que tudo estivesse perfeito. Sua melhor amiga merecia um aniversário digno, não o que havia acontecido no ano anterior.

Quase 10 minutos depois, a campainha tocou. Elas estavam sentadas na sala de estar, Donna no sofá encostado na parede direita e Rachel estava no sofá paralelo à Donna, de frente para a televisão. Rachel estava mais próxima da porta e, como era a anfitriã da noite, foi atende-la.

- Aí está a aniversariante mais bonita de Nova York. – Um homem baixo, calvo e meio gordinho apareceu na entrada dando um abraço em Rachel – este devia ser Louis.

Atrás dele, uma loira muito simpática, usava óculos e um vestido preto com um blaser branco, entrou e também cumprimentou Rachel. Ambos eram extremamente adoráveis.

- Obrigada por virem. Louis, Sheila, essa é Donna. Donna, esse são Louis e Sheila. – confirme Rachel apresentava os amigos à Donna, a ruivo se levantou do sofá e foi ao encontro deles para cumprimenta-los adequadamente.

- Donna, Rachel tinha razão. Você é linda. – Louis disse conforme a abraçava. – Desculpe a sinceridade, mas é verdade.

- Louis, obrigada. – Donna se inclinou para frente um pouco constrangida enquanto colocava uma mecha do cabelo para trás.

- Eu sempre digo isso à ela e ela simplesmente não me ouve. Cansei. – Rachel disse fechando a porta atrás de si e guiou o casal recém chegado para a sala. – Mike me avisou que chegará aqui em alguns minutos. Ele e Harvey precisaram resolver uma coisa de última hora para a reunião de amanhã e se encontraram no escritório, virão juntos.

- Ótimo. – Donna estava em pé entre a sala e a cozinha, um pouco tímida e suas mãos se tocavam em sua frente. – Eu vou.. hum.. conferir a comida de novo. Por favor, sintam-se em casa.

- Muito obrigada, Donna..

- Obrigado. – Louis e Sheila ocuparam o lugar em que Donna estava no sofá alguns segundos atrás e deram início a uma conversa descontraída com Rachel.

Não demorou muito para que Mike e seu amigo chegassem. Rachel estava mostrando o pequeno apartamento para o casal e Donna estava debruçada sobre a bancada tomando uma taça de vinho, quando a campainha tocou pela segunda vez aquela noite. Mike devia ter esquecido a chave outra vez...

- Mike, quantas cópias da chave a Rachel já te deu? – Donna disse abrindo a porta. Ela podia pensar em encontrar qualquer pessoa ao fazer isso, menos esse homem parado bem na sua frente, segurando uma caixa de presente vermelha.