Resumo: Dois jornalistas de Nova Orleans que se detestavam, embora trabalhassem na mesma empresa. Hermione tinha vontade de esganar Rony, irritante e prepotente. No entanto, a investigação de um acidente que pode ter sido um crime acaba colocando os dois juntos - contra a vontade dela. Entre brigas e a atração forte, os dois se aproximaram da verdade e isso os colocaria em risco... porque há alguém disposto a impedir e não vai ter escrúpulos para conseguir o objetivo.
CAPÍTULO I
Tumulto. Vozerio. Telefones tocando sem parar. Pessoas cor rendo de um lado para outro. Barulho de máquinas de escrever. Odores que se misturavam: café requentado, suor, fumaça de ci garro. Um asilo de loucos talvez? Não, simplesmente a sala de redação do New Orleans Herald, no horário do fechamento da edição.
Para a maioria daquelas pessoas, o caos passava despercebido, como se fosse o ato de respirar. Havia vezes em que um e outro encontravam-se tão envolvidos na tarefa de redigir as matérias que mal tinham consciência da presença dos colegas. Não porque fossem exclusivistas ou pouco dados ao trabalho em equipe. Integrantes da seleta comunidade dos jornalistas, todos eles ama vam a profissão e respeitavam as suas regras. Afinal, um bom repórter aprende a se concentrar na própria matéria e a desen volver um estilo peculiar em meio às pressões e à confusão de uma sala de redação. Um bom assunto, por si só, não basta para fazer de um jornalista um profissional competente e respeitado. Ronald Weasley aprendera tudo isso desde cedo, começando como boyem um jornal de Manhattan, passando mais tarde a escrever obituários e chegando a cobrir exposições de flores.
A habilidade de farejar uma boa notícia e transformá-la numa matéria de destaque fora desenvolvida fora do curso de jorna lismo. Na verdade, a faculdade simplesmente aprimorara certas técnicas e fizera desabrochar de forma mais estruturada todas as potencialidades que ele trazia dentro de si.
Aos trinta anos, Rony encarava a vida com um humor cínico e debochado. Era um cético. Gostava das pessoas, mas não tinha ilusões acerca delas. Compreendia e aceitava o fato de que os humanos eram seres que beiravam o ridículo. Não poderia ser de outro modo, já que, por força da profissão, era obrigado a expor constantemente a raça humana, virando-a pelo avesso.
Terminada a matéria, entregou-a ao editor e, pela primeira vez em três horas, pôde descansar a mente. Reclinou-se na ca deira e começou a divagar. Um ano atrás, saíra de Nova York para trabalhar no Herald, desejando, talvez mais do que isso, necessitando de uma mudança. Insatisfação, constatava agora. Insatisfação por algo que nem mesmo ele sabia definir. New Orleans era uma cidade, sob certos aspectos, tão fria e opressiva quanto Nova York.
Ele escrevia para a página policial e não tinha do que se queixar. Afinal, a violência e o desespero faziam parte do mun do e não podiam ser escondidos ou ignorados. O homicídio que acabara de cobrir fora brutal e com requintes de sadismo. Agora virará notícia. Era preciso ser objetivo na narração dos fatos, caso contrário melhor seria seguir outra profissão. Ainda assim, o quanto lhe custara não pensar na morte daquela pobre menina de dezoito anos...
Rony não tinha ares de jornalista e sabia disso. Físico atlético e ruivo, mais se assemelhava a um surfista do que a um repórter que levava o trabalho a sério. Aos vinte anos, isso o deixava exasperado. Agora, com a mesma aparência de dez anos atrás, o fato pouco incomodava. Na verdade, aprende ra a encarar com bom humor o olhar de incredulidade das pessoas.
Quando queria, sabia se vestir com esmerada elegância. O seu charme o tornava irresistível às mulheres. Mas aqueles olhos azuis, sempre alegres, podiam se transformar em duas pedras de gelo de uma hora para outra. Sob a fachada de homem de fácil convívio escondiam-se uma determinação e uma frieza impressionantes.
Com um meio sorriso, voltou-se para a mulher que ocupava a mesa ao lado, Hermione Granger. Um rosto tão romântico quanto o nome. Havia uma aura de delicadeza em torno dela que o des concertava. A pele muito alva nascera para ser tocada com toda a gentileza. Os cabelos caíam fartos até os ombros, despertando em Rony o desejo de mergulhar neles os dedos e o rosto. Os olhos, de um castanho inigualável.
