O vento gelado me recebeu quando sai do aeroporto. Puxei meu casaco e meu cachecol o mais apertado que eu podia. Chegava a ser difícil de respirar sem congelar meu nariz. Como que os londrinos saem de casa nesse clima? Já sinto falta da minha adorável Califórnia, do sol. Senti a melancolia me abater. Não, nada de melancolia! Xô, xô! Não quero ficar lembrando o passado. Abri um sorrisão congelado.
Esperei 5 minutos por um táxi tentando me convencer que eu teria um bom dia. Pensamento positivo! Esse clima não era presságio de nada desastroso. Se eu permanecesse a repetir para mim mesma a mesma frase, talvez ela se tornasse verdade.
- Pra onde vai, Senhorita? – Perguntou o taxista.
- Para o St Bartholomew's Hospital. Ele fica na…
-Eu sei onde fica, madame. Todos aqui conhecem o Barts. – Sorriu através do retrovisor. – Veio para Londres a trabalho?
- Sim. Vim a trabalho. – respondi animada. Não via a hora de conhecer o famoso Barts.
- Espero que goste. A cidade é muito linda. – Então ele entrou em um monologo, sobre os pontos turísticos de Londres e sobre como as pessoas eram adoráveis. Olhei pela janela a cidade passando. Era mesmo bonita, eu posso me acostumar a viver num local assim. Era o melhor para mim.
Ao chegar a Barts, pedi que o taxista esperasse por mim. Tinha que assinar alguns papeis e depois poderia ir atrás de algum apartamento. Não tive tempo, nem cabeça de ir atrás de um lugar pra ficar. Qualquer coisa, ficaria em um hotel e então amanha sairia para procurar.
O bom é que consegui um pouco de dinheiro ao ser despedida do trabalho na Califórnia. É o bastante para que eu consiga me estabelecer aqui.
O Hospital St Barth era enorme. Quase me perdi la dentro, mas consegui chegar ao setor do RH. Lá acertei os últimos detalhes. Começaria a trabalhar na próxima semana no turno da noite como enfermeira assistente. O salario era razoável e as horas extras também. Sei que vou morar nesse hospital e era isso que eu queria, trabalhar sem parar e não pensar em mais nada que não fosse como salvar vidas. Estava indo tudo nos conformes. Suspirei aliviada.
Ao sair do setor do RH me perdi de novo, fiquei meio que vagando sem coragem de perguntar alguém para que lado era a saída. Vi um placa indicando laboratórios. Acho que passei por eles quando entrei. Segui pela direita. E então dobrei outra vez á direita e então a esquerda e nunca chegava nesse laboratório. Mas que diabos, mais parecia um labirinto esse hospital, mas era lindo! Aproveitei pra observar tudo. Virei à esquerda distraída e esbarrei em alguém que me derrubou de bunda no chão.
- Mas que diabos...
Olhei para cima vendo um homem e uma mulher. Ela estava vestida com um jaleco onde pude ler escrito 'medico legal' nele. O homem em quem eu esbarrei era alto, com olhos azuis e cabelo encaracolado preto. Usava um sobretudo e carregava um saco preto na mão esquerda. Ele me encarava como se eu fosse um inseto que caiu do teto bem na frente dele.
- O que está fazendo? – O sotaque daquele homem me deixou toda arrepiada. Eu sempre gostei de sotaques britânicos. Mas ele nem se mexeu pra me ajudar. Perdeu ponto por ser grosso!
- O que acha que eu estou fazendo? Limpando o chão com a minha bunda? – sorri irônica.
A mulher me encarava envergonhada.
- Desculpe-nos, nós não estávamos prestando atenção. – Ela estendeu a mão para mim. – Aqui.
- Obrigada. – O homem continuava a me encara de um jeito estranho. Me voltei para a mulher. – Você trabalha aqui! – Estava animada de conhecer alguém.
Antes que ela respondesse o homem interrompeu irônico.
- É claro que ela trabalha aqui você não viu o jaleco dela? E que tal o nome 'medico legal' nele?
Ela o encarou com a cara feia.
- Eu estava afirmando. – O ignorei voltando-me para ela. – Meu nome é Melinda Sanders, vou trabalhar aqui como...
