Capítulo 1: Palavras

"Do outro lado da sala, Harry viu Tonks cair na subida dos degraus, seu corpo inerte rolou de degrau em degrau e Belatriz, triunfante, voltar correndo para a briga."

HP e a Ordem da Fênix, página 650.

Admitiram a inutilidade do gesto nobre, a procura não valia a pena. Snape denominava aquilo fraqueza, Moody, crescimento espiritual, Kingsley, um sofrimento desnecessário. Ninguém chegava a um julgamento comum, porém sabiam a atitude certa: esperar.

Monstro fingia não ouvir a bagunça, resmungava coisas incompreensíveis e capazes de tirar Molly do sério. Aliás, quando ela voltou para a sede, quis de todo o jeito descobrir o motivo para os murmúrios indignados do elfo.

O seguiu por uma noite, surpreendeu-se com o lugar visto. Cadeiras quebradas, fadas mordentes estilhaçadas, papéis amassados e queimados por todo o chão, porta arrombada. Fora ali seu abrigo, certamente. E agora saíra... para onde? No estado atual, poderia fazer outra besteira, e ela temia muito por isso.

- Molly, qual o problema?

- Ele acabou com o porão, mas não está aqui! E se tentar...

- Não. Ele nunca faria isso.

- Também achei que não faria e escreveria tantas palavras de agonia e desespero.

Ela estendeu alguns dos papéis amassados para Kingsley. Sua primeira reação foi suspirar de decepção.

- Tenho um palpite sobre onde ele se refugiou. Mas não se preocupe mais com isso, ok?

- Sinceramente, só ficarei tranqüila quando vê-lo... está a quatro dias sem comer!

- Depois não sabe porque a chamamos de mãe da sede!

- Apenas não quero mortes por aqui. Já tivemos uma tão dolorosa, para quê mais uma?

Compreensivo, o homem abraçou carinhosamente Molly e aparatou. Seria fácil.

hr

A recepcionista quase o barrou, e somente naquele momento pensou em como sua aparência estaria.

- Desculpe-me, mas eu realmente preciso...

- Tem certeza que não é você o doente?

- Absoluta.

- Mas devia pedir ajuda a algum curandeiro.

- Depois eu prometo que vejo isso, por favor me diga onde é o quarto. – suplicou.

- Pode deixá-lo subir, eu fico de olho.

Um homem de cabelos castanhos claros e olhos muito escuros chegou serenamente à recepção. Lupin não conseguiu reconhecê-lo.

- É a sua conta que está em risco, sr. Bell.

- Eu sei, Morgan.

- Pode ir com ele. Mas saiba que se ela acordar, levará um susto.

- Deixe-o em paz... ele não tem culpa do seu novo turno. – riu-se.

Morgan resmungou algo e virou a cara para eles. O homem, risonho, pediu que Lupin o acompanhasse.

- Já nos conhecemos?

- Sim, mas você certamente não se lembra de mim.

- Pelo sobrenome tenho uma vaga recordação...

- Katcher Bell. Primo de segundo grau de Katie Bell, que ainda estuda em Hogwarts. Não me conformei quando me contaram que o senhor saiu de lá, era um ótimo professor.

- Pois é, não tive opção. Mas fico satisfeito em ver onde está, queria tanto, não é?

- Realmente, ser curandeiro era o meu sonho. Ainda sou estagiário, por isso Morgan pegou no meu pé. Mas confio nas suas intenções, professor.

- Pode me chamar de Lupin, não tem problema. – sorriu ele, pela primeira vez.

- Não quer que eu cuide do senhor... você, antes?

- Estou tão medonho assim?

O rapaz conjurou um espelho, Lupin calou-se ao se ver.

- Não vou perguntar o motivo de estar assim. Porém, queria pelo menos fechar alguns ferimentos... tudo bem?

- Tudo bem, Katcher. Faça o que achar necessário para ninguém mais gritar quando me ver. – ironizou.

- Vamos para aquele quarto ali...

Sua revolta espelhou-se no corpo. Não era época de lua cheia, entretanto parecia que a enfrentara. Depois de uma hora, Katcher o deixou ficar vinte minutos na visita fora de horário. Com as roupas puídas e alguns curativos novos, passou a mão pelos cabelos a fim de deixá-los aceitáveis. Nada difícil encontrá-la, outra bruxa poderia ter aquela jovialidade expressa nos fios propositalmente cor-de-rosa?

O coração respondeu ao seu encantamento com uma aceleração imediata. Caminhou devagar até ela, não tinha pressa. Dormia pesadamente, aparentava cansaço. Sentou-se e acariciou aquelas mãos delicadas que faziam tantas coisas caírem à toa... levou-as até seu rosto ferido e com a barba por fazer, queria sentir o calor dela sem dizer nada. Fechou os olhos, viu-se beijando de leve as costas da mão direita de Tonks.