Gestos calmos e comedidos, voz suave e feminina, Hermione se assemelhava a uma donzela do século XIX. Mas aquela aparên cia mansa, ele sabia muito bem, ocultava uma mulher forte e decidida, uma repórter ambiciosa.
O sorriso de Rony se alargou. Um de seus passatempos favo ritos era tentar coadunar características tão contrastantes com aquele rostinho de anjo.
Hermione terminou a matéria, tirou a folha da máquina e olhou para o homem que a estudava com ar divertido. Endireitou o corpo instintivamente.
— Algum problema, Ronald? — perguntou, com voz calma e expressão entediada.
— Nenhum, Hermione. — Disse ele com ar divertido.
Mas Hermione não perdeu a linha:
— Você não tem algum outro crime com que se ocupar?— Ele sorriu, curvando os lábios de um modo irônico e irresis tível.
— No momento, não. E você? Já acabou de escrever o capí tulo de hoje?
Ela mordeu o lábio, furiosa diante da provocação. Ronald não perdia o hábito de caçoar do seu estilo vibrante, tão dife rente do dele. Apertou as mãos embaixo da mesa e sorriu doce mente, sem dar a ele o gosto de vê-la contrariada.
— Eu deixo o cinismo para você, meu caro. Ninguém é capaz de expor de um modo tão asséptico a miséria humana.
— Que tal apostarmos sobre qual das duas matérias ocupará a primeira página? — Rony desafiou.
Hermione ergueu uma das sobrancelhas de modo gracioso, um gesto que ele apreciava particularmente.
— Eu não gostaria de tomar o seu dinheiro, Ronald.
— Também não me importo de tirar o seu. — Sorrindo, le vantou-se e foi até a mesa dela. Inclinando-se ligeiramente, acrescentou: — Cinco dólares, meu bem. Que tal? Ainda que seu pai seja o dono do jornal, nossos editores sabem a diferença entre uma reportagem e um romance.
Ele podia ver o sangue subindo às faces de Hermione, a respira ção prendendo-se abruptamente. Sentiu-se tentado a esmagar-lhe os lábios e provar toda aquela fúria contida. Mas não, esse não seria o modo adequado de lidar com Hermione Granger, por mais que se sentisse atraído por ela.
— Já que você é tão valente, Ronald Weasley, eu proponho que dobremos a aposta. — Levantou-se e foi obrigada a enca rá-lo de frente. O que mais a deixava furiosa eram aqueles olhos confiantes, lindos e com um brilho divertido. Droga! Por que ele não era gordo, baixinho e careca? — A menos que você con sidere dez dólares uma quantia elevada demais para os seus padrões.
— Para provar que sou um cavalheiro — disse ele, segurando-lhe uma mecha dos cabelos — eu a levarei para almoçar assim que você me pagar os dez dólares.
Hermione sorriu. Estavam tão próximos que seus corpos quase se roçavam. Rony sentiu o sangue correr forte nas veias. Gostaria de tomá-la nos braços ali mesmo.
— Claro, quando o inferno se transformar numa montanha de gelo — revidou ela, dando-lhe as costas.
Ele enfiou as mãos nos bolsos e riu, observando Hermione afas tar-se rapidamente. Na confusão daquela sala, ninguém notara o diálogo.
— Sujeitinho intragável! — Hermione praguejou, enquanto con duzia o carro pelo tráfego congestionado.
Ronald Weasley era o homem mais insuportável que ela conhe cera. Amaldiçoou o destino. Se seu irmão Harry não fosse amigo dele desde os tempos de faculdade, era bem provável que agora Ronald não estivesse trabalhando no Herald. Ele ainda estaria em Nova York, bem longe das vistas dela.
Contudo, embora lhe custasse muito, era honesta o bastante para admitir que ele era o melhor repórter do jornal. Ronald tinha instinto e um faro de perdigueiro, qualidades que nem todos os jornalistas possuem, por melhor que escrevam. Só que isso não o tornava menos irritante.
Pisou nos freios, evitando uma batida. Rony Weasley conse guia até mesmo desviar-lhe a atenção do trânsito.
A matéria que ele fizera sobre o homicídio estava excelente: concisa e limpa. Hermione gostaria de ter-lhe enfiado aqueles dez dólares goela abaixo. Só isso o impediria de arrotar tanta arro gância, pelo menos por algum tempo.