- Enfermeira assistente. Eu não esperava muito de uma americana fugitiva que anda por ai sem prestar atenção.
- Sherlock! – A mulher exclamou.
O encarei séria. Que tipo de homem era aquele? Todos os homens por aqui eram tão cavalos assim? E o mais importante, como ele sabia que eu estava fugindo?
- O que?
- É muito evidente na verdade. Você tem olheiras na cara e ainda são 7 da manhã. Você parece realmente cansada, é americana e vi nos papeis na sua mão que acabou de ser contratada, então ou você não dormiu a noite passada ou saiu apressada de um outro fuso horário e ainda está de Jet Lag. A segunda opção é a mais provável considerando que suas roupas estão amassadas, você não parece acostumada ao frio daqui por isso as roupas tão presas ao seu corpo - ele indicou meu cachecol - e o ticket do avião é perceptível na sua bolsa meio aberta. – Eu o encarava sem palavras. Ele falava como se fosse muito obvio e não respirou nenhuma vez até terminar o monólogo. – Califórnia?
- Como você...?
- Consigo perceber que você está bem bronzeada. Costumava ir a praia pelas marcas de sol nas suas mãos. E o seu sotaque é mais claro então possivelmente indica cidades litorâneas.
Olhei dele para a mulher sem entender como ele percebeu tudo isso de mim. Soltei uma risada surpresa. Ela parecia ainda mais envergonhada, me sorriu como se pedisse desculpas.
- Califórnia. – sussurrei estarrecida.
- Humm, eu sabia. – Sorriu convencido. – Nossa conversa foi ótima, mas tenho outras coisas para fazer. Sugiro que tome mais cuidado ao andar por ai, esbarrar nas pessoas é rude por aqui. – E saiu andando como se nada tivesse acontecido. Que idiota!
A mulher virou para mim com um sorriso de lado. – É um prazer, sou Molly Hooper. Desculpe pelas boas vindas bruscas.
- Como ele viu tudo isso em mim? – ainda olhava o corredor por onde ele saiu.
- Ele só sabe de tudo de todo mundo, o tempo todo. O Sherlock é o Sherlock. - Disse ela sonhadora. Acho que gostava dele.
- Ah ta. – não entendi nada. - Eu tenho que ir, meu táxi está me esperando. – Falei ainda em choque. Aquele cara era um idiota maluco. Brilhante, um idiota maluco brilhante!
- Você precisa de ajuda para achar a saída?
- Se não for muito incomodo, estou procurando a uns 20 minutos já. Não estou reclamando, foi bom conhecer o lugar.
- Claro que não. – Ela me indicou a saída que não estava muito longe.
- Vou ter que me acostumar com esse labirinto, aqui é gigante.
Ela riu baixinho. Agradeci, vendo o meu táxi esperando. Graças a Deus ele não foi embora com as minhas coisas.
O taxista me indicou um hotel onde pude passar a noite. Pela manha, lendo o jornal local, encontrei três apartamentos em potencial. Dois perto do Hospital e outro um pouquinho mais longe.
O primeiro da lista era um local muito agradável, mas o valor era muito alto, eu não poderia pagar com meu salario de enfermeira. O segundo da lista era um prédio muito esquisito. Tinha pessoas fumando nos corredores, e eu podia ouvir tudo pelas paredes. Não mesmo, quero um local calmo e seguro. Já basta as confusões que tive pra uma vida toda.
O terceiro, minha ultima opção, ficava na Rua Baker numero 221C. Pelo menos de fora parecia um bairro calmo. E tinha um restaurante em baixo o que era uma boa coisa já que eu mal tinha tempo para cozinhar.
Bati na porta rezando para que desse certo.
- Olá, você deve ser a senhorita Sanders. – Disse a proprietária animada. Ela era uma senhora sorridente e gentil. Logo me vi sorrindo de volta.
- Sim.
- Você parece tão novinha! Tem certeza que já pode morar sozinha?
- Sim senhora. Eu tenho 24 anos e sou uma enfermeira formada. – disse rindo baixinho. Eu estava acostumada a ser confundida com adolescentes, minha baixa estatura e meu corpinho esbelto já enganaram muita gente. Ainda mais quando eu usava legguings e meus sapatos coloridos, uma vez um policial me proibiu de entrar no trabalho dizendo que eu não era do pessoal autorizado e que deveria estar na escola. Fiquei indignada.
