When The Devil Cries
Capítulo Um
TCK
Harry's POV
Eu não sabia que dia era ou em que mês estávamos. Sabia que estava zonzo e não entendia muita coisa do que estava se passando. Talvez fosse um calabouço ou talvez algum outro tipo de sótão obscuro. Meus olhos estavam pesados e sentia os pulsos doendo absurdamente. Tentei sentir alguma coisa, e pude perceber que algemas de ferro prendiam meus pulsos. Tentei abrir meus olhos; não conseguia. Estavam muito pesados… Não dava. Tentei respirar fundo, e senti um cheiro desagradável de mofo. Minha boca estava seca e podia sentir meus lábios rachando de secura.
Joguei minha cabeça para trás, atordoado, e a senti se chocar com algo feito de rocha. Devia de ser uma parede. Minha cabeça latejou um pouco mais, mas eu engoli em seco, sentindo todo o meu estômago se revirar e uma ânsia de vômito incrível me balançar para o lado. Gosto de vômito na minha boca. Falta de força para dar um impulso para frente e cuspir longe.
Escutei passos vindo de longe. Cuspi rápido o vômito, sentindo-me incrivelmente enjoado. Estava sujo. Queria um banho, queria comida, água, e uma cama, por favor.
Os passos se aproximavam, mas eu não tinha forças para abrir os olhos.
Senti a respiração de alguém perto de meu rosto. Tinha um perfume incrivelmente agradável, e aquilo me deixou ainda mais conturbado, pois contrastava com o terrível cheiro de vômito e mofo do lugar.
-Olha o que ele fez com você…
Eu conhecia a voz, mas ainda estava muito fraco pra poder raciocinar quem era. Apenas sabia que a conhecia.
Não podia abrir os olhos pois algo os pesava. Acho que devia estar um pouco sedado, pois sentia as dores de uma forma insuportável, mas não conseguia raciocinar o bastante para pedir por socorro ou sequer tentar apalpar minhas algemas pra tentar ver se havia algum alcance à uma varinha ou outra coisa.
Apenas sentia aquela respiração e aquele perfume… E a voz.
-Onde… – engoli em seco, respirando rápido. – eu estou? – impulsionei minha cabeça para frente fortemente, em mais uma ânsia terrível.
Ouvi o barulho de uma risada curta e nervosa. Não houve resposta. A respiração se afastou, e junto seu perfume. Forcei meus olhos mas não consegui enxergar nada além do escuro abismo. Estava suado, estava com o gosto de vômito na boca e me sentia terrivelmente perturbado.
-Por favor… – implorei, com a respiração descompassada.
Mais uma vez o silêncio pairou. O silêncio, ou o que eu julguei silêncio. Lá eu só ouvia minha respiração difícil, meu coração descompassado e meu estômago se revirando. E, é claro, eventualmente, quando se aproximava, a respiração.
Senti uma mão na lateral esquerda do meu rosto. Não o pegava com carinho ou cuidado. Apenas o tocara para ter uma vista melhor. Virou meu rosto e bufou.
-Só queria entender pra que tudo isso. – bufou uma segunda vez. – Não tem sentido…
Antes que pudesse ouvir ou sentir mais alguma coisa, ele tirou rapidamente a mão de meu rosto. Então eu ouvi passos de uma segunda pessoa. Sua voz era mais grossa e estupidamente rígida.
-O que está fazendo aqui? – perguntou ao primeiro visitante.
-Por que você está fazendo isso, seu doente? – bufou, segurando meu queixo. – Ele está morrendo! – exclamou, soltando meu queixo então. Balancei a cabeça, conturbado. – Se quer fazer uma boa oferenda e limpar seu nome no submundo, apenas o entregue ao Lorde! Não tem sentido mantê-lo morrendo aqui! – gritou, escandalizado.
-Você é muito novo pra entender isso. Vá embora. – pediu, seriamente. A calma irritante em sua voz.
-Você é doente. Eu sei o que quer fazer e isso é tão absurdo quanto doentio! – sua respiração descompassou e eu ouvi claramente uma mão atingindo em um tapa um rosto, apenas não sabia qual.
