Capítulo Um – Depois do pesadelo
Havia névoa.
Tudo ao meu redor era acinzentado... E a névoa.
A névoa escura e densa que percorria todo o perímetro do local em que eu me centralizava. A névoa que fazia cada segundo parecer sombrio e aterrorizante. Era só o que ali havia. Névoa.
Um arrepio percorreu minha nunca e me fez tremer.
Havia mais gente ali.
Virei-me para encontrar com Rose, que falava palavras ininteligíveis. Mas o quê... O que ela estava falando?
Eu não entendia. Mas ela me abraçou. E seu abraço foi como uma espuma que se desfaz assim que tocada. Eu me senti afundar um pouco na névoa, e alguém disse:
- Bella, isso...
Isso o quê? Eu tentei perguntar... E tentei achar quem falava comigo... mas o salão estava vazio.
Uma luz se acendeu e um telão foi iluminado.
Como em um pressentimento ruim, eu senti uma sensação terrível de abandono. E então, o que era somente um pressentimento, infelizmente, se tornou realidade.
O barulho do despertador me fez levantar o braço involuntariamente.
Ali estava eu, viva.
Sim, eu havia sobrevivido ao pior dos meus pesadelos. Mas não era uma coisa que eu queria: estar viva. Não, eu daria tudo pra poder ficar ali na cama por mais um tempo; o suficiente para conseguir chegar atrasada ou não ir à escola. O suficiente para melhor me preparar para o que viria.
O suficiente para tentar esquecer o que se passou.
Tentar esquecer ele.
O que não era possível nem com todo o tempo do mundo armazenado. O que não seria possível nunca, jamais. A não ser que... A não ser que eu não precisasse disso. Mas eu precisava. Precisava esquecê-lo. Ele havia me feito sofrer. Me feito passar por tudo aquilo na noite anterior. Ele...
E então eu senti minha bochecha umedecer.
Passei a mão por ali com força, tentando conter as lágrimas que percorriam descontroladamente meu rosto.
Meu rosto estava com uma textura diferente. Áspero.
Suspirei. Eu tinha chorado, eu sabia. Mas... Eu não queria, de forma alguma, lembrar da noite anterior e de tudo que eu havia passado.
O que foi impossível: assim que eu levantei da cama, me deparei com um quarto quase todo destruído – algo que eu devia ter feito com as próprias mãos, algo que me fizera pôr para fora tudo que eu precisava. Tudo que me fazia me sentir desconfortável, como o vestido azul de festa rasgado e jogado de qualquer jeito em cima da cadeira da escrivaninha.
O vestido que ele via me dado.
Como eu poderia esquecê-lo, se ele simplesmente estava em todos os cantos da minha vida?
Não dava. Eu não podia. Eu não conseguia.
Mas eu tinha, e devia.
Levantei as persianas para que alguma luz adentrasse o quarto. E foi quando eu percebi que não era somente o quarto que estava bagunçado. Eu estava assombrosa.
Minhas olheiras ocupavam metade das minhas bochechas, e eram seguidas pela maquiagem borrada e o cabelo bagunçado.
Virei-me de volta para o quarto e, então, tentando esquecer as páginas de livro rasgadas, os porta-retratos quebrados e as roupas jogadas, eu entrei no banheiro e fiz o máximo que pude para pensar ou na matéria de Trigonometria ou Biologia ou o que quer que fosse que mantivesse minha cabeça ocupada.
Não era bem o que eu queria, mas passei a maior parte do banho pensando em como Alice e Jasper foram feitos um para o outro. Ou como não existia alguém que melhor podia me entender como Rosalie. E era só do que eu precisava hoje. Rosalie ao meu lado. Ela entenderia, e, apesar de tudo, ficaria ao meu lado.
Era por isso que eu não entendia Alice.
Rose era doce, inteligente, companheira e tinha um humor inigualável. Não era à toa que as duas viviam juntas, até que Alice resolveu se distanciar. Sem mais, hoje elas quase nem se falavam.
É estranho, mas nunca tive vontade nem coragem nem realmente interesse para descobrir qual fora o motivo de sua separação. Alice e Rose eram como Emmett e...
Por favor, não, pedi a mim mesma. Eu não queria pensar nele, eu não queria sofrer. Não mais.
Eu já estava arrumada para ir à escola, já havia lavado a louça do café da manhã e agora ouvia Charlie acelerar com a viatura pela estrada. Ele havia saído, e eu estava sozinha.