- Ah, então se é assim. – Ela riu. - Eu sou a Mrs Hudson. Entre, vou lhe mostrar o apartamento. Ele fica neste andar mesmo. - Passamos por uma escada, no final do corredor vi uma porta com o numero 221A. A senhora Hudson abriu uma grade e depois a porta do apartamento de numero 221C.
O apartamento era ótimo. Uma sala ampla com lareira e uma janela para a rua, a cozinha era dividida da sala por um balcão e seguindo no corredor tinha dois quartos e um banheiro. Era simples e aconchegante. O papel de parede de toda a casa era em tons claros e suaves. Os moveis eram de madeira e passavam a ideia de que eu morava em um chalé. Tudo de bom gosto. Tinha um sofá na sala e três poltronas, um hacker com uma TV e tinha uma cortina bege na janela. Eu já me imaginava aqui.
- Você pode fazer modificações nas cores se quiser. Eu sei que é pequeno, mas...
- Não, está ótimo. É perfeito, Mrs Hudson. Eu fico com ele. – O preço que ela me disse pelo telefone era razoável e o lugar era lindo e aconchegante. Já estava mobilhado então era um custo a menos.
- Ótimo! – Ela exclamou batendo as mãos. – Pode se mudar hoje se quiser, vou pegar os papeis.
- Ok. – Me senti sorrir aliviada. Agora finalmente podia trabalhar o meu plano de iniciar uma vida calma e feliz aqui em Londres. Relaxar e aproveitar o presente.
Me sentei no sofá me imaginando de frente para a lareira aquecendo o frio, quando ouvi um estampido ensurdecedor. Assustada, levantei do sofá. O barulho continuou outra vez. Corri para a porta assustada. Eram tiros e vinham lá de cima.
- Senhora Hudson?
Ninguém respondeu. Pude ouvir mais quatro tiros.
- Mas que diabos você está fazendo? – Um homem gritou no andar de cima. Sai do apartamento me aproximando da escada. O que estava acontecendo?
Não consegui ouvir a resposta.
- O que?
- Entediado! – falou outro homem, mais alto.
Subi alguns degraus, ainda assustada. Será que ele tinha atirado em alguém, matado a Senhora Hudson? O Meu Deus! Me senti suar frio. Este era um lugar tão promissor, agora isso!
- Não...
- Entediado, Entediado! – Falava a segunda voz cansada enquanto atirava mais duas vezes me fazendo pular. Quem era esse louco?!
Podia ver a porta do 221B de onde eu estava. As vozes vinham de lá. Minha respiração saia rápida e eu ainda tremia do susto.
- Não consigo entender o que aconteceu com a classe dos criminosos. Ainda bem que não sou um deles.
- Então você desconta na parede?
- A parede merecia. – Me aproximei mais. Eu lembro dessa voz condescendente.
- E o caso na Rússia?
- Bielorrússia. Era um simples caso de violência domestica. Não valia a perda do meu tempo.
- Que pena. – disse a primeira voz irônica.
Ouvi alguém subindo as escadas atrás de mim, era a Senhora Hudson. Nunca fiquei tão aliviada de ver uma desconhecida.
- Senhora Hudson. – sussurrei.
Ela me olhou como quem pedia desculpas, logo entrando no apartamento de onde vieram os tiros.
Eu a segui devagar.
- Sherlock, o que pensa que está fazendo atirando dentro de casa?! – Gritou irritada.
Sherlock? Ah não, não podia ser. Entrei atrás dela e vi o idiota do Barts deitado num sofá encarando o teto com cara de tédio. Na parede era possível ver os buracos de bala que marcavam uma cara amarela sorridente. Oh Senhor, vim parar em um manicômio.
- Oww!
Ouvi a primeira voz vindo do que parecia ser a cozinha.
- É uma cabeça decepada.
O que? Eu só posso ter caído no buraco do coelho e agora estou delirando no País das Maravilhas. De todos os lugares possíveis, onde eu vim me enfiar?! Pelo menos seria divertido, eu acho.
- Uma cabeça, Sherlock? – Exclamou Mrs Hudson.
- Eu quero chá, obrigado.
- Tem uma cabeça na geladeira! – Disse o outro homem se aproximando.
