Confissões, H. Johanson
Capítulo I
O fim do começo
Naquela noite eu corri para fechar as janelas de madeira que insistiam em bater. Sinal de que a chuva estava por vir. Papai, para variar, não estava em casa. Éramos só eu, mamãe, Chloe e Emmanuelle. Enquanto eu e Loe estávamos preocupadas em nos abrigar e nos defender do temporal que cairia a qualquer instante, mamãe estava trancada no sótão, como sempre dispensado companhia. Nem nossa irmã caçula de cinco anos, Manu era aceita naquele mundo em que minha mãe vivia. Um raio atravessou a casa e Chloe correu ao meu encontro. Manu, que dormia no sofá, pareceu nem se mexer. – Heath, Heath! – Ela disse antes de me abraçar. Tinha desespero em sua voz. – Os raios me dão medo...- Ela me confessou com voz manhosa. Eu nunca fora a melhor irmã do mundo, nem a melhor filha, muito menos a melhor amiga, e todos aqueles meus dez anos de vida já haviam me mostrado isso, mas naquela momento, ver minha irmã desamparada, que devia estar se protegendo nos braços de nossa mãe naquele estado, me fez querer ser, quis amparar minha irmã e afastar todo o medo que a assombrava. Afastei-me do abraço, mas estiquei a mão em sua direção, segurei firme, mostrando que eu estava ali para ela, mas não disse nada, sempre me faltavam palavras, e eu não era a pessoa mais social da face da terra. Ouvimos a seguir um estrondo, que não parecia estar vindo da chuva, nem nada parecido. Nos entreolhamos. Desta vez ambas amedrontadas, eu confesso. – Veio lá de cima...- Chloe indicou o que já se passava em minha mente, eu achava exatamente a mesma coisa. Concordei com a cabeça. Vi seus olhos verdes e tão parecidos com os meus encherem de lágrimas. Por algum motivo ambas pressentíamos algo, e não era nada bom. Encarei minha irmãzinha por um segundo no sofá, e em seguida, eu e Chloe olhamos para a escada, ao mesmo tempo, teríamos que encarar aquilo. – Queria que o papai estivesse aqui! – Ela disse para mim em sussurro apesar de não haver mais ninguém na casa além de nós três. – Você sabe que ele não estaria...- Eu disse, como sempre, o que pensava. Tomei a iniciativa de nos aproximarmos da escada. Segurando a mão de minha irmã gêmea subi o primeiro degrau de madeira velha, que pareceu ranger mais que o normal. Chloe apertou minha mão e começou a choramingar. Fechei os olhos e tentei me concentrar. – Não choraminga, tá?- Eu a adverti rispidamente. Percebi que ela engoliu o choro, e essa foi minha deixa para enfrentar os demais degraus. Quando chegamos ao topo meu coração estava disparado, podia senti-lo saltar em minha garganta, mas não por causa da escada, e sim pelo que veria a seguir. Fui andando exatamente ao lado dela e quando chegamos próximos a porta tentei me concentrar afim de ouvir algum barulho lá de dentro. Aparentemente não obtive sucesso, os únicos ruídos eram da chuva que havia despencado, do granizo que batia contra as vidraças e do vento que uivava lá fora.
Finalmente empurrei a pesada porta, Chloe se colocou ao meu lado para ajudar e empurramos aquela porta juntas, essas madeiras antigas pesavam toneladas. Quando finalmente a porta se abriu por completo enfrentamos o que temíamos. Em meio a vassouras velhas, mobílias antigas recobertas por lençóis furados e imundos, fotos da hierarquia Johanson, estava uma coisa que não pertencia ali, mais especificamente uma pessoa. Mamãe estava caída ao chão, desacordada e nem os movimentos de sua respiração eram visíveis. Acho que apesar de temer, no fundo eu sabia, porque diferente de minha irmã, eu não corri para encontrar o corpo de minha mãe e me despedaçar em lágrimas. Pelo contrário, eu não derramei uma gota de lágrima que fosse. Fiquei encarando a cena com meus olhos esverdeados e tão cheios de inocência e ao mesmo tempo contendo tanta raiva.
Depois de alguns segundos, que me pareceram horas, tentei parar com meu discurso interior e percorri com os olhos todo o sótão em buscar de algo que explicasse aquela morte. E eu encontrei, embaixo da cômoda antiga do quarto dos meus pais eu o vi. Tão próximo ao corpo de minha mãe, que eu não sei como não havia visto antes, estava um frasco. – Covarde!- Eu murmurei encarando a defunta fresca com toda raiva que podia existir em mim. Sabia que o tom pálido de meu rosto estava sendo trocado pelo vermelho vivo de raiva, na medida em que a adrenalina rumava por todas as minhas veias. Praticamente eu conseguia sentir meus vasos dilatando para a passagem daquele fluxo. Eu a mataria, se ela já não estivesse morta. Deixei o sótão com passos firmes, marcados por minha ira.
