Nota: Obrigada por todos os comentários e pelas visitas! Esta história está sendo re-editada e logo estará completamente concluída!

Nota2: A re-edição está baseada em alguns concertos de português e segmentos da história. Ela continua com a mesma linha de idéia que possuía antes. Só senti que, precisava ser mais bem elaborada... Estou tentando!

Fanfic: Jensen & Jared – Universo Alternativo – Songfic – Romance - Spiritual.

Nota3: A música, Dança da Solidão, deste capítulo é interpretada por Marisa Monte e Paulinho da Viola.

Boa Leitura.


I Like You.

I

Solidão é lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo
Solidão palavra cavada no coração
Resignado e mudo

No compasso da desilusão
Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
Na dança da solidão

Camélia ficou viúva, Joana se apaixonou
Maria tentou a morte, por causa do seu amor
Meu pai sempre me dizia, meu filho tome cuidado
Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado

Quando vem a madrugada, meu pensamento vagueia
Corro os dedos na viola, contemplando a lua cheia
Apesar de tudo existe, uma fonte de água pura
Quem beber daquela água não terá mais amargura....

- E então doutor, ela ficará bem?

Havia sido uma pergunta única e simples. Sem adornos, direta. Pronunciada através de uma voz arrasadora, desesperada... Quase sem esperanças. O semblante daquela pobre mãe partia sua alma em pequenos fragmentos contorcidos, fazendo renascer dentro de si a conhecida sensação de dor e abandono.

E quando surgiam situações como esta onde qualquer rastro de esperança dependia de uma única palavra sua, ele se atormentava; visto que, por mais que tentasse nutrir e revelar algo positivo... Uma faísca de falsa certeza que acalentasse os corações de seus pacientes e familiares... Não... Não conseguia. Não encontrava uma forma de amenizar; Acreditar que realmente tudo ficaria bem... Não sentia nada. Não dizia nada emocionalmente eficaz que produzisse qualquer diferença nos anseios daquelas pessoas.

Tornou-se um cético.

Um jovem médico cético. E o quão cômodo e efêmero era aquilo?!

Mas àquelas faltas de crenças não eram inopinadas. Ninguém, ao que se recordava, desde a tenra infância, deu-se ao trabalho de ensiná-lo a crer. Ninguém o havia criado para acreditar que mesmo nos momentos mais trágicos e insensíveis ainda poderia vir a surgir uma centelha de harmonia e benevolência.

Iniciar-se-ia tudo muito cedo. Antes do tempo. Sua mãe falecera repentinamente enquanto dormia, ainda adormecida na cama, e sequer lhe foi permitido o ato de despedir-se dela tempo depois.

Chorou sozinho, desamparado e vazio encolhido no sótão por semanas. Seu pai que, teoricamente, devia ter sido seu consolador, seu ponto sólido e sensível de apoio, tornou-se sua âncora... Perdera a razão. Tempo a tempo. A cada dia mais longo e pesado que o outro. Viu o pai se tornar, gradualmente, um fraco, um omisso, um exemplo de qualquer coisa que não devia ser seguida.

Os meses seguintes se tornaram silenciosos. Não entendia com precisão o distanciamento que todos implantaram em suas vidas. Não entendia porque ninguém queria conversar com ele. Por que o exilavam? Por que o mandavam parar de chorar e chamar pela mamãe? Ela não irá voltar. Ela morreu! Morreu! E nada mais voltará a ser como antes! Agora é cada um por si! Está na hora de crescer, virar um homem e andar com as próprias pernas! Pare de chorar, isso não vai resolver nada! Você está sozinho agora como todos nós!

Megan se trancara no quarto após lhe dar esta represália; batendo a porta com violência e sequer ligando para os gritos abusivos do pai que reclamara do barulho.

Ainda parado em meio o corredor ele enxergava a porta umedecida e gasta de madeira velha que Megan atravessara. As maçãs coradas de seu rosto estavam molhadas, mas ele engolira com esforço o restante das lágrimas e dos soluços que ameaçavam deixá-lo, temendo aborrecê-la outra vez, como se ela pudesse ouvi-lo chorar novamente.

