Título: Em frente.
Aviso: Coleção de drabbles, baseado na cena entre Harry e Dumbledore em Relíquias da Morte, sobre a viagem de cada personagem.
Personagem: Severus Snape
Considerações: Todas as ficlets escritas aqui se baseiam na viagem de Harry, após sua suposta morte, onde ele visita King's Cross na companhia de Albus Dumbledore. Escolhi os personagens aleatoriamente, não tem ordem cronológica alguma, e alguns deles a morte nem chegou a ser narrada na obra original.
Sinopse: Severus lembrou-se. Se havia uma palheta de cores usada na concepção do universo, com certeza havia uma cor que fora destinada única e exclusivamente para os olhos de Lily. E... De Harry Potter.
Viagem 1 — Severus Snape
Era frio. Pensando bem, podia ser quente. Não queria se mover. Talvez por medo de seu corpo — ou seja lá o que fosse aquilo — não o obedecesse, confirmando sua morte. Queria também abrir os olhos, mas tinha medo de descobrir onde estava. Foi quando uma brisa fresca acariciou seu rosto, provando, definitivamente, que ao menos havia um corpo físico. Ergueu-se muito devagar. Não havia sangue em suas vestes. Isso verdadeiramente o surpreendeu.
Reconheceu de imediato. O balanço. A árvore. O lago de superfície fantasiosamente lisa. Um tom azul em algumas partes, mesclando-se com um verde denso em partes mais profundas. Verde. Aquela palavra lhe trazia alguma coisa... Mas o quê?
Um farfalhar. Os olhos dele. De Harry Potter. A última coisa que tinha visto. Outro farfalhar, e olhou para frente, e antes que pudesse completar o movimento, sabia por quem esperar.
— Lily.
O vento era mais real do que nunca, quando agitava os cabelos acajus dela. Conserva-se a moça de vinte e um anos que o deixara. Estava a menos de cinco metros de distância, e, mesmo assim, parecia tão inalcançável.
— Você tem os olhos de Harry — e era estranho dizer a frase ao inverso do que lhe parecia natural. Era ele quem tinha os olhos dela.
Ela sorriu. O sorriso era o mesmo. E quando se apagou, Severus sentiu um oco no peito.
— Sei que esperava me encontrar. Eu quis vir. Porque tenho tanto a dizer. E não queria que os outros ouvissem.
— Outros?
Lily apenas sorriu.
— Você o vigiou por mim. Sei reconhecer isso. Mas... — ela pausou, e a dor em seu rosto preludiou o que ela ia dizer em seguida — Por que, Sev? Sei que tinha que interpretar seu papel. Tinha que dançar no ritmo da música. Mas Harry te odiou e eu não posso culpá-lo.
A verdade do dito dispensava argumentos.
— E, no entanto, você salvou a vida dele. Isso basta para qualquer mãe — e mais silêncio.
Severus lembrou-se. Se havia uma palheta de cores usada na concepção do universo, com certeza havia uma cor que fora destinada única e exclusivamente para os olhos de Lily. E... De Harry Potter.
Seguiu-se um silêncio no qual Severus não falou, mas Lily não parecia estar esperando que ele falasse, pois continuou segundos depois.
— Eles não guardam mágoas, Sev. Os outros.
— Quem são os outros?
— Todos eles.
Snape não tinha certeza de que entendia o que ela dizia. Ainda tinha mais importância, para ele, o fato de que ela estivesse ali.
— Albus queria vê-lo, mas, sendo o homem bondoso que é, deixou-me vir primeiro.
Subitamente a presença de outros se esclareceu, à menção do nome de Dumbledore. O diretor era um pensamento muito reprimido na mente de Snape, no pouquíssimo tempo que se passou entre a morte dele e sua – àquela altura, já se convencera de que estava morto. Era como houvesse um freio em sua mente, uma peneira. E ali, onde quer que realmente estivesse, esse freio não existia mais. Não conseguia evitar, e a ideia de Albus Dumbledore andando, falando, existindo... Era desconcertante.
— Quem é que não guarda mágoa? — ele tornou, porque o plural indicava que Albus Dumbledore não era o único na comissão de recepção.
— Não é como se o sentimento evaporasse. A morte não conserta, ela nada mais é do que uma enorme segunda chance, Sev. Agora, se você vier comigo...
— Para onde? — as palavras fugiram sem querer, e eram desnecessárias.
— Em frente.
Ele não sabia aonde ia, não sabia nem ao menos porque estava ali. Mas iria onde Lily Evans o levasse, sem nem pestanejar. A mulher parecia saber disso, porque apenas sorriu.
Ele sorriu. Inacreditavelmente, e ele não se julgava mais capaz de tal. Quando sorrira pela última vez? Desde a morte de Lily? Sabia que houveram algumas ocasiões, mas estavam todas muito embaçadas. Sem detalhes. Lily tinha os olhos verdes, e eles sorriam com uma serenidade que abrandava todo o desconsolo. Rebatia toda a solidão. Não havia mais ninguém além deles ali. Como era antes. Reparou-se de repente descalço. A grama era macia. Havia terra granulosa entre seus dedos. E não importava.
Lily estendeu a mão. Severus não moveu um músculo, apesar de tanto querer, pois tinha medo. Tinha medo de tocá-la e descobrir que não era material, assim como todas as vezes que a vira em sonhos. Ou mesmo acordado. Quando mergulhava na penseira, imergia em suas próprias lembranças, para admirar de longe aquela Lily. Aquela Lily que não passava de uma memória.
Ela esperou. Podia ter levado horas, mas talvez não tivessem se passado nem mesmo segundos, quando Severus ergueu a mão. Estavam distantes demais para que o gesto realmente significasse alguma coisa, mas Lily sorriu. E era a menina do lago. Era ela em todos os seus detalhes, em toda a vida que – ironicamente – irradiava.
Ele deu um passo no gramado, em direção a ela. Em direção a quem quer que fossem os outros. Em direção a algo que, certamente, parecia mais acolhedor do que o lugar de onde viera.
A ideia o acalentou, e ele deu um passo no gramado verde. Tão verde quanto os olhos de Lily.
NA: Tem gêmeos vindo aí.