Não contei naquele momento sobre o frasco à Chloe, nem depois. Preferi que ela guardasse as boas memórias com nossa progenitora, e não a imagem de uma mãe covarde que prefere se matar a estar com os filhos. Assim que cheguei na sala peguei um pedaço de pergaminho e uma pena e comecei a escrever para tia Alice, ela tinha razão de sempre odiar mamãe. Não me alonguei muito na carta. Era um pedido de socorro, basicamente, que escrevi para a pessoa que eu mais achei que poderia me ajudar naquele instante, uma vez que meu pai não se fazia presente nem nos momentos bons, quanto mais nos ruins. Assim que terminei, minha primeira ação foi seguir até minha irmã menor, lhe puxar a coberta para protegê-la contra o frio e beijar sua testa, que era o que eu achava que mães deviam fazer. Ela apenas se virou para o outro lado, tinha o sono pesado, o que eu agradeci à Merlin, pois não saberia o que dizer a ela, mal eu sabia o que estava acontecendo.
Os dias se passaram como quando você anseia pelo Natal para ganhar presente, ou por um aniversário para ficar mais velha, lentamente, e eu acho que poderia dizer que até então haviam sido os piores dias de minha vida. Meu pai passou a ser mais presente, mas não porque ele quisesse, mas sim porque eu e minhas irmãs precisávamos ir para algum lugar. Era horrível ver Loe chorando pelos cantos, além de ser extremamente irritante. Ela passou a descontar a tristeza no que comia, e comia sem parar, tudo que via pela frente, o que chegava a ser desesperador. O nervoso de minha irmã só contribuía para suas crises de úlcera, que depois da morte de mamãe eram freqüentes semana à semana, praticamente. Já Manu, perguntava pela mamãe, a todo instante quase, e na maioria das vezes, eu ou Loe, tínhamos que responder.
- E quando ela volta, Heath?- Manu me perguntou pela quinta vez naquela mesma noite.
- Ela não gostava muito da gente, bebê...- Costumava chamá-la carinhosamente assim. Eu respondi sem querer me alongar. -...acho que ela não deva voltar tão cedo...
Na maioria das vezes antes de dormir no quarto improvisado que meu pai havia nos arrumado, que por acaso era o mesmo quarto de meus meio irmãos Vince e Leander, que era vago enquanto eles estavam em Hogwarts, tínhamos essa mesma conversa.
Outra noite, não muitas semanas depois da morte da mamãe acordei com um barulho estranho vindo do banheiro, e não era a primeira vez que eu acordava com esse barulho. Levantei da cama sonolenta. Vesti minhas pantufas cinzas e fui arrastando o pé até o banheiro. Bati na porta.
- Oi?- Reconheci que era Loe que falava no mesmo instante, sua voz era falha, como a de alguém que passa por um ataque de tosse e fica com a garganta comprometida.
- Eu ouvi alguns barulhos estranhos...e...- Mas antes que eu terminasse ela abriu a porta e saiu caminhando para em direção a cama. Fiquei parada ao lado da porta do banheiro apenas observando-a.
- A janta não me fez muito bem hoje...minha barriga começou a dar pontadas de novo...- Ela deu de ombros, enquanto se ajeitava embaixo das cobertas e quase no mesmo instante já se virava para o lado para então dormir.
- Você tá melhor?- Não que eu gostasse de demonstrar preocupação, mas eu me preocupava com ela.
Ela fez que sim com a cabeça e eu segui então para minha cama, que era separada da dela apenas por um criado-mudo, da mesma forma que do outro lado era separada da cama da Manu, que só diferenciava da nossa pela gradinha que a protegia de alguma possível queda durante a noite. Não consegui dormir o resto da noite, a todo instante os barulhos de tosse exagerados vindo do banheiro, como se ela forçasse algo, entravam em minha mente, e eu me pegava de olhos abertos, pregueados em minha irmã para qualquer movimento dela para fora da cama. Noites iguais aquelas permaneceram durante os próximos dias, semanas e meses, e eu não sabia exatamente o que era e como justificar, porque nunca conseguia pegar ela em flagrante para saber o que realmente estava se passando. Não cheguei a comentar com meu pai, ou com alguma tia, queria eu primeiro falar com ela. Mas o quê? Esse era o problema.
