Só Sei Viver se For por Você

- Mestre, a criança está aqui.

Uma criança, de uns sete anos, entrou no grande Salão, acompanhada de dois guardas. Tinha uma expressão de medo e curiosidade no rosto, suas roupas estavam sujas, seus pés descalços e os cabelos despenteados. Uma figura digna de pena. Parou em frente ao grande trono, onde um homem o analisava.

- Quantos anos? – Ele perguntou com uma voz macia, por detrás de uma máscara pesada.

- Não sabemos, não fala. Mas pela aparência... uns sete, eu diria. – Um homem mais afastado respondeu.

- Menino ou menina? – A criança sentiu um arrepio, apesar de não falar, compreendia bem o que diziam.

- Acho que é uma menina. – Um dos guardas se manifestou, curvando-se ao Mestre.

- Acha? Levantem sua túnica. – Ele ordenou. A criança engoliu em seco e tentou se soltar, não queria passar por aquela humilhação, mas como era mesmo que se pronunciava as palavras?

Aquela criança havia sofrido um grande trauma, esquecera-se de como se falava, ficou mudo, passivo. Entendia o que aqueles adultos diziam, mas não sabia como responder, então permanecia calado. Mas agora as palavras lhe seriam necessárias e ainda não as sabia proferir.

- O que estão esperando? – O Mestre levantou-se do trono, um homem imponente de cabelos longos e macios.

- Certo. – Um dos guardas segurou a criança pelos braços e o outro levantou parcialmente a túnica, tentando abrir suas pernas.

- Menino, senhor. – Ele respondeu, largando a túnica larga e suja que a criancinha usava.

O pequeno sentiu o rosto corar ao sentir os olhares do mestre e dos outros homens sobre si. Não entendia o que lhe fariam ali, não entendia porque o mantinham ali, mas sabia que queria fugir, ir embora e nunca olhar para trás.

Ótimo. Levem-no para as outras crianças.

Os guardas obedeceram, levanto o garotinho pelo corredor, até uma sala onde haviam outras crianças pequenas, como ele, e uma mulher gorda e sorridente. Deixaram-no lá e fecharam a porta.

- Qual é o seu nome, criança? – Ele não respondeu, continuou fitando os pés, envergonhado e sem falar. – Não fala? – A moça gentil ajoelhou-se no chão, segurando suas mãozinhas sujas entre as dela. – Precisa de um banho e depois vou tratar desses machucados.

A senhora, muito gentil, levantou-se, puxando-o pela mão para que a acompanhasse. Ele andou de cabeça baixa, procurando não encarar os outros meninos que haviam na sala e lhe olhavam com curiosidade. Não se lembrava de ter, um dia, sido tratado com aquela gentileza da mulher e nem olhado com a curiosidade das crianças.

- Vamos... tire essa túnica suja. – Ela pediu, enquanto enchia uma banheira com água morna. Sentiu-se envergonhado e não sabia porque. – Vamos, menina... qual o problema?

Continuou fitando os pezinhos sujos e arranhados, enquanto a mulher o olhava com pena. Achava que era uma menina e por que, diabos, haviam mandado uma menininha para o meio daqueles meninos mal educados?

- Eles não virão aqui, pode tirar a roupa. – A senhora voltou a sorrir de forma delicada, segurou nas mãozinhas sujas e suspendeu-as, puxando, depois, a túnica imunda, desnudando a criança. – Ora... mas é um menino. – Sorriu aliviada.

Fazia tempo que aquelas crianças chegavam àquele lugar. Elas eram levadas até a sala, onde a gentil senhora lhes cuidava e ensinava, enquanto o treinamento não começava. Em muito tempo ela havia recebido apenas meninos, as meninas iam para outro lugar. Dessa vez pensara que haviam se enganado, mas a criança era mesmo um garotinho, como os outros.

- Vamos, meu filho... – Puxou-o pela mão, fazendo-o entrar na banheira. – Você tem um rostinho tão delicado, pensei que fosse uma menina. – Fez o garoto mergulhar para que molhasse os cabelos, que vinham, lisos, até os ombros. – Com esses cabelos compridos e lilases... parece uma garotinha. – A senhora sorriu, ensaboando a criancinha, que apenas olhava a tudo com enormes olhos rosados.

Deixou que a mulher lavasse seu cabelo e seus machucados. A água estava quente e as mãos que lhe esfregavam eram de fada, gentis e delicadas. Deixou-se envolver, suspirando e sentindo o calor gostoso invadir seu corpinho infantil.

A senhora tirou-o da banheira, enxugando-o com uma toalha branca e macia. Penteou os cabelos lavanda e depois o enrolou na toalha, buscando algumas roupas. Vestiu-o em uma túnica lilás de mangas curtas, que ia até os joelhos.

- Vamos... – Ela chamou estendendo-lhe a mão.

Levou-o de volta à sala, onde os outros garotos brincavam, menos um, sentado mais afastado, emburrado. A senhora sentou-o em uma almofada e fez curativos pela pele branquinha e arranhada.

- Você não fala? Gostaria de saber seu nome... – Ela sorriu, terminando de tratar dos arranhões. – Não lembra?

O garotinho apenas sacudiu a cabeça, negando tristemente e baixando o olhar. A mulher sentiu pena e afagou-lhe os fios lilases, reparou pela primeira vez nas pintinhas rosadas no lugar das sobrancelhas, curioso.

- Bem, você precisa de um nome... te chamarei de... – pensou um pouco olhando em volta. Três garotinhos brincavam, enquanto um quarto, olhava de cara feia para a brincadeira. – Mu. É um nome fácil, você aprende rápido a dizê-lo. – Sorriu, levantando-se. – Agora, Mu... vá brincar com as outras crianças, enquanto o almoço não fica pronto.

