Capítulo 1 - O Acidente

A musica eletrônica tocava alto na sala. Tudo parecia confuso e as luzes coloridas não paravam de se movimentar, iluminando hora um casal se amassando, hora um cara bebendo, hora uma garota vomitando no vaso de planta. Eu estava confortavelmente sentado no sofá, observando aquela confusão de jovens fazendo tudo que seus pais disseram pra não fazer. Claro que eu também não estava obedecendo aos meus. Naquela hora, nem eu mesmo conseguia lembrar o meu nome.

–Então, Eddie – a garota loira que sentava a minha direita alisou meu ombro – Quer mais uma bebida?

–Não – eu respondi seco. Odiava quando me chamavam assim. Qual era o nome dela mesmo?

– Estou bem.

–Que tal um baseado? Tenho um bem aqui – a morena do outro lado me ofereceu.

–Esse eu vou querer – eu sorri lentamente, meus sentidos completamente lentos.

–Porra, Eddie... Não vai dividir com os amigos? – James perguntou, sentando entre eu e a morena assim que peguei o cigarro de maconha.

–Te dou metade quando terminar... – eu falei, empurrando ele pra se afastar um pouco de mim.

–Ei – a morena reclamou – esse é meu ultimo.

–Então não devia ter oferecido – James a olhou sombriamente.

Ela deu uma bufada e saiu, balançando a saia curta que quase mostrava a calcinha.

–Eu tava pensando em comer aquela – eu reclamei – Babaca, pergunta da próxima vez.

–Foi mal – James riu quando pegou o baseado que eu estava oferecendo. O cabelo loiro curto e os olhos verdes davam a ele uma aparência tão inofensiva que contrastava com a personalidade do maldito. James era o filho problema de um grande empresário – Pra você não reclamar vou te levar pra casa – ele tragou – Já que seu velho tirou seu carro.

–Você ia me levar de qualquer forma – eu o olhei cético – Não tenta se redimir.

–Justamente vim pra te avisar... Amanhã tenho uma reunião ou alguma merda assim com os sócios do meu pai – ele devolveu o cigarro e eu traguei – Vamos embora cedo.

–Cara – eu olhei aquela pupila dilatada e olhos vermelhos – você tá bêbado... Vai ter que esperar baixar.

–Eu estou tranquilo – ele se levantou e eu deu uma ultima tragada, deixando o cigarro sobre a mesa – Vamos logo.

–Pode voltar comigo se quiser ficar mais – a loira que estivera em silencio disse – Assim podemos aproveitar mais – ela sorriu.

Eu levantei e olhei-a de cima.

–Escuta, eh... – eu tentei lembrar o nome dela.

–Roselie – ela me lembrou.

–Isso. Você já deu pra metade da escola, porque eu iria transar com você? – eu me virei e antes de sair, terminei. – Seria como assistir um filme que todos me contaram como acontece.

James estava dirigindo como um louco. Mal conseguia se manter na faixa. Eu não estava melhor que ele, mas pelo menos não estava dirigindo: eu cuidava do rádio. Deixando a musica indecente tocar alto enquanto nós cantávamos juntos a letra chula e pornográfica.

–Foi mal por estragar sua noite. – James falou, abaixando ligeiramente o volume do som – Mas eu tava louco por um baseado. Meu pai começou a vasculhar meu quarto, então tava foda guardar algum lá.

–Não banca o sentimental – eu falei – não faz diferença, você sabe. – eu falei, dando um gole numa garrafa de vodca que tínhamos levado da casa de Jessica.

James bufou e enfiou a mão na buzina.

–Que caminhão mais filha da...

–Ultrapassa - eu falei com simplicidade.

–Exatamente – James falou com um sorriso no rosto.

James acelerou o carro e entrou na pista ao lado. Não tínhamos visto o pequeno carro vermelho que vinha na direção contraria. Lembro-me de largar a garrafa e proteger meu rosto, James apertou o volante com força enquanto o outro carro desviava e voava em direção ao muro de concreto da calçada.

