Já estava tudo escuro. Chovia muito. Eu estava correndo e com muito medo...
Meu nome é Annie. Anniella Karoline. Tenho 15 anos e moro em Cuiabá, Mato Grosso. Quer dizer, até agora. Até os meus 10 anos, minha família (minha mãe basicamente) mudava anualmente de cidade, mas já faz 5 anos que eu vim morar aqui.
Aquela informação veio como um punhal em meu estômago, ontem minha mãe me avisou que iríamos mudar de cidade de novo. Agora iríamos pra São Paulo.
Cuiabá era a cidade que eu mais passara tempo. Lembro-me de como conheci a minha melhor amiga:
"Estava sentada na sorveteria quando uma garota aparentemente normal apareceu e perguntou:
-Tem alguém sentado aqui?
-Pode pegar a cadeira. – respondi curta e grossa para ver se ela saia logo.
-Não é para eu pegar a cadeira, bobona – ela disse e se sentou- é para eu vim falar com você.
Ela me respondeu e eu fiquei pensando se a conhecia. Ela logo respondeu como se lesse a minha expressão de confusa:
-Você não me conhece. Não ainda. Prazer Larissa – ela disse estendendo a mão. Normalmente eu não iria aceitar conversar com ela, mas aquele sorriso era muito convidativo e ela parecia estar determinada a se tornar minha amiga... "
Eu a conheci no meu primeiro dia na cidade e ela foi a minha primeira melhor amiga. Pelo menos a primeira verdadeira.
Depois dela conheci seus amigos: a Jay Lee, o Paulo e o Rafael. Eles eram os únicos que pareciam se importar comigo. Eu os amava. Eu não podia deixá-los...
Eles são meus melhores amigos. E daqui a um dia iria perder tudo. Tudo.
"Me encontre onde tudo começou em 15 minutos", enviei para Lari afinal, eu tinha que me despedir deles, minha mãe avisara que nada que eu fizesse iria mudar a decisão. Nunca escrevia nome do lugar afinal minha mãe podia pegar meu celular e aparecer de surpresa lá.
Para os outros o código era outro: "Me encontre no melhor lugar da cidade em 15 minutos", eles era viciados em sorvete e sempre íamos lá depois da escola. Lembranças. Era o que ia virar tudo. Apenas. Lembranças.
Coloquei minha calça Jeans, um casaco e um All Star. Estava toda de preto. À noite, desapareceria nas sombras.
Desci as escadas e disse para a minha mãe que iria me encontrar com meus amigos.
Estava saindo e minha mãe quis me dar um beijo, mas eu desviei deixando-a "no vácuo". Ela sussurrou em meu ouvido:
-É tudo pra o seu bem.
Eu saí e bati a porta. Mal sabia de como me arrependeria de ter feito isso. E seria logo.
Fui andando devagar até chegar à sorveteria que ficava na esquina de minha casa. Logo avistei Larissa, sempre na hora. Perfeccionista até demais essa minha amiga.
"Seja forte" ficava repetindo em pensamento, afinal eu estava lá para me despedir não para dar uma prova de que eu era fraca.
Lari sempre com um sorriso. Aquele sorriso que ninguém resistia. Assim que cheguei mais perto corri em sua direção e dei-lhe um forte abraço.
Eu sabia que ela já sabia o que eu ia fazer lá. Eu não sei como, mas ela sabia. Larissa dava uma de vidente ás vezes, o pior é que ela acertava...
-Você não pode ir – ela me disse antes de eu abrir a boca.
-Você conhece a minha vida Lari, nunca paro. Sempre como o vento, ora aqui ora lá.
-Você não pode ir – ela repetiu com a cara que ela fazia muito bem, a cara de quem estava decidida a fazer algo – Quem eu vou encher o saco durante a aula? Hein? Responda-me.
Ela disse e eu ri alto.
-Só você para me fazer rir, né, Larissa – disse lhe dando um tampa no ombro.
-Faço o que eu posso. – Ela me respondeu convencida.
