Tudo começou da forma mais perfeita que se podia imaginar. Vindo de uma família nobre, de um clã extremamente nobre, de linhagem pura, não imaginava que minha vida mudaria de uma forma tão radical e drástica. Quando tinha apenas seis anos, meu pai abdicou-se dos privilégios e do título de um Dragão Celestial, perdendo assim o estatuto de um Nobre Mundial.

Os Dragões Celestiais eram arrogantes e superiores, achavam-se maiores que qualquer classe social que existisse. Era como se fossem deuses. Deuses que escravizavam humanos. Meu pai abandonou Mariejois, que era o país deles, para fugir daquela vida cheia de perturbações disfarçadas de alegrias. Modesto idealista, ele abandonou tudo a fim de viver uma vida normal entre os plebeus. Preferiu abandonar toda sua origem, os antepassados, que seguir vivendo uma vida tão pecaminosa. Revoltados com a atitude de meu velho e bom pai, renegaram-nos, jurando nunca mais reconhecer-nos como parte da pura linhagem dos Dragões Celestiais.

Depois eles se mudaram para um país do norte cujo nome não me lembro direito. Vivemos pouco tempo. A família Donquixote já não era mais dos Nobres Mundiais. Mas todo aquele povo que sofreu nas mãos de outros Dragões Celestiais descobriu nosso passado e se revoltaram. Os cidadãos enfurecidos incendiaram a mansão em que vivíamos e fomos forçados a fugir. Encontramos uma cabana degradada em um ferro-velho, que foi a nossa temporária moradia. Vivíamos em situação de pobreza tão grande e, ao mesmo tempo, sofremos perseguição. Minha doce e pobre mãe acabou morrendo devido à fraqueza em que s encontrava e tudo que me restou foi chorar em seu leito de morte. Mal sepultamos o corpo dela, e os três restantes da família foram finalmente capturados e torturados. Uma de minhas piores dores. Nunca vi tanto terror e pânico em minha vida! Escapamos com vida, pois nos deixaram vivos para sofrer ainda mais, incluindo o desprezo e a discriminação. Tudo que meus antepassados fizeram para com aquele povo. E as tragédias não pararam por aí. Dois anos mais tarde, meu irmão começou a andar com gangues e, sendo induzido por estes, matou meu pai. Tive que fugir, ou ele também me mataria.

Eu amava muito meus pais como também ao irmão mais velho, porém sempre tive uma certa dúvida a respeito das origens deste; como uma criatura daquelas poderia vir de tais pessoas tão generosas e altruísta? Mas acredito que tenha sido as más influências que havia recebido. Vivíamos nas ruas roubando comida para nossos pais, ninguém nos ajudava. E ainda éramos caçoados por sermos "seres desprezíveis e miseráveis de origem tão mesquinha". Seguindo sozinho pelas ruas, acabei cruzando o caminho de um frei. Desesperado, estava entregue as lágrimas por tantas coisas. Achei que seria vítima de alguma atitude injusta por parte dele e arrependo-me por ter pensado assim daquele homem. Este frei me levou para o monastério que ele era dono e lá, pude receber todo o carinho e atenção que precisava. Demorei anos para superar as perdas e os danos. Carregava cicatrizes de diversos ataques físicos que recebi com dor e pena de mim mesmo. Porém, tudo mudou desde que encontrei o Frei Sengoku.

Os anos passaram, cresci com as boas lições da Bíblia e me tornei um homem que serve a Deus somente. Um padre que fez das dores uma lição de vida. Um padre que voltou a ser reconhecido pelo sobrenome e pela linhagem por conhecidos, porém adotou um nome religioso o qual faz jus. De onde estiverem, meus pais devem estar orgulhosos. Nunca soube mais do meu irmão. Não sei se está vivo ou morto. Já o perdoei pelo que fiz, ele e todos que me fizeram carregar a cruz tão pesada da vida. O Donquixote Rocinante do passado hoje era nada mais, nada menos que um padre. Um homem feliz por ter sobrevivido às tempestades. Um padre e um professor religioso. Um dedicado professor que catequiza em vez de disseminar ódio e rancor aos jovens. Não quero que estes tenham a mesma influência péssima que teve meu irmão mais velho.

Estou pronto para todas as jornadas que devo cumprir. Deus me guiará.

...

Chegando ao Novo Mundo e em Dressrosa – uma região promissora – o jovem padre chegava de uma longa viagem meio cansado, mas não menos otimista. Trabalharia em uma escola como professor de religião. Padre Corazon, recém-formado como professor de Teologia, aceitou uma oportunidade que foi arranjada pelo Frei Sengoku. Os olhos castanhos avermelhados estavam com as pálpebras inchadas, aparentemente estava fatigado e precisava descansar. Acolhido com todas as pompas que o Colégio da Marinha podia oferecer, ele queria apenas um banho simples e uma cama razoável para dormir bastante. Apesar de exausto, não quis fazer desfeita aos funcionários e diretores, ambos os membros e autoridades religiosas.