A sensação de abandono que eu vinha sentindo recentemente tomou conta de mim novamente.
Resolvi me apressar. Peguei minha mochila, chequei se tudo que eu precisaria estava ali dentro e fui até a minha picape, que por tanto tempo havia sido inutilizada, já que todos os dias eu tinha alguém para vir me buscar de manhã cedo. Mas que hoje não estava ali.
Acelerei, inspirando pela última vez o ar, que tinha cheiro de folhas recém-molhadas.
A chuva. A marca de Forks.
Ao chegar à escola, o primeiro carro que eu notei fora um Volvo reluzente e muito chamativo estacionado na mesma vaga de sempre – em frente ao banquinho em que nós usualmente nos sentávamos e esperávamos por nossos amigos para depois ir à aula.
Mas o banco estava vazio. Não havia ninguém sentado ali.
Estacionei na vaga mais próxima da entrada da escola e desci do carro com minha mochila nas costas.
Eu não queria encontrar com Edward, mas não devia procurá-lo para poder adiar nosso encontro. Eu devia ser natural, e somente ignorá-lo.
O que não foi possível, porque, quando eu passava em frente ao Volvo em direção à secretária, para pegar uma caderneta ou algum informativo que me mantivesse ocupada, eu ouvi duas vozes familiares conversando em um tom incomum.
– Você está pirando, cara – dizia Jacob usando um tom meio que envergonhado. Ele falava baixo, mas ainda assim em tom de zombaria. – Eu não sei o que fez você ficar assim, mas...
Fui diminuindo a velocidade do meu percurso e tentando ver, por minha visão periférica, tudo que acontecia.
Edward disse algo ininteligível, como se notasse meu interesse, e apoiou sua seu punho fechado no carro mais próximo, com força. Jacob recuou uns passos.
– Calma. Você não acha que está tirando conclusões precipitadas? – indagou ele.
Sem perceber, virei-me para os dois e fiquei parada observando suas reações. Jacob, que estava de costas para mim, sustentava um pé atrás do outro, pronto para qualquer movimento brusco de Edward, que parecia fazer seu máximo para se controlar.
Foi então que o olhar dele encontrou o meu, e eu senti meu rosto esquentar, ferver, e meu olhos lacrimejarem. Abaixei o rosto de imediato assim que Edward levantou a sobrancelha e disse, com clareza:
– Eu sei o que você fez.
Ele puxou sua mochila de cima do carro e eu senti seus olhos me guiarem até ele passar por minha frente e seguir seu caminho, deixando para trás apenas seu aroma delicioso.
Mas eu me contive: virei-me para Jacob e tentei não inalar a brisa que vinha da direção que Edward caminhava.
– Ei Jake – cumprimentei.
– Ei Bella. – Ele pareceu feliz ao ouvir minha voz. – Está tudo bem?
Eu mordi o lábio. Ele notou.
– Que pergunta – disse. – Desculpe.
– Não é nada. Estou... bem.
Ele sorriu, mas ficou em silêncio.
– Você não me parece bem – observei. – Você tem vestígios de tensão. Alguma coisa...
– Estou absolutamente bem – respondeu ele rapidamente. – Mas, com licença, Bella, é que tenho de falar com o Emmett.
– Tudo bem. Tchau Jake.
– A gente se vê.
Faltavam alguns minutos para dar o horário de entrar em sala, quando finalmente Rosalie chegou com seu carro chamativo pelo estacionamento e veio até mim, com um sorriso de orelha a orelha, óculos grandes e inadequados para um dia tão pouco ensolarado, um lenço enrolado no pescoço e luvas de couro.
– Você está parecendo uma atriz hollywoodiana – elogiei. Ela fez uma careta. – É sério. Uma daquelas que anda em carros conversíveis com os cabelos ao vento.
Rosalie riu e pôs-se a tirar suas luvas dedo por dedo.
– Que bom, porque estou precisando realmente de algo pra melhorar minha autoestima.
Desta vez fui eu que ri. Como uma garota loira, das dimensões de Rosalie, podia ter problemas de autoestima?
– O quê? – Ela se sentou ao meu lado. – Meus pais estão pensando em mandar o Jasper para o Quebec, para morar com nossos avós. E, provavelmente, se o Jasper for eu vou também. Minha mãe diz que estou precisando, por causa das minhas notas. Eu me esforço, Bella.
– Eu sei, Rose. Mas o Jasper não vai para o Quebec. Assim que a Alice souber, ela vai oferecer sua própria casa aqui como estádia pra o Jasper.
