Título: Desejo Secreto
Título original: "Baby Down Under"
Disclaimer: Esta é uma fic sem fins lucrativos, adaptada do livro "Desejo Secreto" da autora Anna Charlton e da editora Harlequin Books. Todos os direitos pertencem a autora e a editora, respectivamente.
Os personagens de Harry Potter e cia pertencem a J.K Rowling, Warner e Editora Rocco.
Esta fic, como as outras que adaptei se passa num universo alternativo...
N/A – Mais uma fic pra vocês...Depois de pensar muito...achei que vocês talvez queiram se encantar por esta fic tanto quanto eu...
Espero que vocês gostem... Boa Leitura...
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CAPÍTULO I
O limpador do pára-brisa movia-se apressado, de um lado para o outro, permitindo a Hermione ver apenas uma série de cenas rápidas através da chuva forte. Um guarda-chuva amarelo, saltitante. As feições pálidas de uma mulher. A caixa de correio em frente à casa. Um pacote colocado nos degraus de entrada. Talvez fosse a encomenda de livros que esperava havia três semanas. Não seria a primeira vez que o leiloeiro fazia a entrega em sua casa, ao invés de na loja.
O ar estava impregnado de eletricidade, com cheiro de grama molhada, de eucalipto e dos bodes de Sam. Contornou a casa com a van e viu que o pacote era muito irregular para ser de livros. Suspirou. Talvez fosse outra das brincadeiras sem graça de Sam. Seu vizinho tinha idade suficiente para fazer coisas criativas, mas insistia em se comportar como um colegial.
Estacionou na parte de trás da casa e correu até a porta, com a chave na mão e uma sacola de plástico cobrindo a cabeça na vã tentativa de manter os cabelos secos. Impossível, teria de subir até o banheiro para secá-los. Eram as correntes de umidade subtropical que causavam todo aquele dilúvio. E em Brisbane, no mês de janeiro, elas apareciam quase todos os dias.
Depois de tomar uma ducha morna, Hermione penteou os cabelos com uma escova de dentes largos para evitar que ficassem muito crespos e vestiu um agasalho esportivo confortável. Só então desceu para olhar o pacote. Era mais uma trouxa, na verdade, amarrada com um pano. Olhou na direção das ameixeiras plantadas ao longo da cerca.
- Sam? Apareça e desative esta armadilha que você montou aqui. Você vai ficar encharcado escondendo-se aí para me ver abri-la - gritou.
Nenhuma resposta.
Acendeu a luz da varanda e colocou as mãos em concha na frente da boca para se fazer ouvir através da chuva:
- Está me ouvindo, Sam? Se isso for mais uma de suas brincadeiras...
A trouxa mexeu-se. Hermione deu um pulo para trás, e quase derrubou um vaso de plantas.
- Está vivo! - exclamou, assustada. - Saaam! - gritou ainda mais alto. - Se isto for um cesto cheio de sapos, eu juro que...
A trouxa gemeu. Hermione sentiu calafrios. O gemido se transformou em um chorinho. Ajoelhou-se, e com cuidado, levantou a toalha que cobria o cesto. Viu um pezinho e estremeceu.
- Oh, meu Deus - disse, olhando para o rostinho rosado. - Um bebê! Tirou-o do cesto e pegou-o no colo, apoiando-o no ombro. Os cachinhos da criança roçaram em seu pescoço. - Sssssh, sssh, quietinho - murmurou, ninando o pequeno. Ele se acalmou.
- Você me chamou? - Era a voz de Sam, vinda da sombra das ameixeiras. Sua lanterna desenhava arabescos luminosos por entre a chuva, e ela conseguiu vislumbrar o vizinho pulando a cerca.
- Já estava na hora - disse ele, aproximando-se da casa. - Aposto que se convenceu de que a diferença de idade entre nós não significa nada e percebeu que uma mulher com seu gosto refinado e seu bom senso merece um homem como eu.