-Vá embora. – pediu uma última vez. Passos se aproximando de mim.
-Vai dopá-lo ainda mais pra conseguir o que quer? – ira em sua voz.
-Você é um pirralho. Vá embora; é a última vez que falo. – anunciou.
Senti outras mãos por minha face. Não eram quentes e despreocupadas como a outra, mas sim gélidas e de alguma forma me amedrontaram.
-Você já fez isso mais de uma vez? – ele perguntou. – Quero saber se é tão sujo ou o quê. – riu, debochado.
-Vá embora! – gritou.
Deixei de ouvir as vozes, os passos, tudo. Mais uma vez, fui desacordado.
Meus pulsos doíam mais que antes. Pareciam ter sido forçados, mas eu tinha mais consciência de mim. Acordei, de súbito, como de um pesadelo. Estranho, por sinal. Havia duas vozes, um lugar nojento e eu estava terrivelmente sedado.
Infelizmente não era um pesadelo.
Respirei fundo, engolindo em seco. Minha boca continuava com um gosto horrendo de vômito, meu corpo inteiro doía de cansaço, e eu sentia sangue escorrendo de meus pulsos. Meus pés estavam firmes no chão e meu quadril apoiado em uma parede rochosa, mas eu sentia como se meu corpo inteiro estivesse pendurado apenas por meus pulsos, e talvez ele até tivesse ficado assim por algum tempo.
Tomei coragem e respirei mais uma vez fundo antes de abrir meus olhos. Ainda estavam de certa forma pesados, mas era apenas de sono. Qualquer que seja a droga que haviam me dado, o efeito já havia passado. Abri os olhos com certa dificuldade, pois não sabia quantas horas ou dias eles haviam passado fechados. Nem ao menos sabia há quanto tempo estava lá.
Era um lugar absurdamente assustador. Um calabouço ou um porão, devia ser. Completamente escuro, a não ser por uma pequena janela de não mais que vinte centímetros de largura e altura, em um canto distante, que permitia que feixes de sol entrassem e iluminassem porcamente o lugar. Havia ratos por todos os lados, algumas baratas e muitas caveiras e esqueletos. Alguns jogados pelo chão como quem joga uma roupa para depois juntar, e outros estavam presos em algemas, na parede. Apenas uma porta, ao fim do quarto escuro. Fechada como que com um lacre. Porta dupla, com alças douradas e incrivelmente brilhantes.
O cheiro não poderia ser pior. Não sei se foi o psicológico de ver aqueles restos de cadáveres sendo devorados por ratos e baratas ou o que foi, mas comecei a perceber um cheiro de carniça realmente perturbador. Ainda tinha o cheiro de vômito e suor… Tudo aquilo misturado só trazia ao meu estômago ânsias ainda maiores, mas eu não ia vomitar uma outra vez.
Não conseguia lembrar de muita coisa. Lembrava quem eu era, e toda a vida que tivera até lá. Não sabia apenas como vim parar naquele lugar e onde ele era. Lembro somente que a Guerra havia começado verdadeiramente, e em um campo de batalha, Rony foi ferido e Hermione e Gina foram socorrê-lo, e eu decidi continuar duelando. E depois disso, tudo que tenho de lembranças fora da última vez que acordei, que nem sei quando foi. Talvez aquilo faça anos, meses, ou apenas algumas horas. Não tinha noção nenhuma de tempo daquele calabouço, e era absurdamente enlouquecedora a sensação de não saber o porquê de estar em um lugar como aquele. Dava muito medo e poucos recursos para agir.
Mas de qualquer maneira, francamente, como eu iria agir? Tudo que tinha era um corpo suado, sujo de sangue e poeira, uma roupa suja de sangue e uma memória falha bem em momentos que eu julgava mais importante. Ou talvez eu tivesse enlouquecendo e tudo isso fosse fruto da minha terrivelmente inexistente imaginação.
Queria imaginar uma razão para estar ali.