Quando o final de maio daquele ano se aproximou, junto meu aniversário e o de Chloe para completarmos onze anos também se aproximou, e junto minha ansiedade de futura novata na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Na manhã de vinte e sete de maio, minha primeira manhã com onze anos, julguei ter visto a coisa mágica do mundo.
Acordei aos berros de Chloe naquela manhã, que no batente da janela, olhava pro céu e gritava empolgada . – HEATH, HEATH, CORRE AQUI!- Minha visão ainda era um pouco confusa, mas corri para a janela, não via Chloe daquele jeito havia muito tempo, pensando que estávamos sendo atacados por uma revolução de bruxos de vassouras. Logo Manu também pulou da cama e correu atrás de nós. Chloe que já estava bem acordada, pegou Manu no colo para que ela pudesse ver a magia fazendo juz a nossa família. – Logo logo é você que vai estar vendo isso em sua primeira manhã com onze anos...- Ela sussurrou para nossa irmã caçula e lhe beijou o rosto com ternura. Eu continuei boquiaberta, examinando todas aquelas corujas sobrevoando nosso pequeno vilarejo bruxo. – É incrível!- Eu suspirei olhando tudo aquilo e corri para a porta, deixando minhas irmãs para trás. Sentei próxima da mesma, esperando qeu a qualquer momento minha carta voasse para dentro da casa. – Que chegue minha carta de Hogwarts, que chegue minha carta de Hogwarts...- Eu mentalizava comigo mesmo, não podia nem se quer pensar na possibilidade de minha carta não chegar.
Uma carta então finalmente vou para dentro da minha. Srta. "Chloe Johanson Cooper". Era o que dizia no envelope, e quando virei a carta lá estava o logo de Hogwarts. Revirei os olhos, como a carta de Loe poderia chegar antes da minha? Como eu odiava ter irmã gêmea. – Loe!- Berrei para que ela viesse, e funcionou, em menos de dez segundos ela já estava rasgando a carta toda alvoroçada pelo que estava escrito dentro.- Minha carta tem que chegar, tem que chegar...- Eu continuei mentalizando. E dez minutos depois, lá estava ela. Voou para dentro de casa e eu não deixei-a escapar. Abri no mesmo entusiasmo que minha irmã, eu finalmente sairia daquela casa e nunca mais precisaria ver a cara de idiota do meu pai.
Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts
Diretora: Minerva Mcgonagall
Prezada Srta. Cooper,
Temos o prazer de informar que . tem uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Estamos anexando uma lista de livros e equipamentos necssários.
O ano começa em 1º de Setembro. Aguardamos sua coruja até 31 de julho, no mais tardar.
Atenciosamente,
Minerva Mcgonagall
Diretora
Foi a melhor carta que eu poderia ter recebido. Não demorei muito a mandar a confirmação para a escola, foi questão de meus irmãos chegarem para as férias de verão e me ajudarem a enviar uma coruja, uma vez que ainda não tinha a minha.
- Pai...- Eu finalmente havia tomado coragem para me redimir e pedir que ele nos levasse para as compras. Estávamos praticamente no meio de Agosto e não havíamos comprado uma capa que fosse.
Devon Stevens Cooper, mas conhecido como meu pai, estava sentado em sua poltrona a beira da lareira. Sua nova esposa, talvez a quinta, desde que eu aprendera a contar, estava sentada do outro lado da sala, mas nenhum dos dois trocavam uma palavra. Ele, parecia entretido com o Profeta diário, já ela, como eu duvidava que ela tivesse aprendido a ler, devia estar apenas analisando as vestes das celebridades do mundo bruxo em uma revista mesquinha que tinha em mãos. Cooper não desviou os olhos do jornal para me responder. – Sim?
- Eu e Chloe estivemos pensando que...precisamos ir ao Beco Diagonal para as comprars..e...- Antes que eu pudesse terminar minha frase ele já me respondeu.
- Peça a Vince...ou a Leander...ou qualquer um da desgraça da sua família...- Ele suspirou, e continuou sem me olhar. – Tenho afazeres mais importantes para me preocupar.
Sendo idiota? Eu pensei comigo mesma e revirei os olhos. Que tremendo imbecil que minha mãe havia arrumado para ser meu pai, e pior havia me abandonado com ele.
Subi as escadas e fui direto para meu quarto. Quer dizer meu quarto, o quarto da Chloe, da Manu, do Vince e do Lee. Será que ele pretendia me dar mais algum irmão?...Bom, eu não duvidava.