- Sim? – disse Sherlock, fechando os olhos.
Mrs Hudson olhava a parede chateada. E eu observava tudo de boca aberta.
- Uma cabeça sangrenta!
Um homem loiro entrou irritado na sala. Olhou curioso quando me viu parada observando. Fechei minha boca.
- Onde eu colocaria? Você se importa? – Disse Sherlock abrindo os olhos e finalmente me vendo no meio da sala atrás da Mrs Hudson.
Fez-se um pequeno e embaraçoso silencio.
- Você. – Disse Sherlock se sentando. Mrs Hudson teve a ação de parecer envergonhada ao olhar para mim.
- Eu! – Respondi sorridente.
- Desculpe toda essa bagunça senhorita Sanders. Esses são Sherlock Holmes e John Watson, seus futuros vizinhos. Eles dividem o flat. – Disse apontando cada um.
- Por que tem uma cabeça decepada na geladeira de vocês? – Foi a primeira pergunta que me veio a mente.
John ainda parecia confuso e Sherlock me encarava com os olhos semicerrados.
- É um experimento. Peguei de Barts ontem, estou medindo a coagulação depois da morte. Você disse vizinhos, senhora Hudson. – disse ele sem deixar de me encarar. Diminui meu sorriso e fiquei rodando os braços.
- Sim, a senhorita Melida Sanders pretende alugar o apartamento 221C, mas vocês parecem tê-la assustado.
Eles viraram para me encarar. Eu sorri me endireitando. Não estava assustada, achava realmente curioso esse Sherlock Holmes, ele continuava o mesmo idiota maluco brilhante de ontem. John deu um sorriso envergonhado e se aproximou para me cumprimentar.
- É um prazer conhece-la senhorita Sanders. Espero que não tenhamos expulsado você daqui, a senhora Hudson é ótima, e eu prometo que não é assim todo dia por aqui.
- Claro. Prazer, senhor Watson. Pode me chamar de Melinda. – disse, apertando sua mão. Eu duvidava do que ele disse.
- Ah pare de flertar, John. A pequena enfermeira assistente não está a procura de namorados eu receio. E nem tão pouco está assustada, na verdade está alegre demais sem motivo aparente, deve estar drogada.
Todos o encaramos irritados, principalmente John.
- Sherlock! Não a analise!
- Ela pode ser perigosa. É americana e não para de sorrir desde que entrou aqui, isso é incomum. – Ele me encarou estreitando os olhos.
- De todos os lugares tinha que escolher o prédio de Sherlock Holmes. Diria que é o carma. – suspirei sorrindo de lado.
- Vocês já se conhecem? – Perguntou Mrs Hudson.
- Ela é uma mal educada. Esbarrou em mim em Barts e nem se desculpou. – Ele se levantou, fechando o roupão.
- Eu esbarrei em você? – Esse cara é inacreditável. Agora meu sorriso sumiu.
- Deve ser costume de americanos fugitivos serem rudes com recém-conhecidos.
- Com certeza deve ser um costume de ingleses serem rudes com recém-chegados.
John suspirou. – Sherlock, o que disse para a moça?
- Nada. – Ele suspirou, voltando a deitar-se no sofá.
John virou-se para mim.
- Digamos que ele me, como você disse? Me analisou. Não que ele não tenha reparado mais do que o óbvio. – Menti curiosa por sua reação. Sherlock se levantou rápido e se aproximou de mim.
- Eu não apontei o obvio. Eu observei o que a maioria das pessoas deixa passar.
- Bem, eu não acredito. – O provoquei, sorrindo. Ele franziu os lábios se concentrando.