De repente ouvi passos corridos. Fechei os olhos rapidamente e descansei meu corpo tenso, tentando parecer desacordado. Com caveiras e esqueletos com poucos restos mortais naquela sala além de mim, então a visita provavelmente seria minha.
Ouvi as portas se abrindo, e rapidamente se fechando. O barulho de um molho de chaves e em seguida alguém trancando a porta se seguiu.
Meu senso de tempo não estava muito bom, mas eu acho que se passaram alguns minutos em que nenhum passo foi ouvido, e também nenhum som, além do coração de alguém batendo muito descompassado. É, de alguma forma eu conseguia ouvir isso… Ou era a maldita imaginação que nunca deu sinal de existir, querendo me surpreender bem agora.
Finalmente, a pessoa se moveu, à passos temerosos de mim.
-Merlin. – cuspiu a palavra, respirando fundo em seguida.
Reconheci a voz de imediato, e surpreendi-me profundamente em associá-la com a da noite anterior e ver que era a mesma que discutia com alguém mais velho justo sobre eu.
A voz era doce, era… Era agradável e desapontada. Parecia docemente preocupada… Soava como uma canção celta, mas tinha muito mais que isso. Veludo ou alguma coisa assim. Era… Era uma voz que não me era querida e nunca fora. Que por muitas vezes eu ouvira e simplesmente odiara a cada vez que soara em meus ouvidos. Era a voz de Draco Malfoy.
O susto foi grande em perceber quem era, e que provavelmente estava na mansão dos Malfoy. No porão da casa dos Malfoy. Aquilo me assustou de uma forma que perdi meu controle. Abri os olhos imediatamente, assustando-o também.
-Acordou? – ele ergueu uma sobrancelha.
Talvez o tempo tivesse passado mesmo. Não havia o visto durante toda a Guerra, nem do lado dos Comensais nem, obviamente, do lado da Ordem. Seu cabelo loiro-platinado caindo sob seus olhos azul-acinzentados, e seus cílios pretos com as pontas aloiradas… Incrivelmente grandes. Sua boca ligeiramente avermelhada com os lábios finos. Suspirei, crispando os lábios.
-O que estou fazendo aqui, Malfoy? – as palavras pausadas, o coração acelerado. Engoli em seco ao final, encarando os dois pedaços de oceano bem em minha frente.
-Está finalmente consciente, ou fingiu estar inconsciente durante todo aquele tempo? – estava sério, braços cruzados, olhar fixo no meu. Parecia ironicamente curioso.
Balancei a cabeça.
-Há quanto tempo estou aqui? – perguntei, não esperando realmente uma resposta. Ele não tinha porque me responder.
-Você estava inconsciente todo o tempo? – perguntou novamente, aparentemente ignorando minha pergunta.
Suspirei. Então era isso… Eu era o passaporte para um grande prêmio para os Malfoy. Entregariam-me a Voldemort e eu teria uma terrível morte. Entretanto, por algum motivo curioso, preferiam me manter no porão da casa deles, como um prisioneiro não-tão-precioso-assim – a julgar pelo meu estado.
E eu não sabia porque ele estava lá, à minha frente, sem me alfinetar, sem me chutar, me soquear e depositar em mim tudo o que sempre deve ter querido por seis anos em Hogwarts, antes de a Guerra começar, há dois anos.
Seu olhar era frio, como sempre, mas seu cenho não estava franzido em ódio ou seus lábios crispados em repugna. Apenas me observava, paciente, esperando por uma resposta que ele sabia que tinha boas chances de apenas não vir.
-Só lembro de ter acordado ontem. – informei, suspirando. – Aliás, não sei quando foi. Foi quando… Não sei. Eu estava meio…
-Sedado? – ele ergueu as sobrancelhas, completando minha frase. Assenti.
-Você estava aqui e… Seu pai também. – mordi o lábio, sentindo sangue em minha língua pelo lábio cortado, mas não contendo minha raiva por estar sendo mantido prisioneiro.
