Uma vez, quando era apenas um garoto perguntei a meu pai porque ele havia participado da primeira guerra mundial.
Posso lembra-me perfeitamente do que pensava, sempre perguntava a mim mesmo por que alguém participaria de tamanho ato de vilania e desumanidade, ainda mais o patriarca de meu lar, um gentil senhor, que não parecia ser capaz de fazer mal se quer a uma mosca.
Então finalmente veio minha chance de conseguir algumas respostas, estava chovendo violentamente naquela noite de janeiro, os trovões eram tão altos que parecia que Deus queria destruir sua criação, o forte vento fazia todas as coisas baterem umas contra as outras.
Via todos os tipos de cores nestes dias, ou ao menos todas as que me davam medo, e meu pai costumava tentar distrair-me, para evitar meu pânico, estávamos ambos sentados na sala de estar, mas apenas eu tremia. Ele calmamente contava sobre como sua perna esquerda doía quando o tempo mudava, por conta da bala alemã que tinha nela alojada, e então eu perguntei:
-P- Pai?
-Sim Alfred?
-Porque o senhor participou da guerra? Ele me olhou com espanto, lembro exatamente de como sua expressão mudou do completo assombro para uma doce risada, que fez com que as rugas adquiridas pela idade se acentuassem em seus olhos.
-Quem sabe? Eu era jovem, e impulsivo. Via tudo o que a Alemanha estava fazendo com a Europa e temia que toda aquela destruição recaísse sobre o meu país. Minha memória não é tão boa quanto a sua. Ele disse dando um doce sorriso para mim. –Mas consigo lembrar-me com certeza do que disse quando me perguntaram o porquê de eu querer entrar na guerra.
-E o que foi? Perguntei curioso, neste momento um trovão mais forte que os outros caiu, ficou tudo vermelho em minha frente, cobri meus ouvidos e comecei a tremer e gemer com medo. Meu pai levantou-se da cadeira em que estava sentado e postou-se em frente a mim. Olhei pare cima ainda tremulo, lentamente tirei minhas mãos dos ouvidos. Papai a muito custo ajoelhou-se e ficou de meu tamanho.
-Que eu preferia morrer de pé a viver de joelhos. Ele disse.
-Eu não entendo.
-Mas algum dia irá. Algum dia irá. Ele disse afagando meus cabelos negros. Outro trovão caiu. Desta vez ele me abraçou. –Está tudo bem. Ele disse.
-Por que pai? Por que eu? Perguntei entre soluços. –Por que eu tenho de ser assim? Neste momento lágrimas geladas começaram a cair de meu rosto. Quando eu começava a chorar tudo o que podia ver era amarelo, amarelo âmbar profundo. –T- Todos os outros garotos são tão corajosos. Eles fazem tudo o que eu não posso. Por que eu não posso ser normal papa? Neste momento meu choro intensificou-se.
-Está tudo bem meu filho, está tudo bem, contanto que ninguém saiba vai estar tudo bem, as pessoas não gostam de anomalias, se ninguém souber vai estar tudo bem. Eu balancei a cabeça positivamente, mas em meu intimo sentia que nada estava bem, e que nunca ficaria.
Isso faz anos... Tantos anos, mas para alguém como eu é como se tivesse acabado de acontecer, às vezes, tudo o que eu queria era ser normal, e poder esquecer, mas depois de algum tempo eu passei a gostar disso, da sensação de lembrar, do gosto de ser importante para alguém, era delicioso poder ajudar, quem eu gostava, era ótimo conversar com todos eles, principalmente com... Com ela, eu não deveria estar nesta cela. Pensei olhando ao meu redor, estava tudo silencioso naquele momento. É madrugada, pelo menos acredito que seja, a julgar pela luz que vinha do teto, estava tranquilo, mas nada estava azul.
Então sentado no único móvel que aquele pequeno espaço cercado por barras de mela possuía eu baixei minha cabeça e senti minhas lágrimas caírem enquanto eu gemia baixinho.
Mas apesar de tudo posso dizer que neste momento de solidão e melancolia entendi, sim, finalmente entendi o que meu pai quis dizer naquela noite tempestuosa, eu costumava ser um medroso, que não podia se quer ouvir um som muito alto sem ter vontade de correr para bem longe, mas agora é diferente, encontrei algo pelo qual lutar, algo pelo qual eu vivo e morro caso necessário, e encontrei o amor, não apenas o tipo comum de amor que foi vulgarizado durante os séculos por todos os poetas e musicistas, mas sim o puro amor por algo maior do que qualquer pessoa, o tipo de amor que te faz acordar todos os dias e te mantém firme por pior que seja a situação.
Encontrei amor pelo meu país, por meus amigos, pela vida, pelas pessoas que se quer conheço, e eu amo este sentimento que me mantém firme quando estou sendo torturado pelos alemães, é ele que me faz resistir, é esta cega lealdade a algo que eu acredito do fundo de minha alma que me mantém firme, dia após dia, é por ele que eu rezo todas as noites, é ele que me faz lembrar que ainda estou vivo, é por ele que escolho lutar, e mesmo que isto signifique o cessar de minha existência não vou me dar por vencido.
EU LUTAREI!