- Você passou por uma perda, mas vejo que já faz algum tempo, você sorri muito para alguém que esta sofrendo no momento. – Senti uma pontada da lembrança. – É órfã desde bebe. Você vive longe do seu irmão gêmeo e isso o deixa preocupado, é por isso que ele te manda mensagens seguidas quando você não responde o telefone. – Como ele sabia que meu celular vibrou? E irmãos gêmeos? – Você não sente falta dele, é o que o acumulo de mensagens sugere por não responder imediatamente. Diria que sua inteligência é mediana e por perder muito tempo curtindo uma praia e não estudando, nunca conseguiu realizar seu sonho de ser médica, você se conformou e fez um curso comunitário de enfermagem no lugar, parece feliz só com isso, outro sinal de medianidade. – Ele aponta meu pulso. - Usa uma pulseira de diamantes, pelas suas roupas e sua profissão sei que não pode arcar com isso e nem ninguém da sua família, então deve ser presente de noivado é o mais provável, mas como não vejo anel no seu dedo imagino que terminaram, suas medidas sugerem que você sofreu um aborto espontâneo e esse deve ser o motivo para você ter viajado de ultima hora para a Europa, seu noivo descobriu que não queria ter um filho dele, ele te deixou. Você fugiu dele. Mas mais uma vez a dúvida, você não parece muito triste nem com medo, mas parece esconder alguma coisa. Não saiu gritando quando atirei dentro de casa e nem quando John disse que tinha uma cabeça decepada na geladeira. Conclusão, você deve estar drogada agora. Só preciso checar suas pupi... – Ele foi interrompido por John antes de se aproximar de mim.
Ele conseguiu me chocar de novo.
John correu para se desculpar.
- Desculpe-me pelo meu amigo. Ele está em um péssimo dia. Esta sem trabalho a alguns minutos e enlouqueceu. – passou as mãos no cabelo, frustrado.
- Tudo bem. Foi brilhante!
Todos me encararam surpresos, inclusive Sherlock.
- Não sei como viu tudo isso, mas você errou algumas coisinhas. Eu não tenho irmão gêmeo e não fiz enfermagem por que fracassei em conseguir medicina. Na verdade, eu cursei algum tempo de medicina. Não sou viciada e minha pulseira não é presente de noivado. Mas bem... Seu trabalho seria mais fácil se eu contasse tudo não é mesmo? – Ri baixinho. - Eu acho melhor ir, ainda tenho que trazer minhas malas para cá. – Ele era bom, teria que tomar cuidado ou ele descobriria todos os meus segredos.
- Oh, você não desistiu! – Exclamou senhora Hudson.
- Não. Acho que vai ser muito divertido conviver com vocês!
Sherlock bufou, virando-se de costa para nós se deitando no sofá novamente.
- Você foi muito malcriado Sherlock! Vou acrescentar os estragos da parede no seu aluguel! – Senhora Hudson disse me pegando pela mão.
- Venha querida. Vamos tomas um chá e assinar os papeis lá em baixo.
- Eu acompanho vocês. – Se apressou John para o nosso lado.
Descemos as escadas e entramos no apartamento da senhora Hudson. Era muito parecido com os outros dois. Ela nos levou a cozinha e começou a preparar um chá de camomila para nós.
- Sente-se querida. Vou trazer-lhe o contrato para que leia a vontade.
John se sentou na outra cadeira ao meu lado. E me olhava curioso.
- Você é americana e recém chegada, isso é verdade. Ele não acertou mais nada?
Levantei os olhos e franzi a testa para ele.
- Você não vai começar a deduzir tudo da minha vida como ele fez agora, não ne?
- Não. – Ele sorriu levantando as palmas das mãos para mim na defensiva.
- Que bom. – Sorri aliviada. – Ele acertou algumas coisas sim, não tudo.
- Então, por que resolveu vir morar na Europa?
Comecei a olhar ao redor fugindo de seu olhar. Por que todo mundo aqui se importa com o por que de me mudar?
- Hum... Eu tive alguns problemas de relacionamento. Resolvi que queria recomeçar. – Espiei John e o vi me observando. – Minha amiga logo me arranjou esse trabalho aqui em Londres e eu só peguei a oportunidade e me agarrei nela. Ela adora mandar mensagens mesmo que eu não esteja lendo. Meu celular passa o dia vibrando. Considerando Sherlock até acertou, ela é como se fosse minha irmã. – Terminei, sorrindo fraco.
- Entendo. Espero que goste daqui. É bem diferente não é? Digo, em relação ao clima.
- Sim. – Senhora Hudson me entrega o contrato. – Foi a primeira coisa que notei ao sair do aeroporto, mal podia respirar.
Rimos os dois.
- Aqui. – Senhora Hudson nos serviu o chá. Estava muito bom.
Terminei o chá. Assino os papeis e me levanto.