Apesar do ódio irracional, era tudo por Lucius. Por não ter ainda me entregado à Voldemort para que essa história tivesse algum fim. Ele estava prolongando as coisas. De alguma forma, o filho dele não queria isso. Sugeriu que me entregasse logo ao "Lorde". Não era uma coisa muito simpática e gentil, mas seria melhor que continuar naquele porão que, à propósito, eu nem sabia o motivo de ele estar ali. Simplesmente não consegui sentir raiva dele naquele momento por isso.
-Você falou pra ele me entregar à seu maldito Lorde. – cuspi as palavras, falando lentamente. Inclinei a cabeça para frente, o que fez meus pulsos arderem. Urrei de dor.
Seus olhos se cerraram, e pela primeira vez não me pareceu que foi de prazer, como na Escola, quando se dava bem em algo que eu me saía absurdamente mal. Parecia ligeiramente preocupado. Se meus pulsos não me passassem a impressão de logo serem desintegrados de meu corpo à cada mínimo movimento, balançaria a cabeça. Era ridícula essa idéia.
-Não tenho a chave de suas algemas. – disse apenas, suspirando brevemente em seguida.
Silêncio. Ficou me olhando, com os braços cruzados e os olhos fixos em meus pulsos. Talvez achasse que se olhasse bastante, pudessem sair lasers de seus olhos que derreteriam o ferro das algemas, ou sei lá. Simplesmente ficou lá, e eu o encarando, curioso.
-Por que está aqui, e por que não está prolongando minha dor? – franzi o cenho, tentando compreender.
Ele abriu a boca, mas nenhum som saiu. Talvez nem ele soubesse. Talvez ele apenas não quisesse saber… Ou talvez não tivesse coragem de dizer mesmo. Qualquer que fosse o motivo, ele não respondeu. Continuou aquele silêncio que de alguma forma era tão enlouquecedor que poderia ensurdecer, e então ele o quebrou drasticamente, com sua voz arrastada e sua vontade se manifestando de parecer calmo. Impiedosamente mal-ator.
-Ele abusou de você, não foi? – mordeu o lábio inferior, e então foi a hora que eu mais me assustei, desde que recobrei a consciência.
O mais assustador não era nem a pergunta absurda e horrível que ele havia me feito. Era o jeito que ele mordia o lábio inferior e apertava os braços contra o peito, engolindo o choro que teimava em tentar sair, e no como ele esbugalhava os olhos para que eles simplesmente não se embaçassem. Nunca imaginaria um Malfoy chorando; muito menos Draco.
-Ele insinuou isso muitas vezes. – rolou os olhos. – Mas – fez uma pausa, dando um passo para trás e me examinando. –, você está um lixo.
-Obrigado. – sorri falsamente.
-Não, é sério. – assentiu, sério. – Não sei se ele seria tão doentio assim. Você está sujo de tudo que pode imaginar. – balançou a cabeça. Senti as costas de sua mão esquerda tocando meu rosto novamente. Não me mexi, tanto por não ter vontade quanto por ter certeza que doeria deveras. – Tem sangue, suor e poeira por todo seu corpo. – vi seus olhos pousarem com zelo sob minhas bochechas, que sua mão acariciava absurdamente.
-Eu não tenho dores lá atrás. – forcei uma risada. Ele sorriu, balançando a cabeça. Tirou sua mão de meu rosto. – É o único lugar que não dói, por falar nisso. – fechei os olhos.
Mais um silêncio perturbador. Minha cabeça latejava de dor insuportável, mas ainda mais insuportável era o que passava dentro dela. Todas as malditas dúvidas sobre o que estava acontecendo comigo e se era mesmo real.
O motivo de Draco estar agindo daquela forma, eu poderia tentar deduzir. Talvez pena, ou desgosto de seu pai ser um maldito pedófilo doente. Sim, eu tinha dezoito anos, mas ainda assim, ele tinha idade para seu meu pai – e graças à Deus não era, mas Draco não tivera essa sorte.