Conversamos sobre possibilidades de fazer minha mãe mudar de idéia, mas não chegamos a nenhuma conclusão. Não se passaram nem 20 minutos quando Jay, Paulo e o Rafa chegaram.
-E ae, qual é a novidade urgente? – Rafael me perguntou.
Olhei para Larissa e disse:
-Faça as honras.
-Fala logo pessoas. – Jay interrompeu nervosa.
-A v***a aqui vai mudar de cidade. – Lari respondeu.
-O QUE? TU TA DE KO COM A MINHA CARA GAROTA!- Paulo disse gritando na sorveteria que todos se assustaram.
-Olha a minha cara de quem está brincando – eu disse e eles riram.
-Mas isso é só ano que vem né? NÉ?- Paulo me perguntou.
-Segunda. – respondi olhando pra o teto.
-SEGUNDA? – quem gritou dessa vez foi Rafael.- MAS HOJE É SÁBADO!
-Da pra vocês calarem a boca? – pedi educadamente quase pulando no pescoço dele.
-Lógico que não – ele disse com aquela cara de "você não manda em mim" – Annie pelo menos você vai continuar no estado.
Olhei mais uma vez para Larissa que estava quieta demais...
-São Paulo – ela disse admirando um sorvete de chocolate- Ela vai para São Paulo.
-SÃ... - Percebi que Paulo ia gritar de novo então antes que ele pudesse abrir a boca, tapei a boa dele e sussurrei:
-Já estourou a cota de gritos por hoje, beleza?
Sentamos em uma mesa e fomos tomar um sorvete, afinal era pecado estar em uma sorveteria e sair sem nenhum sorvetinho.
Estava sentada, ainda conversando para convencê-los de que aquilo não era o fim do mundo quando me bateu um sono repentino.
Acordei com aquela v***a chamada Larissa na minha frente quase jogando um copo de água em meu rosto:
-O que você pensa que vai fazer – me levantei rápido, mas não percebi que havia uma mulher atrás de mim. Pedi desculpas e percebi uma coisa: ela tinha dentes e garras afiadas. A pior atendente que eu já vira:
-Me desculpe senhora- disse me sentando novamente.
- Anniella Karoline, seu pai me mandou buscá-la.
-Pai? Que Pai? Eu não tenho pai – respondi no automático.
-Ordens são ordens - a "mulher" veio pra cima de mim.
-O que... – Jay começou, mas não teve coragem de terminar
Apenas senti Larissa me puxando:
-Corre!
x-X-x
Nunca havia visto nada parecido com aquela coisa, quando Larissa me mandou correr não pensei duas vezes a fazer-lo. Arrastei a Jay, o Paulo e o Rafa junto, é claro.
Corremos o máximo que podíamos, mas eu sentia que aquela coisa não estava longe.
Já estava a 5 quarteirões da sorveteria quando paramos:
-A...aquela coisa... – comecei, mas não tive fôlego para terminar.
-Era bem estranha! – Larissa exlamou.
-Era horrível – Rafa retrucou.
-Era impossível de existir – Jay respondeu – parecia uma coisa que eu li em um livro de...
-MITOLOGIA! – Paulo completou.
Não gostava muito de ler , odiava pelo simples fato de eu ser disléxica, então eu não podia falar nada. Mas Jay era muito esperta adorava ler essas coisas estranhas e tals e eu sabia que se ela havia falado era porque tinha certeza.
-Mitologia? Grega ou Romana? Eis a questão... – Larissa conseguiu fazer uma piada e todos rimos.
-Grega – Jay disse calmamente – só consigo ler mitologia grega, romana não.
Logo depois que ela respondeu senti alguém se aproximando lentamente, a única pessoa om reflexos mais ágeis que os meus eram o Paulo:
-A coisa voltou – ele disse encarando a "atendente".
Não podia fugir. Aquela coisa ia me seguir aonde eu fosse.
-O que você quer comigo? – perguntei dando um passo a frente.
-Seu pai me mandou te buscar – "ela" disse.
