Capítulo I – Curiosidade
Ele não tem absolutamente nenhuma qualidade que eu admiro em um homem. Nenhuma. Zero. Então qual seria a explicação para meus olhos, que teimam em segui-lo aonde quer que vá? Ele era a personificação de um covarde. Deveria ter uma foto de Draco Malfoy ao lado da palavra covarde no dicionário. Nos testes do Semanário das Bruxas, sobre como seria meu par perfeito, sempre respondia: corajoso, firme, bom, altruísta, respeitador, desapegado a coisas materiais e etc. Merda. Eu nem tomo nenhum tipo de medicação. Então por que certas loucuras ocorrem-me às vezes?
Eu ajo como se não soubesse da história pregressa desse homem. Eu não ouvi dezenas, senão centenas de vezes, como ele fugiu e omitiu-se durante a Guerra? Bem, pode-se dizer em seu favor que ele não era nenhum Comensal convicto, e chegava a aparentar estar repugnado com os acontecimentos ao seu redor. Mas sempre lembro de Harry parafraseando Sirius: "O mundo não é dividido em pessoas boas e Comensais da Morte". Talvez Malfoy estivesse no centro (mesmo carregando a marca negra), entre os dois extremos, ainda que as circunstâncias tivessem-no levado para a segunda opção. Eu não consigo ver maldade nele. Vejo imaturidade, carência, excesso de mimo, falta de uns tapas e, principalmente, vejo alguém que necessita desesperadamente de um rumo. Ainda mais que seu referencial há muito virou fumaça, assim como a dignidade e o respeito pelos nomes dos que o seguiam. Tenho ao meu lado o homem mais corajoso do mundo bruxo, sem sombra de dúvida, sem direito à contestação. E ele me quer, a mim e a mais ninguém. É o sonho de qualquer bruxa, seria o maior desejo da maioria delas. E é a minha realidade. Mas atrai-me um bruxo medíocre. Amo Harry de todo meu coração, mas sinto um tipo de curiosidade estranha acerca de Malfoy. Como se ele fosse algo a ser descoberto, estudado, desvendado e depois... Bom, eu não saberia dizer precisamente o que espero que aconteça, ou o que quero que aconteça. De qualquer forma, a idéia de vir neste restaurante não foi boa desde o início. Tinha a sensação de que algo não estava certo. Mas como poderia adivinhar que ele estaria no mesmo restaurante, a apenas algumas mesas de distância? Bem, o pensamento convergir para Draco Malfoy no meio do almoço é que não estava certo.
- Então, me contrataram como assassino de aluguel para acabar com você e com toda a sua família...
-Que bom, Harry! – Ao virar-se e mirar o semblante de seu marido, soube imediatamente que essa não era a resposta que ele esperava. Mas o que ele tinha falado? - Desculpe. Estava pensando nas críticas que recebi por causa daquele artigo.
- Sei... O fatídico! Achei que você já tinha superado. – Harry tinha uma expressão compreensiva no rosto. Há uma semana que Gina recebia cartas todos os dias a respeito do artigo onde criticava abertamente a direção do Harpias de Holyhead, time em que jogou enquanto ainda estava na ativa. Chamavam-na de traidora, vendida, estúpida. Isso citando apenas os adjetivos publicáveis. Era bem verdade que vinham diminuindo dia a dia tais correspondências, mas o assunto ainda fazia seu estômago ferver de raiva. Porém, hoje sua menção veio a calhar, pois desviou a atenção de Gina do assunto número dois, que também fazia seu estômago revirar, mas de culpa. Voltando os olhos para o assunto número dois, sentado a algumas mesas adiante, notou que ele e sua esposa levantavam-se para sair. Harry virou a cabeça para ver o que tinha distraído Gina mais uma vez e notou a presença de seu antigo inimigo. Malfoy, sentindo a atenção voltada para ele, inclinou a cabeça em saudação e, recebendo a mesma resposta do casal, saiu. O silêncio reinou durante alguns segundos constrangedores na mesa dos Potter. Harry olhava Gina com tranqüilidade, incapaz de saber o quanto a língua dela coçava de vontade de perguntar. Bufou e tamborilou os dedos na mesa coberta com uma toalha xadrez.