Mas Lucius… Tão… Doente. Tinha que concordar com o garoto loiro à minha frente nisso, mas seria apenas um segredo dos muitos que eu teria. Nunca teria coragem de admitir à alguém que Lucius Malfoy tocou em mim, se tocou, e se eu sair vivo disto.
Ou talvez fosse só eu, beirando a loucura.
-Tenho que ir. – ele anunciou, se afastando de mim.
Deu-me as costas e antes que eu pudesse fazer alguma coisa, simplesmente desapareceu pela porta, trancando-a novamente, por fora, não sei o motivo.
-Obrigado. – suspirei, baixando os olhos para não ver o horror à minha frente.
ooooo
Draco's POV
Tranquei a porta rápido, falhando nas chaves. Guardei o molho no bolso de minhas vestes. Suspirei, apressando o passo para ir ao meu quarto.
Passava pelos quadros antigos, carpetes vermelhos e elfos domésticos, sem realmente olhá-los. Passava os olhos impacientemente por eles, nervoso. Finalmente cheguei em frente à porta de meu quarto. Respirei fundo e a abri. Sem pensar em nada ou olhar em volta, apenas me joguei na grande cama de casal com acolchoado verde. Agarrei o primeiro travesseiro dos muitos que vi, e afundei meu rosto nele, querendo mais que tudo não acreditar no que se passava por ali.
Era isso tudo ao mesmo tempo. Voldemort e seus desejos absurdos; seus caprichos que meu pai nunca negaria… É ele com seu próprio capricho absurdo. Será que ele tem alguma idéia do que o Lorde vai fazer com ele caso chegar a descobrir essa obsessão estúpida? Capricho idiota. Coisa de gente burra.
Eu não acreditava realmente que as coisas pudessem ficar um pouco pior. Eu tinha dezoito anos, meu pai tentava fazia dois me integrar aos Comensais, mas minha mãe ainda estava me ajudando nisso. Relutava, dizendo que eu era muito novo para ter uma marca daquelas no corpo. Ele contrapunha, dizendo que idade não interessava, mas mesmo assim acaba cedendo à ela, mas às vezes batia nela por tentar se meter.
E eu nunca tive tanto ódio de meu pai, sinceramente. Ele havia passado de todos os limites de coerência e sanidade. Não se tratava de mim, mas de Potter. Eu tenho ciente dentro de mim o quão meu rival por seis anos sempre foi uma pessoa detestável, e o quão ele realmente mereceria ser entregado ao Lorde para uma morte cruel.
Ou era o que eu achava, antes de vê-lo morrendo em meu porão, com meu pai insinuando freqüentemente que logo se aproveitaria de ter o Eleito jogado em nosso porão, algemado e incapaz de pedir ajuda. Depois de certas cenas que eu vi – como a da noite que ele veio para cá, e como meu pai parecia doente em tocá-lo –, eu comecei a concordar que ele não precisava de tanta tortura assim. Melhor seria entregá-lo ao Lorde de uma vez.
Com Potter sendo entregado ao Lorde, a Guerra acabaria, os Comensais seriam bem recompensados – principalmente minha família, já que fora meu pai quem capturara o garoto – e tudo ficaria bem para quem esteve do lado do Lorde durante a Guerra. Tudo ficaria bem, e esse pesadelo acabaria.
Mas não. Eu não tinha a sorte que aquele maldito Weasley amante de trouxas tivera, nem que a sangue-ruim tivera. Eu não tive a sorte de nascer em uma família amável e sem doenças. Sim, porque eu considerava minha família doente.
Talvez eu também fosse. Sou parte dela, meu sangue é Malfoy, de vinte gerações de sangue-puro. Só não consideraria chegar à esse absurdo ponto. Eu não acho que sequer tocaria em Potter. Tanto pelo asco, como obviamente pela sanidade que ainda não me abandonou.
Quanto à meu pai, e até mesmo minha mãe… Pena de minha mãe, por estar enlouquecendo e morrendo aos poucos de tristeza com meu pai dormindo na cama ao lado dela, e de meu pai só o desejo de uma morte dolorosa. Ele merecia. Só não digo que deveria ser ele no lugar de Potter, porque não estou bem certo de que ele não gostaria daquilo, doente como é.