Sam tinha setenta e cinco anos. Subiu a escada com seu andar balanceado de vaqueiro e quando viu o que ela carregava espantou-se:
- Um bebê!
- Estava aqui, em minha porta. Pensei que fosse um pacote de livros.
- Continuo achando que se parece com um bebê – disse ele, rindo e se aproximando para ver melhor a criança.
- Mas de onde será que ele veio, Sam?
- De onde os bebês geralmente vêm -respondeu ele, secamente. - E não foi a cegonha que o entregou em sua porta.
Hermione olhou para a rua, aflita, procurando por alguém, mas só havia o vaivém de pedestres apressados com seus guarda-chuvas molhados. Um guarda-chuva amarelo moveu-se rapidamente e desapareceu por entre as árvores.
"O guarda-chuva amarelo! A mulher pálida!".
Colocou o bebê nos braços de Sam e correu atrás daquele vulto, em pânico. Como a mulher se atrevera a deixar um bebê em sua porta? Os pés, descalços, doíam quando ela pisava nas folhas e pedregulhos que a chuva trouxera, e não conseguiu correr mais. Também não conseguia enxergar bem com os óculos ensopados como estavam. Uns poucos carros e um ônibus ainda passaram pela rua, mas já não havia mais sinal da pessoa com um guarda-chuva amarelo. Decidiu voltar para casa.
Sam devolveu-lhe o bebê, que chorava com estardalhaço.
- Acho que está na hora de trocar a fralda dele - disse.
- Não seria bom chamarmos a polícia?
- Eles não trocam fraldas - provocou. - Acho que o bebê está com fome. Ponha um pouco de leite para esquentar enquanto vou procurar alguma mamadeira nas coisas de minhas crianças.
- Ele está se referindo aos bodes - Hermione comunicou ao bebê, enquanto o carregava na cesta para dentro da cozinha. - Sam cria bodes. E por isso que há este cheiro esquisito no ar.
O bebê gritou mais alto.
- Está bem, está bem, nós vamos esterilizar a mamadeira antes de dá-Ia a você.
Hermione entrou na sala, olhando em volta para escolher um local seguro onde acomodar o bebê. Resolveu deixá-lo no chão, dentro do cesto em que viera.
- O que vou fazer com você? - perguntou, mostrando-lhe o chocalho que fora colocado junto dele. O bebê brincou um pouco com ele, e Hermione aproveitou aquele momento de calma para enxugar as lentes dos óculos, secar-se com uma toalha e colocar as meias antes de calçar os chinelos. Pegou a agenda de telefones e procurou o número da polícia.
- Gostaria de registrar o abandono de uma... - disse, quando a ligação foi atendida. -Não, espere não é isso... - Olhou para o bebê. "Abandono" era uma palavra que poderia causar traumas ao pequeno. - Gostaria de registrar a perda de uma criança - reconsiderou. - Ou melhor, dos pais de uma criança...
O bebê parecia tão frágil e indefeso deitadinho ali em seu berço, que Hermione não conseguiu continuar. Desligou o telefone antes de terminar a frase e foi até ele. Ajoelhou-se e abriu um dos pacotes de fraldas descartáveis que havia sido colocado na trouxa. Um aroma delicado saiu de dentro dele. Foi então que viu o bilhete.
"Querida Sra. Granger,
A senhora salvou aquelas outras crianças, por favor, agora me ajude."
Seu coração disparou. Não queria continuara leitura para não ter de se envolver. Mas, dessa vez, ela não era uma passante anônima, ela, Hermione Granger, estava sendo requisitada diretamente.
"Estou desesperada e fora de mim.. Por favor, não deixe que a polícia ou o juizado de menores sejam comunicados. Cuide de meu bebê até que eu volte, dentro de poucos..."