-Você já disse isso – disse irritada – Aonde eu vou? E primeiro: quem é meu pai?
Agora não estava mais com medo daquilo.
- ΤΟ ΚΑΤΑΣΚΗΝΩΣΗ ΗΜΙΑΙΜΟΣ – "ela" disse em uma língua estranha, mas eu não sei como entendi. E não fora a única.
-Acampamento Meio-Sangue? – Larissa e Rafael perguntaram juntos.
-A ordem é simples: Leve Annie, e se ela tiver com meio-sangues leve junto,em segurança até lá. Depois desapareça.
Aquilo estava ficando cada vez mais bizarro.
-Como se poder ter só metade do sangue? – Rafael perguntou, ele era bonito, mas ele era a prova de que beleza não era tudo.
-Já falei demais! – a coisa parecia nervosa – Não costumo ser boazinha!
-Eu não vou. – disse me afastando.
-Não vai por livre espontânea vontade? – a coisa deu um sorrisinho malvado (sé que aquilo era um sorriso) – Vai por livre espontânea pressão.
Aquilo avançou em mim e em meus amigos. Ela segurou meu braço com tanta força que suas garras se fincaram em minha pele e eu gritei:
-P**A QUE P***U! V***a!
Estava sentindo a dor na minha alma. Não conseguia me soltar, era muito forte. Aquilo havia cercado eles, nenhuma chance de meus amigos se salvarem.
Aquela coisa já era horrível, depois de virar sei lá o que piorou. Conseguiu carregar nós 5 durante umas 2 horas. Voando. A partir daquele ponto não sabia se estava maluca ou apenas em um sonho estranho.
-Daqui eu não passo – ela disse jogando-nos no chão – Não quero, nem posso, entrar no covil dos bonzinhos.
Não entendi, mas "ela" estava indo embora então nem me importei.
-Estávamos em uma colina. Havia uma "placa" no alto escrito:
ΤΟ ΚΑΤΑΣΚΗΝΩΣΗ ΗΜΙΑΙΜΟΣ
-Vamos? –Jay disse – Já que estamos aqui não custa ir lá, não é mesmo?
Concordei e subimos a colina. Assim que começou a decida não me senti nem um pouco bem. Onde a coisa havia pegado estava ardendo. Vi tudo caindo e desmaiei.
x-X-x
Acordei em uma "cama" em uma provável enfermaria. Havia várias pessoas lá. Muitas, ou melhor, a maioria, com cortes.
Tentei me levantar, mas estava fraca. Meu braço estava enfaixado, mas eu não sentia dor. Apenas fraqueza.
-Quíron mandou você ficar deitada – Paulo me alertou (aparecendo não sei de onde) quando tentei me levantar mais uma vez.
-Que bom que você está bem! – eu disse e nós dois sorrimos – Espera, você disse Quíron? Quem é?
-Você logo o conhecerá. Aguarde.
-Onde está Jay? E a Larissa e Rafael? – perguntei meio desesperada sendo que eu estava "doente" ali era eu aparentemente.
-Estão no "caça – à - bandeira".
-Estamos em uma escola então. Na aula de Educação Física. – disse sarcástica.
-Isso é um acampamento que treina heróis... – ele respondeu.
-Heróis? – perguntei confusa e achando que ele estava brincando.
-Heróis como você será um dia, senhorita Anniella – alguém disse alguém não, um cavalo... Um homem meio cavalo (ou seria um cavalo meio homem?).
Quase pulei da cama quando vi aquela criatura. "Isso não é verdade! Você deve estar passando mal no avião, Annie, só isso!" pensei comigo.
-P... Paulo... quem ou o que é essa coisa? – disse puxando-o para a minha frente (detalhe eu ainda estava deitada então quase o derrubei em cima da cama).
-Calma Annie. Esse é o Quíron que eu te falei.
Não me acalmei. "Como se isso fosse motivo de calma".
