Inevitável
Observava as próprias mãos contorcidas uma à outra, dedos pálidos entrelaçados contrastando com as sombras no piso de pedra. Mantinha a cabeça baixa, os pensamentos distantes, o corpo tenso. Nos últimos tempos pegar no sono vinha sendo uma árdua tarefa, quase impossível. Além disso, quando finalmente apagava, seus sonhos eram sempre conturbados.
Lançou um olhar de esgueira para a grande cama de dorcel onde a bruxa dormia um sono solto sob as cobertas de pele. Sua pele alva e os cabelos claros contrastando com a pelagem escura das cobertas. Deveria estar ali com ela, aproveitando do calor da cama e de seu corpo, aproveitando para relaxar, mas não, limitava-se a observá-la. De onde estava sentado não era capaz de fitar seu rosto, mas sabia, como uma certeza quase que absoluta, que se pudesse fitar sua face veria um pequeno sorriso. Para os tolos e iludidos nada era mais importante do que sua própria torpeza.
Saiu da cama sem fazer barulho, caminhando rumo à sala no andar inferior. O vento castigava as janelas, o inverno se aproximava rapidamente, mas ele não sentia frio. O escritório ainda estava abarrotado com as coisas dele, mas nada podia fazer. Na verdade, nada queria fazer. No fundo sabia que sua permanência ali era transitória, que cedo ou tarde teria um fim. Àquela hora da madrugada os quadros dormiam na penumbra da sala iluminada apenas pelo luar.
Fitou Dumbledore submerso em seus próprios pensamentos, tinha lhe traído, lhe usado e parte de si sentia-se satisfeito com a morte do velho diretor, mas apenas uma parte ínfima de seu ser, uma parte tão pequena e irrisória que era facilmente ignorada.
Serviu-se de uma larga dose de firewisky, afundando na cadeira de espaldar alto da escrivaninha. Queria poder deitara cabeça no travesseiro sem sentir a culpa lhe consumindo, corroendo sua alma por completo.
- Por que está de pé há essa hora?
Desviou a atenção da bebida para a bruxa que se aproximava vagarosamente, usando nada além de sua camisa branca como camisola. O esboço de um sorriso lhe passou rapidamente pelos lábios enquanto a observava.
- Não consigo dormir.
Ela apenas assentiu ao tomar-lhe o copo das mãos, sorvendo seu conteúdo com um único gole. Pousou o copo na escrivaninha e sem cerimônias acomodou-se no colo dele, com os joelhos descansados de cada lado dele no estofado da cadeira. O que os falecidos diretores pensariam se se deparassem com aquela cena? Aquilo o fez expirar pelas narinas, num ar desdenhoso. Dumbledore com certeza jamais teria sido flagrado em tal posição.
Incapaz de ignorá-la por completo agora, afundou a mão em seu pescoço e cabelos, estudando os olhos azuis da bruxa por um momento. Havia compreensão em seu olhar, mas mais que isso, havia também uma ponta de carinho que ele preferia ignorar.
- Seu sentimento de culpa é tocante. – A ironia brincou em seus lábios, mas seus olhos denunciavam a mentira. Ergueu as mãos para acariciar os ombros dele e aproximou seus rostos vagarosamente. Essa era um jogo que ela conhecia bem e para sua perdição o executava maravilhosamente. Numa outra vida poderia ter tomado ela para si oficialmente, nessa jamais.
- Sua ignorância não. – O sorriso dela apenas se abriu ainda mais e pressionou o corpo contra o dele. Palavras duras e ofensas não eram o suficiente para afastá-la, pelo contrário, quanto mais ranzinza ele estivesse, mais ela parecia se divertir.
Seu calor era bem vindo, Severus não podia negar. Envolveu o braço livre pela sua cintura e a puxou ainda mais para si, deixando que seus lábios se tocassem. – Está proibida de voltar aqui.
- Por quê?
- Porque já carrego culpa o suficiente.
Rita Skeeter não o questionou. Simplesmente o beijou com ardor por longos momentos, inebriando seus sentidos a ponto de fazê-lo esquecer, por um segundo sequer, que o fim não dardaria a chegar. O fim que para ele era bem vindo. O fim que ela queria evitar.
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