Nesses doze meses em que estiveram trabalhando juntos, Rony nunca agira em relação a ela como os demais homens. Não havia respeito nos olhos dele, nem mesmo admiração. Era como se a desprezasse.
Nunca a convidara para sair. Não que ela fizesse questão disso, pelo amor de Deus! Hermione apenas lamentava o fato de ja mais ter tido o prazer de lhe dizer um não bem redondo. Nem mesmo quando ele se mudara para o apartamento vizinho ao dela, jamais usara uma desculpa qualquer para aparecer. Du rante um ano ela desejou que Rony fizesse isso — apenas para ter a chance de bater a porta na cara dele.
O que Ronald costumava fazer era tornar-se insuportável de uma série de outras maneiras. Ah, os comentários idiotas que ele fazia a respeito dos homens com quem ela saía! O pior de tudo, e o que a deixava ainda mais irritada, era que, invaria velmente, ele tinha razão nos julgamentos. Nos últimos dias, a vítima vinha sendo Cómarco McLaggen, um vereador ultraconservador com que Hermione começara a sair. Ela não tinha motivo para gostar dele, mas, passara por cima da sua própria opinião ape nas para dar o contra em Ronald Weasley.
A vida seria mais simples, se ele não existisse ou se, pelo menos, continuasse a ganhar a vida em Manhattan. Por que cargas-d'água Ronald tivera que trabalhar no Herald e, pior, mo rar no mesmo prédio que ela? Ela não merecia um destino des ses. Se ao menos ele não fosse tão atraente...
Munindo-se de toda a sua força de vontade, Hermione tirou Rony e os dez dólares da cabeça e passou a se concentrar exclusiva mente no trânsito.
Ao entrar na rua que levava à casa de sua família, experi mentou uma sensação que misturava orgulho e tranqüilidade. As copas largas das árvores formavam uma espécie de túnel fresco, que filtrava a luz do sol naquela tarde brilhante. Os ce dros e o ciprestes, o som musical dos pássaros davam um encanto especial ao lugar.
No fim da rua, Hermione parou para observar a construção de dois andares, toda branca e com a fachada alegremente enfeitada por uma profusão de azaléias, magnólias e camélias. As cores, vivas e delicadas, os odores, exóticos e suaves, combinavam harmonicamente com as colunas dóricas, que davam um ar de dig nidade à casa. O trabalho nas grades que circundavam o terraço era tão delicado quanto o das portas e janelas. Como Hermione amava aquele local de recordações tão felizes...
Subiu os degraus que levavam à varanda e entrou pela porta maciça e ricamente trabalhada. O hall era perfumado por uma essência deliciosa e bastante familiar, que misturava a fragrância das flores com o cheiro da cera que fazia brilhar o assoalho de madeira. Olhou-se no espelho e ajeitou os cabelos antes de ir para a sala.
— Oi, papai.
Foi até ele e colocou-se na ponta dos pés para beijá-lo. William Granger era um homem bonito e conservado. Os cabelos castanhos apresentavam apenas um leve toque cinza nas têmporas. Enquanto dirigia o jornal com firmeza e tenacidade, o ritmo da vida em família era mais sereno e tranqüilo. Como de hábito, afagou os cabelos da filha, desalinhando-os.
— Oi, princesa. Bom trabalho, naquela reportagem sobre o prefeito. — Ergueu as sobrancelhas, intrigado, quando percebeu um flash de irritação nos olhos dela.
— Obrigada — Hermione retrucou rapidamente, com um sorri so. O brilho estranho não estava mais lá, fazendo William acre ditar que havia imaginado coisas.
Voltando-se para a mulher que estava sentada no sofá, Hermione parou um momento para observá-la. Os cabelos totalmente brancos emolduravam um rosto levemente enrugado e bem maquilado. Olívia Granger não poupava esforços com a aparência e os cuidados pareciam dar resultados.
— Vovó, você não envelhece nunca? — Hermione perguntou, abaixando-se para beijá-la.
— Não, enquanto eu puder evitar — retrucou a velha senho ra, com a voz enrouquecida pela idade. Beijou a neta e, sem des viar os olhos dela, foi logo perguntando: — Como anda a sua vida sentimental, Mione?