- Ele não vai nos levar...- Me larguei no pequeno sofá no canto esquerdo do quarto que havia virado minha cama, desde que meus irmãos voltaram e precisaram ter suas camas de volta.
Chloe suspirou com o comunicado, mas não disse nada, eu sabia como ela era contra falar mal do papai. Manu caminhou até o sofá e com um pouco de dificuldade subiu no mesmo, se aninhando junto a mim. Abracei ela.
- Vocês não precisam dele...- Todos, incluindo eu, Loe, Manu e até Lee que terminava uma redação sobre "A História dos Feitiços" encararam Vince, nosso mais novo familiar formado em Hogwarts. – Eu vou levar vocês, e vamos fazer compras muito melhores do que se ele estivesse junto...- Muita gente considerava meu irmão Vince como um vilão, frio, cínico, ele realmente não era caloroso, nem muito simpático, e se eu tivesse que dizer alguém que eu mais parecia na família de meu pai, com certeza eu diria que era o Vincent, mas ele era muito bom para mim, Chloe, Lee e Manu, desde quando eu era menor me lembro dele nos levando para comprar doces na Dedosdemelou para tomar um chá na loja da Madame Puddifoot, ou até mesmo quando precisávamos mandar nossa confirmação a Hogwarts, ele que nos levou até o correio.
Eu e Chloe abrimos o mesmo sorriso largo quando ele anunciou que nós levaria, em poucos minutos estávamos prontas e ansiosas pelo passeio. Comprar uma capa, para uma menina de onze anos bruxa, era a mesma coisa que fazer uma festa de quinze anos, como os trouxas faziam, para uma menina de quinze anos, ou ganhar um carro aos dezoito, ou qualquer outra relação deste tipo que eu não saberia explicar, pois não era muito entendedora dos trouxas. Com um pouco de pó de flu e graças a nossa lareira, em pouco estávamos no Beco Diagonal. Acho que para ter certeza de que não fugiríamos, Vince, segurou com cada mão, uma mão minha e a outra de Chloe, e fomos a compra de toda a lista que eu havia anotado desde que recebera a carta. Passamos por vários lugares no próprio Beco Diagonal, e depois ainda fomos até o vilarejo de Hogsmead, onde completamos nossas compras, passando pela Loja de Penas Escriba, Tropobelo Moda Mágica, Zonko's, pois Vince achava de grande importância estarmos preparados para qualquer trote que outros alunos pudesse nos dar, e até mesmo passamos por Dervixes e Bangues, onde ele comprou alguns artefatos que eu não sabia nem que existiam. Olhei com curiosidade, imaginando o que ele poderia fazer com aquilo, e quando eu perguntei a ele, apenas me respondeu que explicaria depois, mas que tinha certeza de que seria útil e eu não poderia ir para Hogwarts sem um daqueles.
Chegamos em casa antes do sol se por, o que me deu tempo suficiente para arrumar as malas. Eu pretendia deixar tudo pronto, mesmo que ainda faltasse uma semana e meia para o meu tão esperado primeiro de setembro. Naquela mesma noite, antes de dormir, sentei-me da cama de Vince, esperando que ele voltasse de suas famosas caminhadas noturnas. Havia algo que eu queria lhe perguntar já fazia um tempo.
- Ei, o que está fazendo ai ruivinha? – Ele indagou com um sussurro ao me ver sentado em sua cama assim que ele adentrou ao quarto.
- Queria lhe perguntar uma coisa...Vince..- Disse em um tom inseguro,na dúvida se deveria ou não questioná-lo.
- Diga pequena, Heath...- Foi o que ele disse, era de poucas palavras, e eu não me importava com seu jeito.
- Queria pedir que se um dia tiver sua própria casa...se pode levar eu, Loe, Manu e Lee para junto de você...- Suspirei, e agora que havia começado, não poderia parar no meio. – Não quero ficar mais aqui...não quero...- Eu já não o encarava mais, havia passado a sentar no criado-mudo de madeira clara ao lado de sua cama para que ele pudesse deitar ali.
- Heather, você em breve está indo para Hogwarts..tudo vai mudar...vai melhorar...você verá...- Ele tentava me animar. – Além do mais, vou cumprir com o prometido, você vai ser a melhor daquela escola, bruxinha, vai ver...- Ele beijou minha testa e desejou boa noite. Naquele instante senti como se o cara ao meu lado de dezoito anos e meu meio irmão, fosse meu pai, o melhor pai que eu havia tido minha infância toda.