A mensagem finalizava ali, de repente, em um borrão. Poucos o quê? Dias, meses? Olhou de novo para o bilhete. "Estou desesperada e fora de mim". Hermione remexeu, aflita, nos panos da trouxa. Outro fragmento de papel caiu deles. "...encontre-o no Blue Parrot. Ele é..." Mais um pedacinho, e uma linha: "...o nome dele é Harry."
Era só. Hermione juntou os pedaços e viu que faltava uma parte da folha onde fora escrito o bilhete, na forma de um triângulo.
- Harry - murmurou. Não era então a única pessoa mencionada no bilhete. Absurdo ou não, sentiu-se um pouco mais aliviada. Parecia que sua responsabilidade diminuíra. Havia mais alguém para dividi-la com ela.
Procurou nas coisas do bebê, mas não encontrou o pedaço que faltava do bilhete. Segurando a criança, olhou até dentro da fralda dela, mas não encontrou nada.
Trocou a fralda. Quando estava terminando de vestir o calçãozinho na criança, ouviu os passos de Sam, entrando. Trazia várias mamadeiras, ainda em suas embalagens originais.
- É uma menina! - anunciou Hermione.
- Xi, que pena! Eu trouxe charutos - riu ele e ajoelhou-se ao lado dela, assobiando. - Chamou a polícia?
Hermione se sentiu culpada.
- Farei isso assim que der um pouco de leite a ela.
Chamar a polícia era a coisa mais sensata a fazer naquele momento. As autoridades eram as pessoas indicadas para tomar conta de uma criança abandonada. Poderiam localizar o pai ou a mãe.
- Na cozinha, Sam enchia uma mamadeira com leite.
- "Querida senhora Granger, a senhora salvou aquelas outras crianças...". Ela deve ter lido nos jornais de ontem sobre você e a medalha, ou visto a notícia no telejornal.
Hermione dirigiu um olhar recriminador para Sam, como para impedi-lo de tocar naquele assunto. Ele achava que era a modéstia que a fazia ser tão reticente.
- Por que isso teve de acontecer comigo? - resmungou.
- Pelo menos ela escolheu deixar á criança com uma pessoa séria. Isso é bom para você - disse Sam. - A brava livreira, a intrépida Hermione Granger agraciada com a medalha de bravura por sua conduta... Ela deve ter procurado seu endereço na lista telefônica e ficado à espreita até ter certeza de que você pegaria o bebê antes que os cachorros o descobrissem. Certamente ficou por perto até vê-Ia chegar e só partiu depois de ter lido o nome da livraria na van.
Hermione deu uma risada nervosa ao pensar na idéia de estar sendo encarada como um modelo de virtude, o tipo de mulher que nunca deixaria de assumir uma responsabilidade ou dever.
- Ninguém, em sã consciência, esperaria que um estranho assumisse uma responsabilidade como essa - disse, olhando para o rostinho do bebê. Seus cabelinhos escuros estavam espetados, como se houvesse tomado um choque, e Hermione se sentiu invadida por uma onda de ternura.
- Tola - disse para si mesma.
Sam veio com o leite. Jogou umas gotas nas costas da mão para ver se não estava muito quente e entregou a mamadeira para Hermione.
- Avisar as autoridades é o melhor que posso fazer por ela - disse Hermione. - Pela mãe, quero dizer. Quanto mais cedo for encontrada, melhor. Deve estar precisando de ajuda.
Ao ver a mamadeira o bebê parou de resmungar e virou-se para ela. A sala ficou em silêncio enquanto ele mamava, animado, os olhos azuis, solenes, fixos em Hermione. Curiosos, confiantes.
"Querida senhora Granger. Estou desesperada e fora de mim".
Estava claro que era do interesse de todos os envolvidos que a criança fosse entregue rapidamente à polícia. O bebê continuava a inspecionar Hermione com o olhar até que os cantos de sua boca se alargaram, como a indicar que estava satisfeito. Enquanto a criança se aconchegava a ela, Hermione tentou se convencer de que não era exatamente um sorriso, e sim uma resposta automática do sistema nervoso ainda imaturo.