Sorrindo, Hermione sentou-se ao lado dela e, depois de aceitar o drinque que o pai lhe oferecia, respondeu:
— Não tão movimentada quanto a sua, vovó.
— Ah, aí é que está o problema com a juventude de hoje: muito trabalho e pouco romance. Você, por exemplo, minha querida, por que insiste em perder tempo com aquele maçante do Mclaggen? Ele não tem sangue quente o bastante para aquecer uma mulher na cama.
Ignorando a fisionomia de reprovação do pai, Hermione retru cou, olhando para o alto com ar de agradecimento:
— Graças a Deus! É o último lugar onde eu gostaria de estar com ele.
— Já é tempo de você encontrar um homem de verdade.
— Mamãe! — William repreendeu-a, escandalizado. Hermione sorriu, incapaz de resistir ao modo como a avó con duzia a conversa, ignorando totalmente a presença do filho.
— Harry está para chegar, não é? — perguntou ao pai.
— A qualquer momento. — Aliviado pela mudança de as sunto, William instalou-se na poltrona. — Ele telefonou pouco antes de você chegar. Vai trazer alguém para jantar conosco.
— Uma mulher, eu espero — Olívia retrucou, levando o copo de uísque aos lábios. — Esse menino vive com o nariz enfiado nos livros. Ah, que netos foram arranjar, meu Deus! Um só quer saber de advocacia, a outra só sabe falar de jornal.
— Eu ainda não estou pronta para me casar — Hermione desculpou-se tranqüilamente, erguendo o copo contra a luz.
— E quem falou em casamento? — Olívia replicou. Deu um suspiro e olhou para o filho, desalentada. — As crianças não hoje não sabem de nada.
Hermione estava rindo, quando ouviu a porta da frente se abrir.
— Deve ser Harry. Vou até lá, avisá-lo do que você está tramando contra nós.
— Essa menina está cada vez mais bonita — Olívia comen tou, quando a neta saiu.
— Puxou você — William retrucou casualmente, enquanto acendia um charuto.
— E eu não sei disso? — concordou ela, com um sorriso or gulhoso.
No instante em que chegou ao hall, Hermione sentiu o sorriso fugir-lhe repentinamente dos lábios. Os olhos se fixaram na pes soa que vinha acompanhando Harry.
— Ah, é você?
Rony tomou-lhe uma das mãos e beijou-a antes que ela pudes se afastá-la daquele contato.
— Puxa, como admiro a hospitalidade dos sulistas! — "Bom Deus", ele pensou, "esta mulher me deixa louco. Um dia, Hermione Granger, eu vou acabar com essa sua pose, prometo".
Ignorando o comentário sarcástico, ela se voltou para o irmão. Ele possuía o rosto aristocrático e os traços físicos do pai, embora os olhos fossem os de uma pessoa sonhadora. Sorriu afe tuosamente para ele.
— Oi, Harry. — Colocou as duas mãos sobre os ombros do irmão e ergueu-se para dar-lhe um beijo. — Tudo bem com você?
— Tudo bem, apesar de muito ocupado com o trabalho — respondeu distraidamente.
— Nem toque no assunto, pelo amor de Deus! — recomen dou ela. — Vovó não está com espírito para conversar sobre negócios.
Ele lançou à irmã um olhar tão desanimado que ela não viu outro jeito senão sorrir e beijá-lo novamente. Pobre Harry, pensoucom simpatia. Tão tímido, tão indefeso... Ao virar o rosto, seu olhar cruzou inadvertidamente com o de Rony. Ele a observava com ar frio, embora ela detectasse um brilho indecifrável naquela expressão aparentemente distante. Manteve-se firme, sentindo um arrepio na espinha. Quem seria ele realmente?, pensou pela enésima vez, desde que o conhecera. Por que, depois de um ano de convivência, ele ainda era um enigma para o seu cérebro? Sempre a intrigara o fato de um homem tão cínico e com tamanha energia para a vida e para o trabalho ser amigo de seu irmão, exatamente o oposto. Harry era um sonhador, uma pessoa gentil e sensível. Como era possível que conseguisse su portar até mesmo a simples presença de Rony? Mais ainda: como uma amizade dessas podia estar durando tanto?
Viu o sorriso irônico nos lábios dele e só então se deu conta de que o estivera observando por mais tempo do que devia. Re criminou-se mentalmente e desviou o olhar para o irmão.