Despertou do transe ao ouvir uma voz. Com medo da reação dela ao vê-lo ali, daquele jeito, soltou-a e observou-a assustado. Para seu alívio, apenas murmurava dormindo.

- Eu... não... sozinha... quero ouvir... não... não me quer...

- Tonks? – sussurrou.

- Amo... amo muito...

- Ama muito o quê? – perguntou, na esperança de saber o que tanto a inquietava.

- Sirius... me ajude... amor... preciso... de você...

Ele não quis terminar de ouvir os murmúrios dela. Correu em direção à porta com os olhos marejados... e a alma carregada de ódio. Lembrou-se de uma das últimas conversas com Sirius:

"- É lógico que ela sente a mesma coisa. Nenhuma mulher faria tanto esforço para te animar depois daqueles dias a troco de nada!

- Ela é muito jovem...

- Espera aí, você tá me chamando de velho? – resmungou Sirius.

- Não, é que eu estou bem acabado comparado a ela. E também, nunca tive muita sorte com amor, você sabe bem.

- Porque queria garotas difíceis e sérias. Acabou se metendo em várias roubadas por causa das safadas também... mas é passado. Tonks é o que você precisa, e nada vai dar errado se não começar com esse pessimismo!

- Realismo, você quer dizer. Olha pra ela! Linda, inteligente, alegre... mesmo com os problemas que nós temos, acha sentido pra viver bem consigo...

- Taí uma coisa que ela tem de nos ensinar, Aluado. Mas nem me olhe com essa cara, ela é todinha sua.

- O que tanto conversava com ela ontem?

- Nada em especial, dr. Ciúme.

- Por que eu acho que você sabe de alguma coisa e está com os olhos muito brilhantes estes dias?

- Porque acha coisas demais onde não tem. Vai querer ajuda pra fazer alguma surpresinha? Posso atrai-la até seu quarto...

- Deixe de ser engraçado. Quando eu achar que devo, falo com ela.

- Então acho melhor começar a pensar num plano eficiente paa você desencalhar com estilo, meu amigo... seu desânimo vai desaparecer rapidinho.

- O que uma mulher como ela veria em mim, seu maluco?

- Não sou mulher pra te dar orientação. – respondeu, divertido."

Lupin achava-se burro por fustigar-se pela morte do amigo tanto tempo, para saber depois que ele relacionava-se escondido com a mulher que ele amava! Como pôde? Sabendo de todos os seus sentimentos e traindo sua confiança? Não, aquilo era absurdo demais. Tonks estava sonhando, perdida em pensamentos confusos... foi um engano. Tinha de ser.

Voltou para junto dela, e para seu desgosto, ela parecia sorrir agarrada ao travesseiro. Desejava ardentemente que tudo fosse um delírio.

Katcher apontou na porta. Lupin virou-se de novo para Tonks, cheio de dúvidas. Mas o semi-sorriso dela tinha aquele ar maroto conhecido... que conseguiu confortá-lo.

Carinhos... quem os fazia tão bem? Não importava, eram mágicos e o deixavam leve. Por uma fração de segundo, pensou que fosse Tonks. Decepcionou-se quando viu Molly sorrindo para ele, no quarto onde costumava dividir com Sirius.

- Melhor?

- Um pouco.

- Não se preocupe, ninguém está desapontado com você.

- Mas eu me envergonho pela minha atitude. Fui fraco, Molly. Agora quero ajudar no que for necessário...

- Dumbledore ordenou que voltasse quando se sentisse pronto.

- Estou vivo, e isto basta. Não quero ficar mofando aqui, sou útil à vocês.

- Mas só conto o que está acontecendo se descer e comer alguma coisa.

Ele sorriu, encabulado pela preocupação dela. Ao chegar na cozinha, olhou para as banquinhos onde Sirius e ele ficavam para falar mal de Snape ou esconder coisas de Harry, Rony, Hermione, Gina e os gêmeos. Diante da dor sentida, sentou-se de costas para aquele canto.

Molly o vigiou até ele acabar com toda a comida. Não que estivesse morto de fome, porém conscientizava-se de sua necessidade. A contra-gosto, ela entregou-lhe um bilhete de Moody:

"Sei que você vai se recuperar logo, e quando acordar e suportar as manias da mãe da sede, vá até o Ministério certificar-se de que o Malfoy está bem preso, fale com Kingsley e descubra um modo de ajudá-lo com a captura de Comensais. Enfim, use esta varinha e esta cabeça pra não ter idéias suicidas tão novo. Dumbledore ainda quer falar com você depois de amanhã sobre alguns assuntos que lhe dizem respeito."