Já na segunda-feira, dois dias após sua chegada, ele já quis começar a dar aulas. Ficou responsável pelas turmas do Ginásio. E naquele dia mesmo, começariam as aulas. Apresentado as suas turmas por uma das freiras – Irmã Violet – Corazon foi aceito cordialmente até mesmo pela segunda turma do Ginásio que era a mais bagunceira de todo o colégio.

Para ele, foi uma experiência agradável conhecer jovens promissores que, um dia, poderiam servir pelo bem da humanidade. Trabalharia por isso.

Tudo seguiu normal até aquela sexta-feira treze daquela mesma semana. Onde uma pessoa entraria em sua vida sem ele imaginar. No fim do seu expediente, ele estava voltando para a área onde moravam os funcionários da escola (e que ele também morava) quando viu, passando pelo pátio, duas perninhas escalando o muro da escola. Pareciam pernas femininas. Todos os alunos ainda seriam liberados para sair, e então o que aquele aluno – ou aluna – estava fazendo ali?

– Oi! Você aí que está subindo o muro! – gritou o padre, correndo até onde estava o estudante, que se apressou em subir rapidamente o muro. Porém acabou caindo de uma altura considerável até o chão. Ouvindo os gritos vindos da então aluna, ele foi até esta para socorrer. A aluna de cabelos |cor dos seus| estava com as mãos nas costas, berrando de dores.

– Está tudo bem? Porque está escalando o muro em vez de estar na sala? – perguntou o homem de cabelos loiros.

– Aiiiiiiii! – |você| olhou para o padre, com a cara de assustada – Por favor, padre! Não conta nada que me viu aqui, por favor! – |você| ficou de joelhos diante dele, em posição de prece. Ele estendeu a mão para |te| ajudar.

– Tudo bem... mas antes, vai me contar o que estava fazendo aí!

Os olhos |cor dos seus| miraram aquela figura com um misto de medo e curiosidade. Estendendo as mãos, |você| foi levantada por ele, que a pôs nos braços.

– Eu... acho que posso andar sozinha...

– Acho eu que não. Vamos até a enfermaria! – disse ele, levando-a para o destino que queria.

– Mas o que houve? – perguntou Violet, olhando a menina de apenas doze anos nos braços do padre.

– Ela estava caída perto do muro dos fundos e a trouxe aqui.

– |Você|! Matando a aula novamente?! – a freira lhe dava a bronca que já não era novidade para ambas.

– Matando a aula? – Corazon a pôs no chão – Então era isso, não é? Mas... durante essa semana toda, eu não a vi na sala.

– Corazon, essa é a |seu nome|. É uma daquelas pestinhas daquela turma. – e virando-se para |você| – venha aqui, será punida logo no começo letivo!

E a freira puxou da cintura um objeto similar a uma palmatória e puxou-lhe a mão, que foi forçada a abri-la. Na primeira palmada com o objeto, Corazon se meteu na frente.

– Não são necessários esses procedimentos tão arcaicos!

– Mas padre...

– De modo algum! Com licença... – ele tirou a palmatória e se virou para |você| – venha comigo, vamos até o ambulatório ver se há necessidade de curativos. Consegue andar agora?

– Claro... claro. Não se preocupe. Acompanharei o senhor. – |você| disse, encantada com aquela figura enorme, de voz grave e levemente rouca, protegendo daquela severidade típica das freiras.

|Você| e Corazon forma ao ambulatório, onde a enfermeira Jora fez curativos na cintura – parte da região das costelas foi arranhada e a blusa estava rasgada. O padre esperou lá fora enquanto a menina estava com Jora.

Durante esse tempo, ela ficou pensando naquele padre que ainda não tinha visto na escola. Seria ele um professor? Um inspetor? Mal sabia a garota que ele era seu professor. A doçura em protegê-la deixou-a impressionada. Uma escola de poucos homens funcionários, ela imaginava que ele, ao encontra-la fugindo, fosse trata-la pior que a Irmã Violet.

Ao terminar de ser tratada, foi entregue ao padre.

– E então?

– Foi só um arranhão e parte do músculo afetada. Não tem nada quebrado, padre! – disse Jora, abraçada a |você| – E, além disso, ela está acostumada com essas aventurinas, não é mesmo, mocinha?

|Você| riu sem jeito diante de Jora. Mais por causa dele. Ambos trocaram olhares rapidamente. Cada um se encantou com o outro, de forma pura. Ele achou graça daquela menina travessa e, ao mesmo tempo, delicada. E |você| viu a mesma delicadeza em uma figura alta e aparentemente séria.

– Vamos voltar para a sala? – disse o padre, oferecendo-lhe a mão.

– ...claro, vamos. – a garota deu a mão, deixando ser guiada por ele até a turma dela.

A enfermeira gordinha e simpática observou os dois dobrando a esquina.

– Ah, seu padre! Não imagina o trabalho que essa menina vai te dar!

...

Foi uma semana interessante. Conhecer jovens de diversos tipos foi uma experiência agradável. Principalmente aquela estudante tão enigmática; uma mistura de todas as personalidades. Os olhos |cor dos seus| passavam duas impressões em uma. De boa e má menina.