- Certo, Gina, pergunta de uma vez. – Droga, ela odiava ser tão previsível. Estreitou os olhos para o marido e logo após os revirou.
- Está bem, seu chato, metido a legilimente! – Harry continuou com a mesma expressão calma e sorriu.
- Você sabe muito bem que esse definitivamente não é um dos meus fortes. – Ele rebateu, Gina riu e soltou a respiração. - Você não acha que há qualquer coisa de estranho nesse Malfoy? – Agora foi a vez de Harry revirar os olhos.
- Sabia que essa pergunta me faz pensar que você é meio obcecada por esse assunto? – Harry encarou-a, sério. Contudo, não demorou a começar a tremer os cantos da boca, o que então tornou-se uma sonora gargalhada. Gina, que estava com os olhos arregalados, começou a rir também, mas de nervoso. – Eu devia ter tirado uma foto da sua cara de ultraje. – Mais uma risada, mas vendo que a esposa não tinha achado a mesma graça, parou de rir com algum esforço. – Deixe de ser desconfiada, meu amor. Não há nada de estranho, como já lhe disse uma dúzia de vezes. E mesmo se houvesse, a nós não interessa em nada. – Harry então, olhando para o relógio, acabou de tomar seu suco. Depois de comentar que o dia seria cheio, chamou o garçom pedindo a conta. Estavam ambos com a hora do almoço quase no fim.
Gina sentou-se em sua escrivaninha e pousou a cabeça nas mãos. Sua mesa estava organizadíssima como sempre. Tudo tinha seu lugar certo e ela sempre sabia se alguém havia mexido nela. Na redação do Profeta Diário só havia salas para editores e chefes de departamento. Os jornalistas, como Gina, ficavam acomodados em escrivaninhas próprias em uma sala comum a todos. Olhou ao redor e tentou prestar atenção nos colegas que andavam, ditavam para suas penas de repetição rápida ou conversavam em grupos. Nenhum deles estava parado como ela. Franziu a testa em sinal de preocupação. Harry já havia notado seu interesse incomum em Malfoy, mesmo achando que ela tinha desconfiança ao invés de interesse, mas ainda era ruim para ela que fosse tão visível. Talvez ele estivesse com razão, estava meio obcecada com o assunto. Talvez agora que seus filhos todos tinham ido para Hogwarts e que tinha mais tempo livre, sua cabeça estivesse procurando com o que se ocupar. É certo que podia ter escolhido um assunto menos... hã... polêmico, mas não era assim que as coisas funcionavam. Não era algo que ela tivesse controle. Abriu uma gaveta para ver se achava algo com que distrair os pensamentos. Nada. Tentou organizar sua mesa. Mas não havia nada para organizar. Remexeu-se, inquieta e resolveu levantar. Arejar as idéias no terraço do prédio. Pegou em sua bolsa um cigarro e seu isqueiro. Tinha adquirido o hábito de fumar no ano em que ficou em Hogwarts sem o trio. O nervosismo (e a influêcia de Neville) levaram-na a isso. Desde lá não conseguira parar. Subiu pela escada para não chamar atenção. O tempo todo imaginando como poderia arrancar essa curiosidade sobre Malfoy de sua cabeça. Chegou ao terraço e acendeu o cigarro. Harry odiava que ela fumasse e sempre a xingava quando sentia algum cheiro nela, mas ela simplesmente parou de fumar perto dele e passou a andar com balas e perfumes na bolsa para disfarçar. Obviamente ele sabia que ela continuava com o vício, mas fingia o contrário, para sua extrema satisfação.
A fumaça que saia lentamente da ponta de seu cigarro acalmava-a. Jogou a bagana fora e sentiu-se melhor. Seu fluxo de pensamentos desviou para Harry e isso era bom. Quase não via Malfoy, mas o simples fato de sua presença flutuar entre os pensamentos de Gina afligiam-na. A solução então apresentou-se. Faria de tudo para evitar vê-lo.