Pude ouvir o forte freio do nosso carro, o ferro do outro amassando, o vidro se partindo. O caminhão continuou a viagem, e logo a rua já estava vazia. O estrondo de todo o acidente parecia ter durado horas, quanto mais eu esperava que o barulho parasse, mais ele se prolongava, e assim que ele parou, o silencio se estendeu por tudo ao nosso redor, tão intenso que sentia meu ouvido apitar.

–Merda – James gritou – O que nós vamos fazer?

–Porra, James – eu falei, minhas mãos tremendo e a cabeça girando – Desce lá e dá uma olhada!

Hesitante, James abriu a porta do carro e saiu. Um segundo depois fui com ele. Aproximamo-nos apreensivos do carro vermelho destruído. Meu sangue latejava em minha cabeça conforme dávamos cada passo para frente. A porta estava aberta de forma desfigurada e uma pessoa banhada a sangue curvada sobre o volante. Aproximava-me ainda mais quando uma mão apertou meu ombro.

–Não toque.

–É uma garota – eu falei – temos que chamar uma ambulância.

–Não – ele me cortou – temos que voltar e ir embora o mais rápido possível.

–O que? – eu gritei – James, pega a droga do celular e liga logo...

Minha frase foi interrompida quando seu punho bateu contra meu rosto, me deixando atordoado.

–Entra agora na merda do carro, ou eu te deixo aqui – ele berrou – Não é a hora de bancar o certinho. O que seu pai vai dizer se souber disso? Falta pouco pra você ser expulso. E eu também.

–Maldito – eu resmunguei alisando meu rosto.

–Entra agora na merda do carro.

Ele se virou e sentou-se no banco do passageiro. Eu olhei pra trás. Ainda podia ver a garota curvada sobre o volante. Ela estava viva. Com um suspiro caminhei de volta pro carro e comecei a dirigir, nos levando para longe o mais rápido possível do acidente.

O silencio dentro do carro era denso. Eu lutava pra manter meus sentidos atentos, mas a bebida e a droga me deixaram lento. Eu queria gritar com ele por ter me batido. Por ter batido o carro. Meu coração ainda estava acelerado, a imagem da garota quase morta piscava em minha mente, revezando com o asfalto iluminado pelos faróis caros.

Minhas mãos estavam suando em volta do volante e os nós dos meus dedos amarelaram com a força do meu aperto. Olhei para o lado, James mantinha as mãos sobre os joelhos, coçando nervosamente o jeans. Seu olhar estava fixo em frente, na fuga para esquecer o que ficou para trás.

–Olha pra frente, se não vamos bater de novo.

A voz de James foi silenciada por uma patrulha policial. A luz vermelha e azul brilhava no retrovisor.

–Caralho – ele reclamou – Estávamos tão longe do acidente! Não é possível que...

–Cala a boca – eu bufei enquanto o policial andava em direção ao nosso carro – É só ficar quieto. Nada vai acontecer. Não sabem que fomos nós. Já estamos na principal.

O policial bateu na janela e eu engoli seco enquanto abaixava o vidro, olhando fixamente para frente. Eu não queria olhar, mas me forcei a encarar o policial.

–Carteira de habilitação e documento do carro – ele exigiu.

James se curvou e abriu o porta-luvas, pegando o documento do carro enquanto eu abria minha carteira e cuidava da habilitação. Entreguei ao policial os documentos.

–Então, James Cooper e Edward Cullen – o policial curvou-se - Será que vocês se importariam de fazer um pequeno teste? Se chama "Andar na linha sem cair".

A delegacia estava movimentada naquela noite. Quando eu e James entramos pela porta, acompanhados pelo policial, os policiais lá dentro nos cumprimentaram.

