(N/A): CUIDADO SPOILERS pra quem não leu até O Herege. Só uns rabiscos, galera, nada planejado. E sem beta, também. Se alguém quiser se voluntariar, estamos ai (: A ideia surgiu em uma noite enquanto eu lamentava a perda da Eleanor. E, por isso mesmo, o Thomas está um pouco mais sentimental que o original. Me incomodou muito o fato de que ele perdeu a Eleanor e nem tocou mais no assunto. Divirtam-se! :D
LEAVE ME OUT WITH THE WASTE
it'sthewrongtimeandplacetobethinkingofyou
Na primeira noite no chalé abandonado, Thomas não conseguiu dormir. Levantou-se da cama feita de palha e folhas e ficou observando a respiração ritmada de Genevieve, o amontoado de roupas que subia e descia a cada inalada de ar fresco. Era a primeira vez que ficavam sozinhos, realmente sozinhos, desde que haviam se conhecido nas masmorras do castelo de Castillon D'Arbizon. Permitiu-se um sorriso torto quando se lembrou da hostilidade com que ela o recebera, mas o sorriso morreu logo ao se recordar das cicatrizes que ela tentara esconder. Abaixou os olhos e encarou os próprios braços, marcados a fogo, que acabavam nas pontas tortas dos dedos torturados. Não deveria lembrar-se daquilo agora, já fizera as pazes com aquele pedaço de seu passado.
Saiu, então, para a noite úmida que prenunciava uma tempestade, com os ouvidos atentos de quem havia se acostumado a buscar um inimigo em cada sombra. Não encontrou pontas de flechas ou fios de espada, porém. Mas uma luz, fraca, distante, que parecia tremeluzir ao sabor do vento. Lembrou-se da visão que tivera do Graal dois verões atrás, quando da mesma maneira tornara-se um fugitivo ao lado de Jeanette. Então, movido pela tênue ilusão de que o Graal estivesse se apresentando ao mais jovem Vexille que retornara a Astarac, ele caminhou. Durante o que pareceram anos, ele moveu um pé após o outro sem ter muita certeza do que fazia, mas o que encontrou no final da trilha não era o Graal, tampouco algo que lhe oferecesse paz.
"Eleanor".
Não era uma pergunta. Aliás, de alguma forma, parecia muito natural que ela estivesse ali, esperando por ele. Por um segundo, Thomas se perguntou se havia morrido e Eleanor estava ali para buscá-lo. Mas então lembrou que a noite anterior estivera calma e, além do mais, ele era um herege, banido dos locais sagrados da cristandade. Quando morresse, certamente não encontraria rostos amigáveis em seu caminho para o inferno.
"Thomas", ela respondeu, e então abriu o sorriso mais lindo que Thomas já havia visto. Subitamente ele percebeu o quanto havia esquecido sobre Eleanor. Seu sorriso, sua voz, o jeito benevolente com que ela olhava para ele, como se o arqueiro fosse uma criança mimada que se recusasse a aprender uma importante lição. Percebeu que se esquecera do quanto a amava e de que esperavam um filho juntos, quando ela fora cruelmente arrancada de sua vida. Sem que notasse, seus olhos marejaram.
"Vocêestáaqui", foi tudo o que ele conseguiu dizer. Queria acrescentar quandonãodeveria, mas não teve coragem. Sabia que não deveria estar vendo fantasmas, mas se fosse honesto consigo mesmo admitiria que era bom rever Eleanor. E ele estava precisando ser honesto, para variar.
"Não exatamente", ela respondeu, ainda com o ar divertido de quem não tem mais relação com os problemas desse mundo. "Ma é complicado explicar. Nós precisamos conversar".
Sem esperar que Thomas se manifestasse, ela se adiantou e o tomou pela mão, guiando-o até um amontoado de rochas próximo ao rio. O arqueiro deixou-se levar, experimentando pela primeira vez a sensação de não ter que tomar decisões. Passara os últimos meses tão preocupado com a guarnição, com os inimigos, com o primo e com Robbie que nem percebera o quanto aquilo vinha pesando sobre seus ombros. Por um segundo, permitiu-se apenas relembrar o quão suave era o toque da mão de Eleanor e só acordou de seu transe quando sentaram-se sobre uma das rochas.
"Estou indo para Astarac", ele começou, a guisa de explicação. Não sabia se Eleanor era realmente um fantasma ou só uma alucinação produzida por sua consciência culpada. De qualquer maneira, não tinha certeza do quanto ela sabia sobre sua jornada.
"Eu sei", ela esclareceu, como que adivinhando seus pensamentos. "Estive do seu lado o tempo todo"
Ele sentiu o coração apertar.
"Como?"
"Nas suas lembranças, embora eu deva dizer que você andou me esquecendo um pouco", ela franziu o cenho, mas não parecia aborrecida. Ainda ostentava o ar divertido de uma criança arteira.
"Desculpe"
"Eu entendo. É mais fácil assim"
"Eu não queria..."
"Não precisa se explicar, Thomas. De verdade"
Ela estendeu a mão e acariciou as feições duras do homem que amava, deixando que cada fio de barba arranhasse a ponta dos seus dedos, e então sorriu.
"Eu te amo"
"Eu sei"
"Eu não queria que você tivesse que ir, eu juro, se eu soubesse que meu..."