— Acho melhor entrarmos — disse Harry, obviamente insen sível às correntes elétricas que tornavam tenso o ar em volta deles. Sorriu para ambos e acrescentou: — Vamos ter que enfrentar a fera, mais cedo ou mais tarde. Talvez você consiga distraí-la, Rony. Cativar as mulheres é o que você sabe fazer melhor do que ninguém.
Hermione não perdeu a deixa para a provocação, que veio ríspida e veloz como uma bala:
— Aposto que sim.
Rony apenas sorriu. Parecia estar se divertindo com aquilo, e Hermione ficou ainda mais irritada consigo mesma. Ergueu o queixo e jogou os cabelos para trás, num gesto insolente que sempre agradara a ele. Sem dar a ela tempo para reagir, Rony pegou-lhe o braço.
— Faça o favor de tirar as mãos de mim! — ordenou ela em voz baixa.
— Por quê? Isso a embaraça?
— "Ora, seu..." — Não teve tempo de verbalizar o pensamen to, pois já estavam entrando na sala.
Rony sempre gostara daquela casa, principalmente da sala de estar. Ali se respirava um ar saudável e familiar, em tudo dis tante da atmosfera lúgubre dos cubículos em que vivera no passado. Mas aquela era uma etapa vencida, graças a Deus, embora algumas sombras descessem vez por outra sobre a sua vida de repórter bem-sucedido. Era difícil apagar completamen te tantos anos de luta e sacrifício.
— Ah, então era essa a surpresa! — Olívia exclamou, sa tisfeita.
Harry fez um aceno para o pai, beijou obedientemente a avó e afastou-se para preparar os drinques. Olívia estava novamente com aquele brilho no olhar e ele não queria dar a ela a menor chance de usá-lo para exercitar as piadinhas de sempre.
— Olívia, é um prazer vê-la novamente — Rony cumprimen tou-a, beijando-lhe a mão. — Está ainda mais bonita, desde a última vez que a vi.
— Tratante — acusou-o, embora recebesse com prazer o elo gio. — Você ficou muito tempo sem aparecer. Na minha idade, um mês conta bastante.
Rony beijou-lhe a mão novamente e devolveu-lhe o sorriso.
— Eu só não apareço mais porque você se recusa a aceitar o meu pedido de casamento.
Hermione esforçou-se para conservar o ar sisudo. Ele tinha que ser tão charmoso e encantador?
O riso de Olívia era de satisfação. Não conseguia ficar imune a comentários lisonjeiros sobre sua pessoa.
— Trinta anos atrás, seu patife, você teria uma chance, mesmo sendo um yankee. — Rony aceitou o copo que Harry lhe estendia e voltou a se con centrar no diálogo.
— Que pena você colocar a idade como empecilho. — Sen tou-se no braço da cadeira, enquanto Hermione observava, enciu mada, o tratamento que a avó dirigia a ele.
— Já que não há chance para nós, por que você não faz uma tentativa com aquela mocinha ali? — perguntou Olívia, estican do o olhar para a neta. — Hermione, este, sim, é capaz de fazer o sangue de qualquer mulher correr forte nas veias.
Um rubor de embaraço e aborrecimento tingiu o rosto de Hermione. Rony havia se voltado para ela e sorria com ar divertido. Sem ter o que dizer, ela se sentou, praguejando contra a facili dade da avó em colocá-la nas situações mais constrangedoras.
— Vê como ela fica vermelha? — Olívia prosseguiu, sem o menor tato. — Ah, as artimanhas femininas... — Deu um tapinha na coxa de Rony e piscou um olho. — Depois de um ma rido e três casos de amor na minha vida, não sei se ainda con servo essa capacidade para corar. — Sorrindo diante do olhar escandalizado da neta, ela prosseguiu: — É muito bonita, você não acha, Ronald?
— Adorável — concordou ele, divertindo-se tanto quanto a velha senhora.
— Pode lhe dar filhos lindos.
— Tome mais uma dose de uísque, mamãe — William suge riu, atendendo ao pedido de socorro no olhar da filha.
— Boa idéia. — Olívia estendeu-lhe o copo vazio. — Você ainda não viu como o jardim está florido, Rony. Mione, leve este yankee para fora e mostre-lhe as minhas flores.
Hermione presenteou a avó com um olhar dos mais gelados.
— Tenho certeza de que Ronald...