Agradeceu-a e partiu com urgência, precisava ocupar a mente. Fudge andava pelos corredores quase arrancando os cabelos, olhava Lupin com espanto, e ele nem precisava pensar nos motivos. Quando chegou em Kingsley, ele o mirou risonho.

- Como você está?

- Vivo!

- Também, depois de ontem...

- O que você quer dizer com isso? – já sentia o rosto corar.

- Eu falei para Katcher que talvez você aparecesse por lá. E não errei, certo? Ah, Lupin! Que é isso, a coisa mais normal deste mundo é a gente se apaixonar! Você e a Tonks fazem um casal legal... e está na cara que se gostam, todo mundo comenta. – riu.

- Ela não gosta. – pensou que explodiria se não desabafasse.

- Ei, que auto-estima é essa? Sabe o que ela disse hoje de manhã?

- Que precisa da ajuda do Sirius, o seu grande amor? Isso eu já sei, você não precisa contar.

- Nunca ouvi isso dela. Aliás, nem falei que... – olhou para os lados, não queria que prestassem atenção – ele morreu.

- É bom poupá-la. Se souber disso, é capaz de piorar, sabe como são os amores de uma adolescente...

- Tonks não é uma adolescente, Lupin.

- Não mesmo, desculpe. Para ter um caso com Sirius e querer esconder, é uma mulher muito...

- Se eu tinha alguma dúvida de que você gostava dela, isso acabou agora. Ora, faça-me o favor! De onde você tirou esta idéia?

- Ela falou dormindo. Não sou surdo! – depois de perceber que muitos notaram seu estado alterado, emendou – Bem, vai me dizer como ajudá-lo ou não?

- Vou, porque estamos com um caso peculiar aqui, mas esta conversa não acabou. Vamos visitar Tonks amanhã, ela perguntou por você.

- Dane-se. – disse, de modo agressivo e impulsivo.

Kingsley reteu um pouco de raiva daqueles comentários maldosos. Tonks nunca mencionou sentir algo a mais por Lupin, entretanto o jeito dela se referir a ele era comprometedor demais, a começar pelo o que ele não contou que aconteceu naquela manhã:

- Oi, dorminhoca...

- Estou tão cansada!

- Imagino.

- Mataram aquela imbecil da Bellatrix Lestrange? Desgraçada...

- Não, infelizmente.

- Mas ao menos Sirius fez alguma coisa, né?

- Vamos mudar de assunto? – ele não queria contar.

- Se você faz tanta questão... e houve mortes?

- Não. – ele baixou os olhos.

- Você está me escondendo algo... – ela encostou-se ao travesseiro e sentou-se agoniada – Lupin está bem? Quer dizer, os garotos se machucaram muito?

- Os garotos estão todos bem, e Lupin também. – o tom irônico a incomodou.

- Pare de fazer graça! Foi só uma pergunta!

- Eu sei, Nymphadora.

- Não me chame assim... quando vou sair daqui?

- Até poder sustentar-se de pé, ao menos.

- Vai me visitar todos os dias ou mofarei aqui totalmente alienada? E tem mais: quero saber de tudo o que aconteceu naquele dia... aliás, quantos dias eu durmi? – ela falou tão rápido, que se cansou demais.

- Acho melhor você ficar quieta e alienada, menina.

Ele a colocou deitada na cama, e satisfez-se com a pergunta dela:

- Você veio aqui ontem?

- À tarde, por quê?

- Andou bebendo e beijou a minha mão, Kingsley?

- Nem toquei em você! Estou aqui em missão de paz, ok? Assim você até me ofende.

- Não, não foi a intenção! – ela, ao tentar puxá-lo para perto e se desculpar, o fez tropeçar – Eu sou muito desastrada mesmo!

- Tudo bem, esquece. Tenho muito trabalho, mas prometo voltar qualquer hora dessas. Terá outras visitas, pode esperar.

Tonks o olhou um pouco brava, e ele sabia a resposta querida:

- Lupin não estava na sede ontem à noite. – e piscou.

Gostaria de animar o lobisomem com a notícia, era evidente que ele amava a desastrada... e um namoro aliviaria o clima pesado que ficou entre todos da Ordem.

Portanto, a reação do homem, aparentemente tão bondoso, o surpreendeu. Porém, não se intrometeria mais naquele assunto: o suposto casal teria de resolver suas diferenças e dúvidas sozinhos. Com um empurrão, claro... eles não ficariam sós por vontade própria.