Devolvemos os acenos e nos encaminhamos para um sofá de couro preto, não nos levavam mais para a cela. O sofá estava furado e a espuma amarela vazava para fora. Decidi que esse seria meu passa tempo. James permaneceu silencioso ao meu lado, coçando o jeans. A situação em si não era novidade para nós. Aquela não era a primeira vez em que estávamos numa delegacia esperando nossos pais chegarem e limparem a barra. Os policiais nos conheciam, eles sabiam quem nós éramos. A única novidade era o silêncio culpado que se estendia no ar como uma nuvem carregada. Antes até ríamos das merdas que fazíamos, ríamos da cara das senhoras que iam prestar queixa contra nós, ríamos até da cara de nossos pais quando eles chegavam com os cabelos desgre-nhados e roupas amassadas, colocadas às pressas.

Hoje não.

O pai de James não tardou a chegar. Os cabelos negros estavam despenteados, exatamente como achei que estariam. Os olhos verdes do pai nem se desviaram para nossa direção. Ele se encaminhou diretamente para o balcão. A porta se abriu e eu esperava que fosse meu pai, mas era só uma prostituta raivosa dando pontapés tentando se soltar dos policiais que a seguravam.

Soltei um suspiro desapontado e continuei mexendo na espuma amarela quando a porta se abriu nova-mente e meu pai apareceu. O cabelo loiro bagunçado foi até o balcão. Os olhos castanhos cansados fitavam em branco o policial. Eles trocaram algumas palavras, assinaram alguns papéis e meu pai pegou a antiga carteira preta do bolso traseiro, tirando de lá algumas notas.

O pai de James terminou com tudo e saiu pela porta sem dizer nada. James se levantou pesadamente e foi atrás do seu pai, sem olhar para trás. Alguns minutos depois meu pai se afastou do balcão e lançou um olhar para mim. Desviei dos seus olhos e me levantei, caminhando em sua direção. Com as mãos no bolso, andei em direção ao carro prateado estacionado próximo à porta. Quando entramos, ele soltou um suspiro. Até a metade do caminho de volta pra casa estávamos em silencio, eu estava satisfeito com isso, encarando a janela do passageiro com ar entediado.

–Você não podia nem ter dado um tempo antes de aprontar mais uma? – ele soltou de repente dando um soco no volante.

Eu não respondi.

–Quando vai tomar jeito? O que eu preciso fazer pra fazer você tomar jeito, Edward?

Eu não respondi.

–Quando você vai falar comigo? Estou cansado dessa situação. De passar a mão na sua cabeça e fingir que está tudo bem. Eu não paguei o arquivamento do caso – ele soltou de repente. Meus músculos travaram e eu fiquei atento.

Como assim ele não tinha pagado? E aquele dinheiro?

–O dinheiro que paguei foi só o da fiança – ele esclareceu como se tivesse lido meus pensamentos – Vou pagar um bom advogado, mas não posso continuar enfrentando essa situação.

Ele estacionou o carro na frente de casa. A luz da sala estava acesa.

–Eu apensas quero o seu melhor – ele falou sinceramente – Estou fazendo isso pro seu melhor. Quero que as coisas voltem ao normal. Você precisa conversar comigo, Edward. Diga alguma coisa.

–Eu... Eu te enojo.

Saí do carro deixando a porta do carro aberta. Entrei em casa, ignorei a mulher na sala que deu um salto do sofá quando entrei como um furacão e subi as escadas em direção ao meu quarto. Quando cheguei, tranquei a porta e respirei fundo. No escuro, caminhei até a janela. Meu pai ainda estava sentado no carro, as mãos no volante. De onde eu estava não consegui ver seu rosto, mas vi a mulher que, vestindo um roupão de seda, atra-vessou o quintal e entrou no carro, enlaçando os braços ao redor do pescoço do meu pai.

–Que os dois morram – eu rosnei com a raiva e revolta pulsando dentro de mim.