"Thomas, eu não vim aqui para ouvir você se desculpar"
"Mas eu sinto muito!" as lágrimas dele corriam mais profusamente agora, mas ele estava determinado a ignorá-las. Chorara em silêncio na igreja, quando soubera da morte de Eleanor e do padre Hobbe, manteria o mesmo silêncio agora. "Eu jamais deveria ter te deixado ir sozinha, ou ter ido para uma luta que não era a minha"
"Todas as lutas são suas, Thomas", ela o interrompeu. "Porque você é um guerreiro. Por isso eu o amei, desde o momento em que o vi a beira da morte, pendurado em uma árvore"
Ela riu, mas ele não pareceu achar graça.
"Você salvou minha vida e eu a deixei morrer"
"Você me salvou primeiro, lembra-se?", ela sacudiu a cabeça. "E eu não fiquei porque não era para ser assim, Thomas, não foi culpa sua"
"Deus é cruel", ele retrucou, seco.
"Deus é sábio", ela respondeu, ternamente. "E você é o filho preferido dele"
"Não sou filho de Deus", a voz dele saia mais amarga do que gostaria. "Fui excomungado"
"As palavras de um homem não mudam o que nós somos perante Deus, Thomas", ela sorriu e moveu a cabeça na direção do chalé. "Você deveria dar mais ouvidos a sua amiga"
Sem saber o motivo, Thomas sentiu-se envergonhado. Talvez por Eleanor saber o que ele sentia por Genevieve. Talvez por achar que ela se entristeceria por ele ter encontrado uma substituta tão rapidamente. Quis dizer que ela não preenchia o vazio que Eleanor deixara em seu coração, que era diferente, a amava de maneira diferente, mas não soube quais palavras usar. Parecia errado tentar se explicar.
"Você a ama", ela atestou, simplesmente. "E ela é boa para você. Eu fico feliz"
"Me desculpe"
Ela fechou a expressão pela primeira vez.
"Você se desculpa por erros que não comete. Faz promessas que não pode cumprir. Busca coisas em que não acredita. Teme um Deus que não o ama", ela pareceu pensar por um momento. "Você é um homem estranho, Thomas"
"Sou um homem", ele esclareceu. "Não sou divino"
"E ainda assim, foi criado à imagem e semelhança de Deus", ela voltou a sorrir. "Você deveria se valorizar mais. Você é um homem sábio, Thomas, mas não consegue compreender sua própria sabedoria"
"Meu pai gastava sua sabedoria com as gaivotas na praia. Talvez eu deva ser tão sábio quanto ele"
Desta vez os dois riram.
"Na maioria das vezes, as coisas mais valiosas são as mais simples. Não se esqueça disso durante a sua busca"
"Eu busco um conto de fadas"
"É o valor que você dá ao objetivo que faz com que a busca tenha sentido. Sua busca é santa"
"E sangrenta"
"Isso acontece. Não se culpe por coisas que você não tem o poder de evitar"
"Eu te amo", ele repetiu, mas não sabia dizer se já havia dito aquilo antes.
"Eu também te amo, meu amor", ela respondeu e, sem que planejassem, os olhares de ambos caíram sobre o colo de Eleanor. "Nós te amamos"
Thomas sentiu o coração apertar ainda mais e se perguntou se aquela dor não seria pior do que a infligida por De Taillebourg. Deixou que sua mente vagasse pelo sonho que sempre tivera, seu grupo de arqueiros viajando por terras distantes, sendo pagos para fazer o que faziam de melhor. Então imaginou um grande castelo, por que não o feudo de D'Evecque, e ele e Eleanor juntos, em paz, ensinando um garotinho a andar a cavalo e a manejar um arco. Ou uma menina a coser e compreender as fases da lua. Uma família.
"Você precisa ir", Eleanor o interrompeu. "O dia já vai amanhecer e você precisa descansar. Sua jornada é longa"
"Não quero que você vá embora", ele admitiu, com algum esforço.
"Eu não irei", ela sorriu e pousou a mão no peito largo de Thomas. "Vou estar bem aqui, sempre que você precisar"
Eles não disseram mais nada. Por um minuto inteiro, olharam-se no fundo dos olhos e Thomas entendeu que não havia nada para ser dito. Aquela fora a mulher da sua vida, que o moldara para os desafios que estavam por vir, que o ensinara a ser bom e correto, mesmo que isso fosse um bocado difícil no tempo em que viviam. E agora ela se fora. Mas a presença de Eleanor o acalmava de tal forma que ele não sentia ódio por seu primo, ou pelo padre que o torturara, simplesmente não havia espaço.
Ela se levantou e o tomou pelas mãos novamente, mas deixou que ele continuasse sozinho depois de alguns passos. Assim que ele se virou para encará-la, Eleanor sorriu.
"Vá com Deus, meu Thomas. Encontre o que você está buscando e, se não conseguir trazer paz para o mundo, pelo menos consiga um pouco para você"
Ele concordou silenciosamente com a cabeça, limpou as lágrimas já secas com o antebraço e continuou caminhando. Não deu dois passos, porem, e arriscou uma espiada por cima do ombro. Eleanor – ou fosse o que fosse aquela aparição – não estava mais lá. Ele sorriu e voltou a trilhar seu caminho de volta para o chalé.
Certezas eram escassas em sua vida. Não sabia se estariam vivos até a próxima noite, ou se teria de queimar Genevieve, ou se o Graal existia e estava em Astarac. Não sabia se teria forças para lutar contra seu primo quando chegasse a hora ou se Deus realmente ainda estava com ele. Mas, dentre tantas dúvidas, de uma coisa ele tinha certeza. Eleanor podia não estar fisicamente a seu lado, mas ele jamais estaria sozinho.