Eu não estaria muito pronto para admitir aquilo enquanto eu me remexia na cama, suspirando e passando a mão pelos cabelos loiros – e lavados, coisa que Potter com toda certeza estava sentindo falta –, mas eu estava com pena de Potter. Não achava que alguém merecesse tudo isso, e por isso acabava por descer ao porão e ficar um tempo lá, tentando entender o que meu pai conseguiria com essa obsessão doente e estúpida.
Meu pai era um estúpido.
Suspirei uma segunda vez, desta vez mais demoradamente e sem emoção.
Não demorou muito, bateram na porta.
Ergui as sobrancelhas, em um grito perguntando quem era.
-Narcisa! – uma voz feminina chegou aos meus ouvidos, afobada.
Eu mordi o lábio, sentei-me na camas e pedi que entrasse.
A porta abriu rapidamente, ela entrou em meu quarto, e tão rápido quanto entrou, trancou a porta por dentro e se aproximou de mim.
Eu não a reconheceria nem como própria mãe se não tivesse visto-a ficando assim.
Os cabelos loiros presos em um rabo-de-cavalo baixo, feito às pressas, as vestes bruxas mal-passadas, as unhas sem esmalte algum, o colo sem jóias, o rosto sem maquiagem, olheiras fundas, olhos cansados e o rosto e braços nus marcados por machucados que o próprio marido havia feito. Onde fora parar toda a elegância e compostura? Não sei, talvez perto do bueiro por onde a dignidade fora parar.
-Draco – ela começou, com a voz nervosa. –, Bella apareceu na lareira há alguns minutos. – prensou os lábios, suspirando, sentando-se na cama comigo. Parecia nervosa, em pânico.
Como sempre estava, desde os últimos dois anos.
-O que ela disse? – Draco perguntou, tentando manter a calma.
A mulher meneou a cabeça nervosamente, e depois começou a brincar com os próprios dedos, da mesma forma nervosa e apreensiva. Suspirou. Doía ver minha mãe naquele estado.
-Ela… Ela acha que o Lorde pode estar desconfiando de algo que seu pai possa estar fazendo. – ela mordeu o lábio com força, reabrindo uma ferida. Eu desviei o olhar, não querendo mais vê-la. – Todos têm achado estranho seu pai não aparecer mais tanto nas reuniões, e sempre parecer contente, embora não estejamos muito bem na Guerra. – a voz dela começou a soar um pouco mais desesperada, conforme os movimentos com as mãos nas próprias começaram a se intensificar. – Todos sabem que Potter está desaparecido há algum tempo. Todos. – e começou a menear a cabeça nervosamente mais uma vez. – Eu tenho medo por seu pai. Se o Lorde descobre o castiga da pior forma possível.
-Seria uma boa idéia. – suspirei, ressentido. Narcisa meneou a cabeça mais uma vez, chorosa.
-Perdoe-o por essa idéia maluca com Potter, Draco. – ela pediu. – Seu pai… Seu pai… - e deu de ombros, rindo nervosamente, como se tentasse alguma desculpa para o que o outro estava fazendo, mas sem sucesso.
-Meu pai… é um canalha. Merece apodrecer. – girei os olhos, mas interrompi-a antes que ela voltasse à o defender. – Mas o que mais tia Bella disse?
-Oh, sim. – ela assentiu vivamente, recobrando a consciência do que em especial fora falar com o filho antes de Lucius chegar. – Ela perguntou se Lucius tem algo à esconder e falei que não. – assenti, achando sensato da parte dela. – Então ela me deu um sorriso e disse que então eu não teria nada a temer. Mandou um beijo para você e desejou que você logo esteja com ela, batalhando contra a Ordem. – e as pernas começaram a tremer de forma inquieta, fazendo-me suspirar.
Voltei-me para minha mãe, segurando o rosto dela entre minhas mãos. Ela não parou com os movimentos nervosos e em pânico, mas pela paz momentânea que os olhos azuis passaram para mim, pude ter certeza de que ela se sentia mais segura perto de mim.