- Sam...
- Diga.
- O que você acha que é o Blue Parrot?
O Blue Parrot parecia um set de cinema reproduzindo um daqueles porões de New Orleans onde se toca jazz. Paredes nuas de ladrilhos, mesas minúsculas, clientes sentados lado a lado no balcão do bar, tudo envolto em muita fumaça e à meia-luz. Hermione sentiu imediatamente a reação alérgica na garganta. O nariz começou a escorrer. Era só o que faltava!
- Por favor - disse, dirigindo-se a um dos barman. - Eu liguei há pouco, perguntando por alguém chamado Harry.
- Ele está tocando, lá no fundo -respondeu o rapaz, apontando para um canto onde havia um grupo de jazz, com três homens. - Harry é o do piano - explicou o barman. A platéia que se aglomerava em volta do conjunto aplaudiu entusiasmada quando o saxofonista finalizou seu solo. Hermione ouviu o pianista antes de vê-lo. Era uma sombra escura, debruçada sobre o teclado, com um cigarro no canto de sua boca. Que ótimo! Procurou por um lenço de papel na bolsa e levantou os óculos para enxugar os olhos lacrimejantes.
"Senhor Harry, preciso falar com o senhor sobre um bebê" pensou em dizer, de um só fôlego, assim que abrisse caminho por entre a platéia para se aproximar o mais possível do piano. Não! Era direto demais. Harry seria o quê? O pai? Mas e se a mãe abandonara o filho porque ele não quisera assumir a paternidade? Melhor seria dizer que queria falar com ele sobre "um assunto delicado".
Curvou-se até o pianista e elevou a voz:
- Sr. Harry...
- Sssh os fãs protestaram, chocados, pelo fato de alguém estar interrompendo um músico em meio a sua apresentação. Hermione corou e não desistiu. A alergia estava piorando, os olhos ardiam muito. Tudo o que ela queria era sair dali o mais rápido possível, antes que começasse a espirrar e tossir.
- Sr. Harry! - repetiu, mais alto, e de novo foi repreendida pela platéia. Harry parecia não ouvir mais nada a não ser a própria música. Curvou-se ainda mais por sobre o teclado. De onde Hermione estava não via nada além de seus ombros, o alto da cabeça e as mãos movendo-se rapidamente pelas teclas como se acariciasse cada uma delas. Notou que ele tinha mais cabelos do que seus companheiros. Eram escuros, castanhos, grossos, e compridos na nuca.
O solo terminou, os outros instrumentos sobrepuseram-se ao som do piano, mas Harry permaneceu em seu transe, como se não percebesse os aplausos. As cinzas caíam do cigarro quando ele tocou a última parte da música. No meio do improviso, Hermione ainda reconheceu as notas da melodia principal. Qual era mesmo o nome da música? Sua impaciência cresceu. Finalmente a música parou. A banda tinha um intervalo. Os aplausos cessaram.
- Sr. Harry - insistiu Hermione , quando ele fez menção de fechar o piano e virar o corpo em direção a ela. A camisa branca parecia prestes a rasgar com a movimentação dos ombros. Ele levantou os braços, passou as mãos por entre os cabelos, e ela pôde vislumbrar então um pedaço da pele morena de seu rosto.
- É você quem está fazendo esse barulho todo? - perguntou ele, ameaçador, o cigarro pendurado no canto da boca. Sua testa tinha duas rugas profundas, sinal de que franzia as sobrancelhas habitualmente, como naquele momento. Os olhos estavam encobertos pela fumaça: O nariz era proeminente e o queixo, quadrado. O lábio superior era ligeiramente mais cheio do que o inferior. Hermione o fitava demoradamente, pensando em como deveria começar aquela conversa.
- Você tem idade para entrar aqui? - perguntou ele, sem muito interesse. - Vai ter de mostrar seus documentos se quiser pedir um drinque.