Aquelas palavras impiedosas e irascíveis se instalaram no seu mais fundo âmago, iniciando uma infrangível e resistente muralha envolta daquilo que lhe era mais extraordinário, puro e consistente.

Jeff fora o primeiro a se casar. Ele nunca parecera tão feliz quanto no dia que deixara aquela casa.

Lembrava-se que, ao chegar do colégio, quase entrara no quarto do irmão, permanecendo apenas encostado no batente. Ele terminava de fazer suas últimas malas dilatando uma cálida melodia. Quase nítido que ele decidira seguir seu caminho e partir sem sequer se despedir de seu pai e de seus irmãos. E aquelas constatações não tornavam as coisas mais fáceis. Aquelas certezas não magoavam, ressentiam ou machucavam menos.

Jeff não se virou para encará-lo. Mas pudera sentir que ele estava ali. Jared pegou sua mochila e se distanciou, sentando-se no sofá da sala. Seu pai e Megan não estavam e não sabia que horas eles voltariam.

Jeff atravessou os corredores e surgiu mais ou menos do seu lado com as malas em punho, caminhando até a porta de entrada sem lançar um único olhar em sua direção.

Ele ainda aguardava com expectativa. Esperava com os mais singelos e frágeis anseios do seu coração que seu irmão mais velho fosse olhar para ele e se despedir. E, ou, talvez... Talvez convidá-lo para partir junto dele. Talvez... Talvez ele se preocupasse em deixá-lo sozinho. Talvez ele fosse se importar em deixá-lo ali.

Mas nenhum daqueles anseios se materializara. Jeff apertou uma das mãos fortemente contra a maçaneta encardida, mantendo-se parado. Aquilo durou poucos segundos, até que, sem uma única palavra, ele abrira a porta num rompante atravessando-a rapidamente e fechando-a atrás de si.

Jared ainda permaneceu no sofá por mais algumas horas. Do mesmo jeito em que se sentara. Na mesma posição. Ainda encarando a porta da entrada principal como se esperasse... Algo que jamais ocorreria.

Ele sentiu aquela perda.

Seus irmãos se casaram. Ao menos chegou a conhecer o noivo de Megan. Ela desistiu de estudar. Cada qual seguiram o próprio caminho. Cada qual partindo para países distintos para viverem suas vidas... Sem ele. Sem Gerald. Como se jamais um dia, tivessem sido uma família.

Quando Gerald, finalmente, fora internado na clinica que propusesse a cuidá-lo, ele ingressara na faculdade. Seus irmãos não foram vê-lo na formatura e não os culpara por isso. Nunca mais os havia procurado novamente.

Dizia para si mesmo estar melhor sem eles... Não ligava a mínima. Que se danassem com suas vidas e escolhas egoístas e individualistas. Repetia tudo até a exaustão, até que um dia, não saberia se recordar precisamente quando, começou realmente acreditar naquilo.

Tornou-se mais determinado e ambicioso! Aprendia tudo que lhe fosse ensinado com rapidez e ousadia. Soube se virar sozinho sem que houvesse alguém que lhe segurasse as mãos ou estivesse lá para socorrê-lo se acaso caísse. Não. Ele sempre se levantara sozinho e seguira todas às vezes.

Afundou-se em si mesmo. Bloqueou tanto quanto conseguiu seu passado. Estudou, persistiu, trabalhou e reconstruiu sua vida. Fez patrimônios por próprio mérito. Orgulhava-se por isso; Orgulhava-se por si mesmo. De sua luta, de tudo pelo que passou, da mentalidade que amadurecera, das pessoas que perderá, da infância molestada, da dura adolescência e do término dela. Porque o sofrimento havia lhe trazido amadurecimento e razão. Havia criado planos e objetivos e alcançara a maioria deles com grandeza e obstinação.