-Você está no Acampamento Meio-Sangue – ele começou e eu pensei "como se eu não soubesse" – Bem aqui é um acampamento apenas para semideuses, ou meio-sangues. Aqui vocês aprendem, como eu disse, a serem heróis, aprendem a atacar e se defender, usar seus dons e aperfeiçoar seus reflexos..
-Como se deusES existissem – pensei alto, alto demais...
-Deuses existem! – Quíron me repreendeu como se eu tivesse dito algo que deveria ser motivo de punição – Eles tanto existem que um deles é seu pai.
Fiz uma cara de desprezo e levei um belo e forte tapa na cabeça. De Paulo.
-Cala a boca – ele disse para mim.
-Seus amigos já sabem de tudo, qualquer duvida pergunte à eles – Ele disse mais calmo – Só precisamos descobrir quem é seu pai. E antes disso, fique no chalé de Hermes, até descobrirmos.
-Meus amigos estão lá também? – perguntei esperançosa.
-Enquanto você estava desmaiada, os pais deles já os reclamaram. Cada um já foi direcionado para seu devido chalé.
Ele disse e saiu.
-Pode começar a falar – disse virando para Paulo com aquela cara de "fala ou eu fico boa rapidinho para te matar".
-Basicamente: todas as lendas gregas existem. – ele começou – Meu pai é Ares. Deus da guerra.
-Continua – disse porque ele havia parado.
-Rafael é filho de Afrodite, a deusa do amor – não me espantei com isso – Jay é filha de Atena.
-E a Lari?
-Apolo. O Deus do Sol.
x-X-x
Nos outros dias Lari veio conversar comigo, e Paulo. Estavam me dando um negocio chamada Ambrosia. Era gostoso e eu já estava me sentindo melhor.
Era segunda quando eu fui para o "meu" chalé. Aquilo estava uma bagunça. Ainda não estava acreditando muito em deuses e pá. Mas eu não podia falar nada. Desejava sempre que se isso fosse mesmo verdade que eu fosse para o me chalé o mais rápido possível, se é que aquele não era o meu chalé...
Estava "treinando" junto a Paulo (que parecia que treinava desde criança, afinal ele era filho do deus da guerra tinha que ser bom com uma espada) quando o cavalo, quer dizer, Quíron se aproximou:
-Duas noticias para você. Uma boa e uma ruim. – ele disse.
-Manda a boa primeiro. - respondi
-Conseguimos contatar a família de todos os seus amigos, e eles concordaram em deixar vocês aqui nesse verão. – ele disse e eu pensei "Putz se isso é a noticia boa, imagina qual será a ruim..."
-E qual é a ruim? – Paulo perguntou.
-Aquela amiga de vocês, a filha de Apolo.
-Larissa – eu disse com medo do que teria acontecido com ela – O que ela tem?
-Ela aceitou o Espírito de Delfos. Ela será o novo oráculo do Acampamento. Me desculpem, mas ela percebeu que era a escolhida.
-Espírito de Delfos? – perguntei não entendendo.
-Espírito de Delfos é o espírito do primeiro oráculo, Sibila.
-Nós podemos ir falar com ela? – Paulo questionou.
-Podem, ela não está doente. Acontece que pode ser que vocês estejam conversando e ela faça uma previsão do nada.
Nós corremos até a Casa Grande onde encontramos a Jay, o Rafa e a Larissa lá.
-Larissa. Quer dizer que você é mesmo vidente agora? – Paulo disse.
-Vidente, não. Oráculo, é mais bonito – ela disse convencida e todos rimos.
Quíron entrou rapidamente na sala bem atrás de nós.
-Acabamos de receber um aviso. Dois meio-sangues estão perdidos, bem quase. Eles estão seguindo as ordens de Gaia. Nós precisamos avisar o acampamento!
-Lógico – Larissa disse, mas então entrou em um transe:
"A leste, cinco meio-sangues, juntos, buscarão. Dois meio-sangues, perdidos, estarão. Um, no caminho, se perderá; outro, por você, se apaixonará. Uma difícil decisão você terá que fazer. Cuidado, pois tudo depende de você: Vencer ou Perecer."