Meus dedos deslizaram por sua bochecha, lamentando o que nossas vidas se tornara, e antes que eu pudesse ter alguma noção do que estava acontecendo, apenas senti as lágrimas quentes correrem por minha face, e me abracei nela.
Ela chorou, me apertando forte contra ela. Tão forte que machucava, mas não importava. Tínhamos um ao outro, e era por pouco tempo. Sabíamos disso, e esse era só mais um motivo para deixar o sobrenome de peso de lado e assumir apenas a identidade de ser Draco, em um momento de fraqueza que ninguém ficaria sabendo.
ooooo
Harry's POV
As horas, minutos ou dias – eu ainda não sabia – se estendiam mais lentas do que eu nunca vi passarem. Eu não conseguia dormir. Eu apenas prensava os lábios – só Deus sabe o quanto aquilo doía –, desejava que tudo aquilo não passasse de um pesadelo, e desviava os olhos das imagens terríveis que passavam por ali, torcia o nariz para os odores desagradáveis e nauseantes, e tentava raciocinar sem pensar em Malfoys, Weasleys, Grangers, entre outras famílias, dividindo-se umas em asco, outras em saudades.
Cheguei à conclusão que era pior estar acordado do que sedado, mas não queria sequer dormir. Obviamente eu não conseguiria nem mesmo se quisesse, mas não queria. Eu tinha medo de só acordar daqui à anos, e não lembrar de nada que se passou antes de eu ser confinado lá dentro.
Por outro lado, tinha o medo de enlouquecer. O medo de começar a ver coisas que não existiam, e o medo de aquele porão nem ser toda aquela situação horrorosa que eu via que era. Poderia ser só minha imaginação, e só Deus sabe o medo que eu tinha dessa hipótese.
Naquele momento, eu conhecia o que realmente era o tédio e o como aquilo era ruim. O tédio, se mesclando ao pavor de não saber o que acontecerá no próximo minuto – e se seu corpo agüentará o próximo minuto –, e o desespero de não saber do que aconteceu durante tanto tempo.
Certo, eu não sabia o que era pior: se estar sedado e desacordado, ou acordado e são.
Qualquer que fosse a forma, não adiantaria de nada eu ter uma preferência. Não era como se Lucius viesse me perguntar com delicadeza como eu preferia ser tratado.
Eu senti meu corpo inteiro tremer involuntariamente, e só então percebi que era o frio da noite se instalando. Bufei, pisquei com dificuldade, e voltei a baixar os olhos para o chão sujo abaixo de mim, com vômito, sangue e uma substância estranha lavando aquele chão que meus pés pisavam.
Senti ânsia, mas não havia o que vomitar. Eu poderia estar sem comer havia semanas, eu não sabia, mas tinha a certeza de que não havia nada dentro de meu estômago naquele exato momento.
Sendo assim, meu corpo inteiro inclinou para frente em uma tentativa segunda de vomitar, que foi falha, ganhando apenas uma sensação absurda de dor nos pulsos e nas costas.
Se o Malfoy mais novo estivesse ali, ao menos eu teria algum olhar para cruzar com o meu. Não que fosse bom, afinal transparecia no loiro que ele estava com pena de mim, e eu não achava que algum sentimento fosse mais humilhante, mas ao menos eu teria uma motivação à erguer a cabeça.
Não que isso fosse associado à ter esperanças. Eu não tinha esperanças.
Se tivesse, aliás, todas elas teriam se dissolvido no instante em que eu ouvi a porta rangendo, e fechei os olhos automaticamente, querendo ainda parecer sedado. Ouvi uma risada curta e desdenhosa de prazer, e tinha certeza que era Lucius.
Nota da Autora: Espero que gostem! ) Reviews, por favooooor! Gostando ou não, críticas, elogios, sugestões, pedidos de número de telefone... Estou aceitando qualquer coisa, heh. OBRIGADA! Abraço, TCK.