Tornara-se médico pela mãe como uma forma de prestigiar e guardar sua memória.

Tornara-se médico para que outros filhos não perdessem suas mães. Para que outros maridos não perdessem suas esposas. Para que outras mulheres não perdessem seus maridos, nem chorassem ao leito do filho padecido.

Tornara-se médico para fazer com que ninguém mais passasse por todo sofrimento que ele passara uma vez.

Declarou, nos primeiros dias da faculdade de medicina, que seria o primeiro entre seus colegas de profissão. Esforçou-se como jamais fizera antes, batalhara muito. Não houve tempo para construir amizades. Não sabia construir amizades. Elas não fizeram, ou haveriam de fazer, parte de sua vida. Não houve tempo para qualquer tipo ou gênero de relacionamento.

Declarou, quando residente ainda, que se tornaria um homem bem estruturado em sua vida. Teria uma casa grande com quartos que possuíssem portas bonitas e envernizadas. Também teria um encantador jardim, uma piscina com cascata belíssima como as das revistas onde as pessoas apareciam felizes e contentes. E uma biblioteca recheada dos mais diversos livros de histórias e contos. Teria uma coleção satisfatória de carros importados. Os homens são todos felizes e satisfeitos se possuem uma coleção de carros importados.

Declarou que possuiria tudo que quisesse. Tudo que já o haviam dito que jamais teria.

E ele conseguiu. Conseguiu com muito sangue e suor tudo que sempre declarara algum dia possuir.

Estava satisfeito. E feliz. E orgulhoso por morar sozinho com seus cachorros numa casa grande e absurdamente silenciosa.

Assim sendo que... Num quase fim de mês, numa madrugada nublada e pouco chuvosa, acordou após outro pesadelo... Respirou fundo, levou as mãos até os cabelos lisos, retirando alguns fios de sua face. Levantou da cama e vestiu o leve hobby de seda negra que jazia apoiada em uma das cadeiras próximas da janela. Seguiu até o banheiro acendendo uma das luzes.

Apoiou as mãos quentes no mármore frio da pia. Refletiu sobre a imagem refletida no espelho do banheiro enorme. Encarou seus próprios olhos secos e frios. Sua expressão impassível.

Demorou-se assim por quase uma hora. Perdeu por completo a noção do tempo apenas para dar-se conta de que... Não sentia absolutamente nada.

Havia uma gritante e maldita sensação de pesado vazio no seu interior. Vazio este que esperava cessar... Que aguardava com sofreguidão que algum dia parasse.

Era nocivo, aflito e doloroso.

As pessoas eram felizes por terem coisas caras. Elas pareciam felizes com seus objetos de grande valor! Elas diziam que para ser feliz, bastava ter muito destes objetos. E ele tinha! Ele possuía muitas coisas. Ele, tão jovem, já possuía bens extraordinários.

...

Mas seus bens não poderiam comprar humanidade. Não compravam sentimentos. Não se vendia emoções nas lojas ou em supermercados. Não compravam raiva, tristeza, calor, afeto, fidelidade, auxílio, esperança, fé, força, amor...

Seus bens não valiam de nada para aquilo que tanto almejava... Seus bens jamais poderiam comprar aquilo que tão secretamente e sigilosamente desejava poder algum dia vivenciar.

Não cessariam o vazio; não o ensinariam a viver sem a solidão.

E ele trabalhou tanto... Ele quis tanto... E aquilo era tão injusto. Tudo desde o começo lhe foi sempre tão injusto que...

Que talvez não valesse mais a pena.

- Talvez nada... Nada mais valha a pena.

Sussurrou com a voz embargada. Seu reflexo se endureceu e ele notou surpreso, as gotas cristalizadas jamais derramadas brilharem com vivacidades em seus olhos castanhos inclinados ao mel.

Tocou a imagem do espelho com a ponta de seus dedos. Sentiu-se tão frio quanto à temperatura do cálido vidro.

Sentiu-se tão morto... Quanto o cálido objeto.