Lembrou-se dos tempos do noviciado. Dos diversos jovens que Frei Sengoku retirou da mais pura miséria e sofrimento para seguir uma vida pura e regada de ensinamentos primordiais. Haviam diversos tipos de personalidade. Assim como nas turmas que dava aula. Associou ambas as situações para compreender sua posição como professor.

Aos vinte e dois anos, o jovem padre já tinha vivido diversas experiências que o colocou em conflitos durante sua adolescência. Os votos jurados eram bastante refletidos por ele. Obediente e focado em seu destino, Rocinante viu-se capaz de resistir todas as tentações que poderiam desviá-lo. Viu alguns de seus colegas desistirem do celibatário. Sua amiga mais próxima, Bellemére, era uma promissora noviça. Porém, a família dela que havia deixado-a lá a quis novamente, sem completar seus estudos religiosos. Não sabia se ela tinha se tornado freira mesmo assim ou havia desistido.

Quem sabe, pelos diversos exemplos que viu, |você| não poderia se tornar uma freira de um coração extremamente puro? Havia vários membros da igreja que, no passado, foram incorrigíveis pessoas. As pessoas mudam e, sendo corretamente guiadas, evoluem gradativamente na vida. Coisa que seu irmão não teve. No fundo, havia perdoado, pois o achou tão vítima das desgraças ocorridas quanto ele.

Na primeira semana de trabalho do dia seguinte, já pode ver aquela estudante na sala junto aos seus colegas de turma. Aquela mesma menina que era vista como uma rebelde pelas professoras e inspetoras era uma aluna entusiasmada e interessada nas aulas – pelo menos, nas aulas de religião. Uma aluna interessada, inteligente e contestadora. Talvez pela sua inteligência para discutir diversos assuntos, causasse algum desconforto. Era como um diamante bruto que precisava ser polido e transformado em uma bela joia.

No fim da aula, pediu para que ela esperasse na sala e deixasse todos saírem. |Você| assim fez.

– E então? Tem alguma bronca para mim?

– Nenhuma. Até gostaria que os outros alunos tivessem seu mesmo interesse nas aulas. – comentou ele, arrumando os papéis em sua pasta.

– E então, pergunto de novo.

– Preciso comentar sobre seu comportamento em certas horas. Eu entendo que você gosta de discutir e debater assuntos, mas deve controlar esse gênio.

– Por quê?

– Porque palavras devem ser pensadas antes de serem ditas. E não precisa envolver o lado pessoal.

– Ah, mas assuma uma coisa, professor... ou padre? Como quer que eu lhe chame?

– ...professor só na aula e diante dos seus colegas.

– Pois bem, padre... não concorda comigo que essa escola é totalmente arcaica?

– ...cada lugar tem seu modo de educar seus jovens.

– Não se lembra da Irmã Violet usando a palmatória contra mim? E aquela não foi a primeira vez, hein?!

– Bem... considerando o fato que estava fugindo da escola...

– Isso é motivo para bater?!

– ...não, realmente.

– E sabe de uma coisa, também? Fui castigada uma vez somente porque perguntei se Deus tinha pênis que nem os homens!

O padre foi pego de surpresa. Riu daquilo.

– Você perguntou isso para as irmãs?

– Sim...

– Acho que essas perguntas não devem ser feitas para mulheres.

– Você me responderia isso?

Corazon deu um breve suspiro.

– Se Deus realmente é masculino, ele deve ter um. Era isso que você queria confirmar?

– Sim... espero que isso não o tenha constrangido também.

– Não se preocupe. Também sou homem. Talvez por isso que não senti tanto pudor.

– E... se eu perguntar para o padre se Maria tem seios e uma vagina, o senhor se encabularia de me responder essa curiosidade? – ela queria testar a inteligência e a naturalidade do Padre Corazon.

– Cristo nasceu de uma mulher. Saiu de uma vagina e foi amamentado pelos seios de sua mãe. Logo, ela também tem o corpo de uma mulher.

|Você| mostrou uma aceitação diante da resposta dele. E puxou uma cadeira para sentar-se frente a frente com ele.

– Responda minhas dúvidas, por favor?

– Se eu puder responder... claro.

– Se Maria foi concebida, como era que ela era virgem até depois do nascimento de Jesus?

Eram questões polêmicas e complicadas de responder. |Você| parecia alguém de mais idade e experiência para argumentar.

– Um milagre divino. Porém, ele veio humano e viveu como humano. Sendo o filho de Deus. Quando nasceu, não rompeu a pureza da mãe.

A garota de cabelos |seu tipo| sorriu, analisando as respostas do padre.

– ...não custava elas me responderem assim? Acusam-me de blasfemadora, mas sou apenas uma criança que está descobrindo o mundo que me está sendo apresentado. Tenho tantas dúvidas...

– Vou responder todas elas. Mas agora, devo te liberar. Senão vão achar que eu estou te castigando. E apenas quis te dar uns conselhos. E tenho tantos para te dar... – ele bateu levemente sua mão nas delas, que estavam unidas uma na outra.

|Você| sorriu e concordou. Despediu-se dele e pegou sua pasta, indo embora. O padre colocou a mão na cabeça, imaginando as freiras horrorizadas ao ouvir aquela pergunta dela.