- Bem, o chá estava muito gostoso, mas eu tenho que ir. Vou ao hotel acertar a diária e pegar minhas malas. Quero me instalar logo e relaxar, ainda me sinto cansada.
- Claro, querida. John pode lhe ajudar a trazer as malas do hotel.
Ele olhou dela para mim e se apressou em assentir. – Sim, sim, posso ajudar se você quiser.
- Se não for incomodo. São malas pesadas se quer saber. – Sorri me desculpando.
- Não se preocupe, eu dou conta.
Sorrimos um para o outro. John era muito simpático e galante. Como ele foi acabar sendo amigo de um homem como Sherlock Holmes eu não sei. E foi o que lhe perguntei no taxi.
- Ele pode ser difícil as vezes, mas ele é o homem mais brilhante, corajoso e dedicado a uma causa que eu já conheci.
Ele viu a minha curiosidade.
- Sim ele é rude, insensível na maioria das vezes, mal educado, idiota e a lista é infinita, mas o que ele pode fazer e faz para ajudar as pessoas é uma qualidade bem significativa. Depois de um tempo com ele você percebe que tudo que ele faz tem um por que e é sempre lógico, pelo menos para ele. Ele luta por aquilo que acredita. Admiro isso nele, conheço pessoas mais gentis que não tem a coragem pra isso.
- Entendo o que quer dizer. – Desviei o olhar, um pouco envergonhada, foi preciso dois anos de tristeza e a descoberta de alguns segredos para que resolvesse mudar de vida. Se não fosse Lily, nem sei onde estaria agora.
- Eu era medico do exercito britânico na Guerra Afegã. – Levantei a cabeça surpresa. Ele não parecia militar. – Levei um tiro na batalha de Maiwand e fui obrigado a deixar o campo de batalha. – Ele observava Londres, nostálgico, pela janela. – Fiquei com o movimento da perna direita comprometido, eu mancava. Tive que voltar para Londres, mas eu não queria. Eu gostava de estar lá na guerra. – Ele me olhou serio. – Lutar pelo meu país, dar a minha vida para ajudar meus companheiros a vencer. Era o que eu fazia de melhor. Cheguei aqui devastado e sem rumo, não sabia o que fazer comigo mesmo. Então um amigo do tempo de faculdade me apresentou o Sherlock, disse que ele tinha comentado que precisava de alguém para dividir o aluguel, mas que ninguém iria querer morar com ele. Meu amigo nos apresentou. – John sorriu lembrando. – Sherlock me deduziu em menos de 15 minutos. Perguntou: Afeganistão ou Iraque? Fiquei pasmo. E então ele me explicou como sabia aquilo sobre mim. Foi incrível! Fantástico, como ele observou cada detalhe e descobriu quem eu era.
Ele inclinou a cabeça para mim sorrindo de lado.
- Ele me ajudou a superar o trauma na minha perna. Me levou para uma perseguição e eu sai correndo sem lembrar que estava mancando. Quando percebi estava sem a bengala. Era tudo psicológico. Então percebi que esse é o tipo de vida que eu quero viver, ajudar outras pessoas.
Encarei o homem na minha frente, acreditando em todas as suas palavras. Queria o terço de sua coragem, vivacidade e solidariedade.
- Incrível! – sussurrei para ele. – Ele é seu escape da realidade. Muito nobre senhor Watson, mas vocês nunca me disseram. Qual o trabalho do Sherlock?
Ele me olhou surpreso. – Oh Deus, é mesmo. Ele é detetive consultor da Scotland Yard. Quando tem um caso sem solução em mãos, eles o chamam.
- E você o acompanha?
- As vezes, sim. Na maioria delas na verdade. – riu de lado.
- Eu pensei que ele era medico ou algo assim. Com ele teve autorização para pegar uma cabeça do necrotério?
- Bem, ele conhece alguém que trabalha lá e ele é o Sherlock, claro. O que ele não consegue?
Balancei a cabeça incrédula.
- Bem, se ele é tão incrível assim adoraria o ver em campo. Na verdade, já estava curiosa desde que nos falamos no Barts, por isso o provoquei. Queria saber o que mais ele descobria de mim.