- Não quero bebida alguma. Quero falar com você.
- Sobre o quê?
- Bem, é... Podemos conversar em particular? - ela estava irritada, por causa do desconforto da rinite.
Ele a olhou interrogativamente, como se Hermione o tivesse convidado para ir a seu apartamento.
- Dê-me uma pista, meu bem - disse ele, apoiando inadvertidamente a mão no teclado, que produziu variados sons. Era uma mão grande, poderosa, sem os vestígios de nicotina comum nos fumantes. Olhava fixamente para ela, não por algum interesse especial, mas como para avaliar o impacto que sua presença causava nela. Agia como um daqueles mágicos que manipulam a platéia e ficam depois à espera de aplauso. Estava acostumado a ser admirado, a ser elogiado por seu desempenho, raciocinou Hermione.
Não ficara impressionada porque tinha convivido com gente brilhante e talentosa sua vida toda, e aquela encenação dele não significava absolutamente nada para ela. O olhar que Hermione lançou de volta revelou sua indiferença e essa atitude aguçou a curiosidade dele.
- É sobre um bebê - ela disse de chofre, surpreendendo-o.
Ele ergueu a cabeça, surpreso. Tirou o cigarro da boca e lançou um longo olhar para ela, notando pela primeira vez os óculos, os cabelos presos em um coque no alto da cabeça, a camisa branca larga que vestira por cima do agasalho. Não se preocupara em se arrumar e sabia que seu nariz e seus olhos deviam estar, àquela altura, mais vermelhos do que a boca.
- Um bebê... - repetiu ele, levantando as sobrancelhas. - Você tem um ou quer um?
- O quê? - Ela piscou.
- Não, não precisa responder, eu já entendi. Você quer que seu filho seja músico e agora que me viu tocar... - Fez uma pausa e dedilhou distraidamente o piano. - Você acha que meus genes, junto com os seus, podem produzir uma criança prodígio.
O baixista lançou um olhar divertido para os dois.
- Sinto lhe dizer que no mês passado recebi a mesma proposta de outra moça e me recusei a ajudá-la nessa empreitada.
Outra moça? O que ele era, afinal? Um especialista em atender mulheres que queriam engravidar?
- Já tenho um bebê - respondeu Hermione sem preocupação alguma de parecer delicada. - E pode ser seu, sr. Harry.
O baixista afastou-se de fininho quando ouviu a frase. Nada como o assunto da paternidade para estragar uma rodinha masculina!
Harry levantou-se aos poucos, esticando-se.
- Muito bem, você tem toda minha atenção - disse. - Sei que não sou o pai do seu bebê, então qual é a história?
Ele parecia ter quase dois metros, e ela assustou-se com o tamanho dele. Hermione abriu a bolsa para procurar mais alguns lenços de papel, os óculos estavam embaçados por causa da transpiração, e o suor começava a escorrer pela sua testa. Estava muito abafado ali. Que raiva!
- Vai chorar justo agora? - comentou Harry, irônico. - Vamos, mocinha - continuou ele, colocando o braço sobre seus ombros, conduzindo-a até um pequeno escritório, nos fundos do bar. - Poupe-me da choradeira - disse ele, quando entraram.
- Não estou chorando - defendeu-se Hermione. - Mas tinha todo o direito de fazê-lo. Quando cheguei a minha casa, hoje à noite, encontrei um bebê em minha porta.
Ele armou um sorrisinho irônico. Hermione enfureceu-se. - É sim, hilário, não é mesmo? Um clichê. Mas aconteceu. Havia um bilhete junto com a criança - prosseguiu ela, estendendo os fragmentos de papel para ele. - Vai fumar aqui também?
Ele ignorou a pergunta, tirou o cigarro que pusera na boca e sentou-se na beira da mesa, com os papéis na direção da luz. Hermione estudou-o enquanto ele examinava o papel. Tinha olheiras e precisava fazer a barba. Usava uma camisa branca aberta no peito, as mangas enroladas na altura dos cotovelos. Por cima, um colete que combinava com a calça. As roupas pareciam caras, como também o relógio de ouro com a pulseira de couro.