Ele ainda olhou em volta, antes de decidir-se. Havia três meninos, um de cabelos curtos e azulados, cheio de cachinhos; havia um outro, mais sério, com cabelos pouco mais curtos que os seus, lisos e azulados; e um outro, que brincava mais afastado, loiro, com os cabelos do mesmo comprimento dos seus. Observou-os por um tempo, notando em como cada um parecia feliz, brincando. Mas então ele virou-se para o lado e notou o pequeno de cabelos castanhos, olhos verdes e cara emburrada. Andou até ele, sentando de pernas cruzadas no chão, ao seu lado.

- Quem é você? – Ele perguntou sem fitílo, apenas olhando os outros dois, de cabelos azuis, que brincavam.

Mu não respondeu, não se lembrou de como pronunciava seu novo nome. O menino olhou-o com uma sobrancelha erguida, estudando seus traços delicados.

- Você é uma menina? – Fitou-o curioso, vendo-o balançar a cabeça em negativa. – E não fala? – Novamente uma resposta negativa. Bufou virando-se novamente para encarar os dois que brincavam.

Os meninos sorriam brincando com bolinhas de gude, enquanto o loirinho montava e desmontava casinhas, com os blocos coloridos. Ficou pensativo, fitando as pecinhas coloridas, com a cabeça apoiada nas mãos.

- Você quer brincar? – O menino apontou para o loirinho, que parecia entretido com os blocos. Mu balançou a cabeça afirmando, tentando sorrir.

O garoto levantou-se, sentando-se do lado do outro, chamando-o para perto. Mu engatinhou, até estar sentado do lado de seu novo amigo, que fitava o loiro pensativo.

- Quer brincar, menina? – O loiro perguntou, erguendo os blocos. Mu notou nas pulseiras que o garoto trazia nos pulsos, eram brilhantes e douradas.

É um menino. – O moreninho respondeu. – Esse é Shaka. – Ele disse apontando o loiro. – E eu sou... Aioria.

Aioria, repetiu mentalmente, nome diferente, pensou. Abriu a boca, tentando pronunciar algo, conseguindo apenas tossir e produzir sons sem sentido algum. O loiro franziu a testa, mas Aioria continuou fitando-o, como se o encorajasse.

- Tente com calma... devagar. – Ele pediu, tentando entender o menino. Ele tentava balbuciar a palavra Mu, mas conseguia apenas mover os lábios, sem produzir o som. – Está tentando dizer seu nome? – Mu afirmou sorrindo e tentando novamente.

É Mu. – O loiro respondeu, fazendo-o sorrir. – Eu ouvi quando a moça disse. – Shaka sorriu, entregando os blocos nas mãos do outro. Mu assentiu com a cabeça e pegou-os, notando novamente as pulseiras douradas.

- Mu... – Aioria repetiu sorrindo. Ele ficava ainda mais bonito sorrindo, se é que isso era possível.

- Gosta das minhas pulseiras, Mu? – O menino assentiu, com o olhar vidrado nelas. – São indianas... – O loirinho sorriu também, entregando-lhe uma. Mu olhou-a maravilhado.

O grego ajudou o indiano com os blocos, enquanto Mu observava, tentando entender o que faziam. Os blocos vermelhos, amarelos, verdes e azuis eram empilhados, formando casinhas, castelos, pontes e robôs. Com o tempo Mu começou a brincar também, ajudando-os a construírem uma verdadeira cidade.

- Do que brincam? – O garoto de cachinhos sentou-se ao lado de Aioria, fitando os bloquinhos.

- Não é da sua conta! – Ele respondeu com grosseria, virando de costas.

- Deixe-os brincarem... – O outro sentou-se ao lado de Mu, sorrindo-lhe. – Qual o seu nome, menina?

- Ele não fala e é menino. – Shaka sorriu, segurando na mãozinha do ariano.

- Menino? Tem cara de garota! – Ele rapidamente se arrependeu, pois o amigo lhe deu um discreto tapa. – Ai, Kamus!

- E qual o nome dele?

- Mu. – Aioria resmungou quase empurrando o francês.

- Mu... eu sou Kamus e esse mal educado é Milo. – Sorriu gentil e simpaticamente.

- Por que ele não fala? – Milo cochichou no ouvido do grego.

- Não é da sua conta!

- Ai, Aioria... da próxima vez não te deixo nem começar a brincar! – Ele mostrou a língua pro amigo, levantando-se e voltando para as bolinhas de gude.

- Ele não faz por mal... é muito bobo ainda. – O francês explicou, sorrindo para o amigo.

- Não gosto do jeito dele, Kamus! Não sei como consegue ser amigo dele... – Aioria virou o rosto profundamente magoado com Milo.

- Vocês brigam demais... o que ele vai pensar? – Shaka balançou a cabeça, inconformado, apontando Mu, que mantinha os olhos arregalados.

- Vai pensar que o Milo é bobo! – Respondeu o leonino mau humorado.

- Vamos meninos... o almoço será servido. – A gentil senhora entrou na sala, buscando Mu pela mão, conduzindo-os para outro lugar.

Continua...


N/A: Mais uma fic... essa ainda está em processo criativo! XD

Mu acabou de chegar ao Santuário e conheceu Shaka, Kamus, Milo e Aioria. Os cinco ainda são bem pequenos e não começaram seus treinamentos, mas daqui a pouco o tempo vai passar depressa e Mu vai descobrir um amor entre eles. Acompanhem a fic que vocês vão logo saber de quem se trata.

O título eu tirei da música Oceano do grande mestre Djavan! Adoro ele!

Um beijo a todos que me mandaram reviews nas outras fics e que me mandarão nessa! Valeu gente!

Espero críticas, opiniões ou até elogios!