- Você verá. Afinal é vizinha da gente. Nunca é chato com ele. – Abriu um sorriso engraçado. – Se estiver curiosa pode ler o meu blog, ou o dele, a ciência da dedução. – Revirou os olhos. – Eu falo sobre os casos que presenciei, no meu blog. Se quiser ler, te mostro quando chegarmos em casa.
- Ok. - Sorri espelhando sua simpatia. Nunca tinha conhecido um homem como ele. Sherlock tinha sorte de o ter como amigo. Nos encaramos por alguns minutos num silencio confortável até que chegamos no meu hotel. Pedi ao taxi que esperasse.
Subimos até meu quarto conversando trivialidades.
O ajudei a descer com as minhas 4 malas gigantes. Nós dois suávamos ao sair do hotel.
- Eu disse que eram pesadas. – Falei rindo.
- O que você trouxe da California, sua casa com a prancha de surf e outros materiais de madeira?
Rimos.
- Não. Só o que eu não podia deixar para trás.
O taxista nos ajudou a colocar as malas no porta malas e voltamos para Baker Street.
- Você começa a trabalhar quando, Melinda?
Sorri de lado. – Vou começar na semana que vem, turno da noite.
- Entendo. – Assentiu.
O telefone dele tocou. Falou com uma mulher o resto do caminho, acho que era a tal Sarah. Fiquei o resto da viagem assobiando as musicas do rádio. Ao chegarmos o motorista nos ajudou a levar as malas para dentro. O paguei e entrei apressada para ajudar John.
Ele estava no apartamento de cima discutindo com Sherlock. Como que deu tempo deles discutirem? Acabamos de entrar.
- Por que não gostou? Achei que ficaria lisonjeado.
- Lisonjeado? – Vi pela porta Sherlock ainda deitado no sofá. – "Sherlock compreende tudo e todos em meros segundos. Mas é incrível como é ignorante a cerca de outras coisas." – Ele parecia irritado.
- Espera, eu não quis dizer...
- Oh, você quis dizer ignorante no bom sentido. – exclamou irônico. – Eu não ligo de saber quem é o primeiro-ministro, quem é a nova celebridade do momento ou se a terra gira em torno do sol!
Ele não sabe disso? Tampei a boca com a mão.
- Você não liga? É coisa de maternal. Como você não sabe disso? – exclamou John.
- Se algum dia eu soube, já deletei. – Respondeu Sherlock virando a cabeça para o teto.
- Deletou?
- Escute. – Suspirou impaciente, se sentando no sofá. – Este é meu HD e só coloco coisas importantes nele. Realmente importantes. – disse apontando a cabeça. – Pessoas comuns o enchem com lixo. – Suspirou com desprezo. – Isso dificulta meu acesso a informação, você entende?
- Mas é o sistema solar! – Não consegui segurar o riso. John e Sherlock olharam para mim, que estava envergonhada na porta do apartamento deles.
- Ahhh. Ela de novo.
- Sim, ela de novo. É nossa vizinha, Sherlock. Eu a estava ajudando com as malas.
Ele resolveu me ignorar e continuar a discussão com John. Gritava que aquilo não importava pro trabalho dele.
- Sem meu trabalho meu cérebro apodrece. Ponha isso no seu blog. – Terminou se deitando de costa para nós no sofá. Parece uma criança irritada. Ele parecia meio magoado.
Olhei para John sem sabe o que dizer. John se levantou de cara fechada e saiu descendo as escadas e pegando minhas malas no corredor.
- Onde vai? – Ouvi Sherlock perguntar gritando.
- Ajudar Melinda e então vou sair. Não que isso lhe importe. – gritou John de volta.
Ele levou minhas malas para o meu quarto e respirou fundo quando trouxe a ultima.
- Pronto. Espero que não se mude tão cedo.
- Farei o possível. – disse sorrindo.
Ele olhou o relógio e lembrou de algo.
- Tenho que ir. Se precisar de alguma coisa, a senhora Hudson tem meu numero.
- Certo. Muito obrigada, John.
Ele sorriu de lado.
- Não foi nada.- disse e saiu.
Fechei a porta e fiquei encarando meu apartamento. Não tô afim de arrumar agora, mas não tenho nada pra fazer. Decido ir comprar alguns mantimentos. Recoloco as luvas e tranco a porta. Procuro pela senhora Hudson em seu apartamento, mas ela não está. Resolvo ver se ela esta lá em cima. Preciso falar com ela para pedir a chave da porta de baixo.
