Estou deitado na minha banheira de mármore branco, tomando um agradável banho de água bem quente. Da banheira sai um leve vapor adocicado com perfume de amêndoas e mel. Faço este ritual várias vezes durante o dia, talvez porque gostaria de limpar a impureza que envenena o meu corpo, mente e coração.

Provavelmente perguntam quem sou. Eu respondo. Saga de Gémeos, ou pelo menos o que resta dele. Quando um homem é seduzido pelas trevas é muito difícil resistir ao seu encanto. Eu, Saga de Gémeos, outrora um dos respeitados e adorados cavaleiros de Ouro ao serviço da Deusa Atena e de toda a Humanidade tornei-me no cruel e vingativo grande mestre do santuário.

O meu coração chora quando penso em tudo o que fiz por causa da minha ambição desmedida. Jurei proteger Atena e o que fiz eu depois, tentei matá-la. Tentei matá-la porque queria ser o homem mais poderoso que anda sobre a Terra. Queria que a minha vontade impera-se no mundo, acima de todas as outras vontades. E consegui satisfazer a minha ambição. Contudo uma vida muito preciosa foi desperdiçada na noite que tentei loucamente assassinar a minha querida Deusa. A vida de Aioros de Sagitário foi deitada para o lixo às mãos da minha incontrolável maldade. Enviei Shura de Capricórnio dizendo-lhe que o traidor Sagitário tinha tentado tirar a vida do bebé no qual Atena reencarnara. Envenenei Shura e os demais cavaleiros contra o jovem Aioros. O ar falta-me, o coração deixa de bater, os olhos choram quando penso em todas as atrocidades que cometi. E o que me entristece mais é que as mortes que cometi não se reduzem a Aioros. Matei Shion, o grande mestre do santuário. Como posso ter terminado com a vida de alguém tão bondoso tão sábio, tão justo, alguém que me deu uma oportunidade mesmo vendo as trevas do meu coração. Matei-o porque ele estava no lugar que por direito era meu.

Olho em volta, o vapor embaciou o enorme espelho pendurado na parede revestida a azulejo branco. Constato que estou só. Estou, estive e estarei sempre só. Alguém tão poderoso não precisa de companhia. Isso é mentira, a solidão sufoca o meu coração já quase ressequido. Profanei a mente dos jovens e puros cavaleiros de ouro com a minha maldade e intrigas, eles não mereciam tal castigo, tal punição, tal desonra. Tudo o que lhes ordeno é para um bem maior, eles compreenderão sem dúvida. Todos eles me respeitam por ser o grande mestre, nem sequer sonham a minha verdadeira identidade, mas será que sentem por mim amizade ou apreço? Penso que a maioria deles nada mais sente. Os poucos amigos que tenho ou é por conveniência ou porque têm medo de mim. Tudo isto quebra a minha alma à muito perdida.

Gostava de ter a coragem de pôr fim a minha ambiciosa vida. Gostava de pagar por todos os crimes odiosos que cometo, cometi e provavelmente cometerei. Gostava de ser punido por ter sido fraco e ter sucumbido ao doce chamar das trevas. Mas falta-me a coragem. Eu não tenho coragem porque lutei muito para ser o que sou hoje. Eu tive coragem para matar Aioros, o grande mestre e tentar assassinar uma Deusa, isto é algo grandioso. Não, eu nunca tive que lutar para chegar a este trono, todas as vidas que tirei não se denomina luta mas sim crueldade.

A coragem escorre-me pelos dedos, como a água da banheira, a esperança desaparece no vapor e a minha antiga bondade afoga-se no doce perfume dos sais de banho. E volto a ser eu, dominado pela maldade, ódio, traição, mentira e ambição desmedida. Ambiciono que alguém, seja quem for, ganhe toda a coragem que eu queria ter e não tenho, e a use para me fazer pagar por tudo o que fiz, para me punir justamente, para me dar o fim que eu realmente mereço. Só assim eu poderei algum dia ser feliz.

No entanto acredito que um dia a luz sorrirá para mim, porque no coração dos homens não existe somente trevas ou luz.