– Acho mais provável que ela vá junto com ele para o Quebec.
Mordi o lábio.
– De qualquer forma, como você está? Não parece muito bem, está pálida – observou Rosalie. E logo levou a mão à boca. – Você... Ontem... Oh, meu Deus, Bella, como não pensei que você estivesse assim?
– Eu estou bem, Rose.
– É o que eu espero, mas não o que aparenta – suspirou ela. – Bella, não acho que você devia sofrer por ele. Sinceramente, o que ele fez...
De impulso, olhei para o relógio que já indicava o início da aula.
– Estamos atrasadas. Você vem? – perguntei.
– Trigonometria? – perguntou ela com desânimo. Assenti. – Ah, não.
– Pense no Quebec – incentivei. – Vamos.
o o o
– Você está perfeita.
Corei e tentei encarar o chão.
O vestido azul que Edward havia me dado há uma semana era divino, um vestido digno de vestuário de princesa. Era confortável, delicado, e fazia qualquer um se sentir algo a mais dentro dele. Mas não que eu estivesse perfeita.
Senti a palma macia de Edward erguer meu rosto lentamente e, ao encontrar seus olhos verdes e cintilantes como um mar de esmeraldas, pude ver sua expressão divertida e fascinada ao mesmo tempo. Eu sorri.
– Obrigada, mas...
E então, sugestivamente, observei Edward dos pés à cabeça, notando cada detalhe que não poderia esquecer dessa noite. Ele vestia uma calça escura e uma camisa salmão, que combinava perfeitamente com sua pele branco-rosada.
Ele passou a mão pelo cabelo molhado e deu um meio sorriso.
– Mas o quê? – perguntou, rindo.
– Estou sem palavras – respondi.
– Hmmm. – Edward me puxou pela mão e me guiou até a beira de sua cama, onde nos sentamos e ele continuou: – Tenho um presente pra você.
– Eu não acredito – respondi, sorrindo. – Um vestido lindo como esse não foi suficiente? O que vem desta vez?
Ele pareceu satisfeito e voltou-se para o criado mudo, de onde tirou uma pequena caixinha preta, e eu arfei.
– Edward, eu não...
Ele ergueu uma sobrancelha ao voltar a me encarar. Entre nós, ele segurava a caixinha, para que eu a pegasse e a abrisse, mas não tive coragem de deixar os olhos hipnóticos por movimento algum, então ele o fez.
– O que acha? – perguntou.
Direcionei meu olhar com relutância até a caixinha agora aberta.
Havia algo que brilhava ali dentro. Uma pedrinha. Um anel.
Um anel delicado, fino, com apenas uma pedrinha no meio. Uma pedrinha incomum, mas linda, que brilhava mais intensamente a cada ângulo que era vista.
– Eu... Meu Deus, Edward! É... É linda! Tão diferente, tão... tão... Eu nunca vi um anel assim! – comentei, admirada.
– Me lembra você. Quero dizer, para mim, você é assim. Linda, delicada, diferente... E como neste anel, é única.
Ele ergueu o dedo para limpar meu rosto da lágrima de emoção que contornava minha bochecha. Eu ri e levei as mãos à boca.
Edward me encarava atentamente, com um sorriso sincero nos lábios cor de rubi. Ele pegou minha mão esquerda e ali colocou o anel, que se encaixou perfeitamente em meu dedo anelar. Assim que terminamos de admirar minha mão, não pude resistir a abraçá-lo com a maior força que pude reunir.
Ele se jogou para trás, e nós caímos juntos.
Com meu rosto em suas palmas, encarei seus lábios avermelhados e não pude resistir, mais uma vez: cheguei mais perto, e toquei-os com os meus.
A sensação de quentura perpassou meu corpo como sempre quando eu o beijava. Edward estava ali, e nada mudaria isso.
Seus lábios moviam os meus doce e delicadamente, cada vez mais rápido, e cada vez mais intenso.
– Eu te amo – ele sussurrou em meu ouvido, causando um arrepio em minha nuca. – Muito.
– Eu, mais – respondi, apenas, notando que agora era eu quem estava por baixo, e que havíamos girado pela cama.
Ri e puxei-o pelo cabelo macio até mim novamente e – desta vez com mais urgência – nós nos beijamos. Eu podia sentir uma de suas mãos deslizar de minha cabeça, por meus braços, até chegar em minha cintura, e ali se manter pressionada.