— Eu adoraria — ele disse, completando a frase por ela e pondo-se de pé.
Hermione não saiu do lugar e sustentou-lhe o olhar com frieza.
— Eu não...
— O que é isso? — interrompeu-a. — Não está querendo me mostrar as flores que são o orgulho de sua avó? — E foi até ela para ajudá-la a se levantar.
"Você me paga, Ronald Weasley!", disse para si mesma, odian do a idéia de ficar sozinha com ele. Ah, se os outros não es tivessem presentes, ela o trataria de acordo.
— Você adora fazer isso, não? — murmurou entre os dentes, quando a porta se fechou atrás deles.
— Isso o quê?
— Me provocar.
Ele deu risada, mas, antes que tivesse a chance de retrucar, Hermione saiu na frente.
— Aqui está o jardim — anunciou, com um gesto largo e forçado. — E você não vai querer ver mais nada, porque não estou com a menor disposição para ser seu cicerone.
Rony pegou-lhe uma das mãos.
— Quer parar? — ela ordenou, tentando se soltar. — Você agora deu para fazer isso. Está pondo as manguinhas de fora.
— Eu sempre faço o que tenho vontade. — Sem que ele a soltasse, entraram no jardim. — Além disso, você não está se empenhando muito para me mostrar as flores de Olívia. Se vol tarmos para a sala agora, ela poderá suspeitar que você sente por mim algo mais do que gostaria de admitir.
— Está brincando? — disse ela, com voz sarcástica, mas por dentro sabia que ele tinha razão. Era melhor tolerá-lo e agir com naturalidade, para não alimentar as fantasias da avó.
O Sol morria no horizonte e o jardim parecia o próprio pa raíso. Fazia muito tempo que Hermione não visitava aquele recanto ao entardecer. Caminharam em silêncio por entre as flores e as árvores. Os pássaros começavam a se aquietar e uma fragrância suave perfumava o local. Rony encheu os pulmões, enquanto Hermione comentava, sem pensar duas vezes:
— Eu sempre adorei ficar aqui. Tanta paz, tanta beleza...
Acho que já havia me esquecido de como as tardes são lindas, neste jardim.
Ele sabia que Hermione tinha uma veia para o romantismo, mas, mesmo assim, ficou surpreso diante daquela demonstração ines perada. Naquele instante, ela trazia no semblante o ar sonhador do irmão, algo que pela primeira vez deixava transparecer aos olhos de Rony. O que mais essa mulher trazia escondido dentro de si?
— Provavelmente as noites sejam ainda mais bonitas — mur murou ele. — Doces, quentes e com uma certa magia.
— Quando eu era menina, costumava vir até aqui ao pôr-do-sol, fingindo que havia alguém à minha espera. — A lembran ça a fez sorrir, meio sonhadora, meio saudosa. — Às vezes, ele era moreno, às vezes loiro, mas sempre alto, bonito e misterio so. O tipo de homem que todo pai sonha para a filha. — Riu, deixando os dedos pousarem sobre uma camélia. — Estranho, esse tipo de fantasia na mente de uma pessoa tão prática e rea lista como todos julgam que eu seja. Ninguém ousaria pensar que eu poderia me apai...
A frase ficou interrompida, quando, voltando a cabeça, Hermione se viu próxima a Rony, tão próxima que podia sentir-lhe o odor másculo ressaltando sobre a fragrância que se desprendia das flores. O hálito quente acariciava o rosto dela como se fosse a brisa suave que vinha da tarde. O crepúsculo dava uma coloração dourada à luz e, envolto no lusco-fusco, Rony se pa recia muito com o homem que costumava vir ao encontro dela nas fantasias da adolescência.
— Você estava dizendo... — disse ele, vendo-a hesitar. Falavam baixinho, como se estivessem trocando segredos. O Sol desaparecera totalmente, deixando um rastro vermelho no horizonte.
O rosto dele era muito bonito, Hermione pensou de repente. Os olhos eram os de alguém que não costuma dar um passo adiante sem ter a certeza de que o caminho está livre. Olhos espertos, astutos como os de uma raposa. Não era de admirar que ele conseguisse tantas informações sem precisar cutucar as pessoas. E a boca? Como Hermione não percebera até então o quanto aque les lábios eram sensuais e tentadores? Talvez houvesse notado isso desde o primeiro instante em que o vira, embora fingisse não estar atenta a esse detalhe. Deviam ser macios, imaginou, ao deter o olhar sobre eles. Macios e ao mesmo tempo violentos, apaixonados. Essencialmente másculos. Bastaria a ela chegar mais perto, erguer o rosto e...
