O gelo começava a esfarelar, abandonando sua forma de caixão e subitamente, revela um corpo inerte, porém vivo. O cavaleiro de Aquário despertava de sua morte ainda relembrando suas últimas ações. Apenas um pensamento: Seraphina. Ele podia sentir o gosto dela nos lábios, mesmo que não os tenha beijado e agora ele desejava mais do que tudo vê-la.
Julgando que estava nos Elísios ou em qualquer um dos mundos reservados para aqueles que cumpriram sua missão com perfeição, começou a perambular pelo local que parecia e muito com a caverna onde encerrara seus dias como cavaleiro e também chamava-lhe a atenção o fato que ainda podia sentir o cosmo de seu amigo Kardia pelas proximidades.
Não se deixando levar por detalhes tão pequenos que pudessem lhe desviar de sua busca mais importante, continuou sua jornada ainda com a mente conectada à jovem de cabelos prateados que foi sua última visão antes de morrer. Eles teriam que acordar juntos, morreram juntos, claramente estariam juntos ao menos para as formalidades da pós-vida. Ele os conduziu para o descanso eterno e ao menos o passeio com o barqueiro fariam juntos. Era o que lhe diziam, era o que estava escrito em seus livros e nas estrelas e o que reverberasse de sua união efêmera com Seraphina, ele saberia lidar. O resto ele decidiria quando chegasse o momento, contudo, o momento teria que chegar para que pudesse traçar um plano.
E foi exatamente neste momento em que ele percebeu que não estava morto. Seu corpo carregava dores do congelamento e podia sentir tudo ao redor, ainda sentia seu amigo Kardia e olhou para a sua armadura como se ela pudesse responder às dúvidas que assolavam o seu coração. Ela pesava em seu corpo, em uma forma de trazê-lo à consciência vivente. Não, não havia peso no mundo dos mortos, os sentimentos eram interiores. O tato, o gosto, os cheiros eram apenas sensações que ainda ficavam na memória, espécie de resíduos dos últimos momentos, mas aquelas propriedades sensoriais tão fortes somente pertenciam aos seres viventes.
Degel sobrevivera ao esquife de gelo, a única técnica a qual ele não tinha uma saída, mas e Seraphina? Ela não era um cavaleiro, não tinha sua resistência física. Ela estaria viva? O corpo dela criara resistência pela exposição à alma de Poseidon? Ela estaria por ali, dormindo apenas esperando para que ele a acordasse?
Contudo, o fato de ainda estar vivo ainda denotava que nenhuma outra mulher merecia a devoção de um cavaleiro além de Athena, embora o que sentisse pela deusa nem se comparava com os sentimentos pela irmã do amigo, era um pecado que se assemelhava com o original que os cristãos tanto falavam. Os homens nasciam com uma mancha e Degel adquirira mais uma: seu amor por Seraphina. Era estranho admitir aquilo mesmo em pensamento, que um dos cavaleiros que mais observava as regras, tinha transgredido apenas a mais sagrada de todas.
Não conseguiria esquecer e agora tudo o que mais queria era encontrá-la. A mulher habitava seus pensamentos desde muito antes dele colocar os pés na Grécia como o tão ovacionado Cavaleiro de Aquário. Costumava pensar nela em estações do ano, as que conhecia dos livros, pois as sensoriais apenas se dividiam entre inverno e inverno menos rigoroso.
Conforme as estações passavam, Seraphina era vista de uma forma diferente por Degel: no outono, que era onde o inverno dava uma trégua, ela era vista como a irmã ocupada de Unity, que mal tinha tempo para dar um oi ou contar uma história, distante, solicitada. Inverno era onde Degel sentia um desagrado por Seraphina, a ingrata que não dava valor aos sentimentos pueris e não queria abandonar BlueGard pela Grécia e ainda conseguia ver algo positivo naquelas geleiras sem vida. Mentirosa, que o enganava dizendo que tudo ficaria bem e que o sol chegaria no outro dia. Mentia, pois o sol era ela mesma. Apenas não percebia isso e aquela suposta modéstia despertava uma espécie de ira no garoto. A primavera era a estação favorita de Degel, era quando Seraphina estava em todo seu esplendor e onde o sentimento do guri explodia de orgulho. Aquela mulher era o sol, era as flores, era a síntese de tudo o que era bom e puro no planeta, não era Athena. Athena era uma obrigação que ele nunca parou para pensar o motivo que o levou até ela, já Seraphina era todos os motivos em um só. E no verão, Degel se via como um homem impuro, já que os pensamentos que dirigia à irmã de seu amigo não poderiam ser vistos apenas como de um amigo para outra amiga, seu corpo fervia e ele nunca poderia vê-la que já ruborizava e pensava no sonho menos apropriado que tivera na noite anterior.
Apenas tinha uma certeza: a amava.
E se tivera outra oportunidade de viver, aproveitaria para confessar-lhe o sentimento. Faria como se tivesse que proteger Athena e agora, o homem se deparou com a missão mais importante de sua vida.