Subo as escadas e a chamo.
- Senhora Hudson?
- Só um minuto, querida.
Não consigo ouvir o que eles falam. Entro no apartamento dele receosa. Ele ficou com raiva por ter errado aquelas coisas sobre mim.
- Tão calmo. Sereno. Silencioso. – Falava Sherlock de frente a janela, ele anda estava com aquele roupão. – Não é detestável?!
- Tenho certeza que logo aparecerá algo, querido. – Ela saiu da cozinha me encontrando na sala. – Precisa de ajuda?
Sherlock se virou me encarando confuso. Deve estar se perguntando por que estou aqui de novo.
- Sim. Preciso de uma cópia da chave do portão de baixo, estava pensando em ir fazer umas compras. Eu não tenho comida.
- Claro, claro. Tenho uma lá em baixo. – disse se virando e descendo as escadas. Já ia segui-la quando ele me chamou.
- Senhorita Sanders?
- Sim. – disse surpresa. Não esperava que ele fosse falar comigo.
- Tenho certeza que acertei minha dedução no Barts, mas a pouco você disse que eu errei... Não errei que você se esconde de alguém. – Falou semicerrando os olhos.
- Eu? – ri nervosa. – Você está enganado.
- Está nervosa. – ele deu um passo me minha direção. – Fez algo ruim e por isso fugiu? Provocou seu aborto? Roubou a joia no seu braço? Se viciou em cocaína? Por que o receio perto de mim? Já deve ter percebido que eu sou bom em descobrir coisas. – A cada palavra ele se aproximava mais.
- Não sei do que está falando. – O encarei de baixo. Ele era bem mais alto que eu. Estava a distância de um braço de mim. – E não é seu assunto a razão pela qual me mudei.
- Você se engana. É meu assunto e de John se você esta trazendo problemas para a nossa casa. Me pegou em um momento oportuno, senhorita Sanders. Estou doido para desvendar algum mistério e você é o caso mais interessante que eu consigo encontrar agora. Ter se mudado para cá não foi só a mais pura coincidência foi? Eu acho que não... Esta fugindo da policia? Não. Esta fugindo de algo em seu passado. – Ele sorria. – Um passado violento, posso dizer.
Ele olhava em meus olhos como se pudesse lê-los. Senti um pouco de medo. Ele não podia ler mentes, não conseguiria descobrir meu passado. Antes que pudesse responde-lo, ele se jogou sobre mim, derrubando nós dois no chão. Senti vidros cortarem meu rosto e um zunido alto no ouvido. Seu rosto pairava entre meus seios, ele me esmagava.
Sem ar tentei falar.
- O que... – tosse. – aconteceu?
Sherlock tossia ao levantar a cabeça do meu peito. Parecia desorientado como eu.
- Acho que algo explodiu. – falou baixinho.
- Explodiu? – Senti minha respiração acelerar. – Seria o prédio?
- É claro que não. – Se sentou sobre mim me olhando de cima. – Estaríamos mortos agora se fosse o nosso prédio.
Tentou olhar sobre o ombro pela janela. Ele ainda sentava sobre mim como se eu fosse uma poltrona.
- Eu sei que sou confortável, mas... – tosse. – você pesa.
Ele olhou para mim abaixo dele e como num insight ele percebeu o erro e levantou. Se aproximou da janela virando as costas para mim, mas pude perceber que ele parecia meio desconcertado.
Nenhuma ajuda, de novo. Ele é tão cavalheiro.
Levantei tentando ver o outro lado da rua sobre seu ombro. O prédio da frente tinha um grande buraco nele e ardia em chamas. As sirenes de ambulância se aproximavam.
- Vou ver se a senhora Hudson está bem.
Ele só assentiu com a cabeça. Quando ia passando pela porta, ele perguntou.
- Você esta bem? Espero não tê-la machucado. – disse ainda virado para a janela.
- Eu estou bem. – Respondi sem graça. E logo desci as escadas atrás da senhora Hudson. Eu não sei o que havia entre nós, mas uma coisa é certa. Eu despertei sua atenção e ele despertou a minha. Ninguém poderia saber se era bom ou ruim.