Arregalou os olhos, diante do rumo inesperado dos próprios pensamentos. Bom Deus, o que acontecera com ela? Ronald faria caçoada durante um mês, se chegasse a desconfiar do que se passara na mente de Hermione durante aqueles últimos segundos.
— É melhor entrarmos — disse ela friamente. — Já está quase na hora do jantar.
Rony teve desejos de agarrá-la e roubar aquele beijo que ela quase lhe dera espontaneamente. Mas, se fizesse isso, jogaria por terra todos os progressos conseguidos até então. Há muito tempo desejava Hermione. Tempo demais. Sabia que ela não era do tipo que aceita abordagens convencionais. Nada de galanteios, por enquanto. Muito menos beijos.
"A paciência é a chave do sucesso, meu caro", advertiu a si mesmo mais uma vez. Procurou compensar a frustração dizen do-se que aquilo estava ficando mais divertido do que ele pode ria esperar.
— Já? — O tom era estudadamente irônico. — Se Olívia houvesse pedido a você que mostrasse o jardim para Mclaggen, duvido que quisesse entrar tão cedo.
— Minha avó nunca sugeriu que eu viesse até aqui com Cómarco — ela explicou sem pensar, mas logo em seguida teve von tade de morder a língua.
— Ah... — Um simples monossílabo pronunciado com tan to sarcasmo. Era evidente que as provocações iriam recomeçar.
— Não comece a falar de Cómarco. Você sabe que não admito isso — Hermione foi logo dizendo.
Matt deu um sorriso inocente.
— Mas eu nem falei nada...
— Ele é um homem muito bom, educado e... e inofensivo.
Rony soltou uma risada e olhou para o alto.
— Deus me livre de um dia ser rotulado de inofensivo.
Hermione apertou os olhos, como se quisesse fuzilá-lo.
— Eu vou lhe dizer o que você é, Ronald Weasley — amea çou em voz baixa e vibrante. — Intolerável e arrogante!
— Muito melhor. — Incapaz de resistir, ele deu um passo adiante e pegou-lhe uma mecha dos cabelos. — Não tenho a me nor intenção de ser educado ou inofensivo.
Ah, por que ele tinha que roçar os dedos no pescoço dela? Só se ela fosse feita de pano, para não sentir nada. Nem mu nida de todo o seu autocontrole, Hermione poderia impedir que aquele arrepio percorresse todo o seu corpo. Só lhe restava rezar para que ele não houvesse notado.
— Pois, se isso lhe agrada, saiba que você é muito mais — replicou com voz alterada. — Além de grosso, é rude e...
— Perigoso? — adivinhou ele, inclinando a cabeça até che gar a alguns milímetros dos lábios dela.
— Não se atreva a pôr palavras na minha boca, Ronald. — Era só o que lhe faltava: o coração disparar daquele jeito e a respiração se acelerar como se ela tivesse acabado de parti cipar de uma corrida. Deu um passo para trás, e teria saído dali imediatamente se Rony não lhe tivesse barrado a passagem.
— Vai fugir, Mione? — Dessa vez, ele tinha certeza de que ela não estava apenas com raiva. Havia algo mais por trás daquelas palavras mal-humoradas. Medo, talvez?
Hermione endireitou o corpo e ergueu o queixo.
— Fugir de quê? De você? Não me faça rir, Weasley. Já é insuportável ter que agüentá-lo todos os dias no Herald, por isso você não vai me obrigar a ficar na sua companhia durante as minhas preciosas horas de folga. Tenho coisas muito mais agra dáveis para fazer. Com licença, vou entrar. — E chegou bem perto dele para frisar: — Porque estou com fome.
Dando-lhe as costas, saiu, com passos duros, na direção da casa. Rony ficou onde estava, vendo-a se afastar. Aquilo, sim, é que era mulher, pensou, sentindo-se estimulado. Sexo com ela devia ser uma experiência e tanto, e ele não pretendia perder tempo.
Bom esse foi o primeiro capítulo espero que gostem, se tiver erros de português, me desculpem, meu computador está com o teclado ruim e eu nem percebo quando ele deixa de escrever alguma coisa.