Ele levantou os olhos do bilhete.
- Você é a sra. Granger, presumo...
- Isso mesmo.
- Se a autora do bilhete sabe quem é a senhora, então certamente a senhora também sabe quem é ela.
Hermione balançou a cabeça, negativamente.
- O que quer dizer "salvou as outras crianças?"
- Não ligue para isso. O importante é que seu nome e este lugar foram mencionados no bilhete.
- Ora, vamos, sra. Granger - ironizou ele. - Um bebê na porta de casa, um bilhete dramático rasgado em dois, com um pedaço faltando. "Estou desesperada e fora de mim". Isso parece coisa de novela -disse ele, estreitando os olhos.
Olhos verdes, talvez um pouco mais escuros que os do bebê.
- Escute aqui, sr. Harry. Eu detesto ter minha vida virada de cabeça para baixo. Detesto lugares como este e, por nada desse mundo, eu poria os pés aqui para procurar um homem como o senhor não fosse por um bebê jogado em minha porta. Acho que isso é motivo suficientemente forte. Será então que o senhor poderia deixar de ser cínico só por uns momentos e prestar atenção no problema estamos discutindo?
Uma expressão aborrecida tomou conta do rosto dele.
- Ah, nada disso. Nós não temos problema algum, senhorita. Você tem um problema, e ele é só seu, já que foi você quem achou um bebê em sua porta e não eu. Além disso, falando francamente, essa história não tem consistência alguma.
- Mas... seu nome está no bilhete! - protestou Hermione , o dedo apontado para o papel.
- Nunca tive filhos no passado e não os terei também no futuro. O seu achado não tem nada a ver comigo.
"Achado?" Hermione estava pasma. Não lhe ocorrera que o homem não fosse acreditar nela.
- Acha que eu viria até aqui com uma história que não fosse verdadeira?
- Srta. Granger, nada do que as pessoas fazem me surpreende mais - respondeu ele, colocando os fragmentos de papel de volta nas mãos dela. - Se sua história é verdadeira ou não, esse é um problema seu. Só sei que faltam a ela bons argumentos para convencer o mais tolo dos homens.
- Mas...
- Pode me chamar de antiquado - prosseguiu Harry, em voz baixa. - Mas prefiro ser o caçador e não a caça. E para ser bem franco, você não é meu tipo - finalizou ele, olhando-a com desdém.
Hermione arregalou os olhos irritados, e ele deve ter interpretado erradamente as lágrimas que viu porque se apressou a dar umas palmadinhas conciliatórias em suas costas, como se houvesse pensado que ela chorava por ter sido rejeitada.
- Vá para casa - disse ele, apontando para a porta.
Hermione agarrou-lhe o braço.
- Você não pode me deixar nisso sozinha. Não era só meu nome que estava no bilhete - disse ela, abanando o papel no nariz dele.
- Jogue isso fora - ele respondeu, batendo a porta e saindo. Foi seguido imediatamente por uma loira insinuante que ele abraçou pela cintura e levou até o piano. Começou a tocar e, outra vez, deixou-se envolver totalmente pela música.
Hermione sentiu inveja dele. Que bom era conseguir se desligar assim. Ela, ao contrário tinha de enfrentar um bebê abandonado que lhe fora dado para cuidar. Lutando contra as lágrimas dos olhos, procurou no escuro um telefone e ligou para Sam.
- Não consegui nada com Harry - disse. - Ele está acostumado a ser assediado pelas mulheres e não está convencido da existência do bebê. Há uma chance até de ele não ser o Harry do bilhete - disse. Depois de uma pausa, perguntou: - Como está a nenê?
- Dormindo. Fiz uma espécie de berço para ela, no chão, com a ajuda de umas caixas e das almofadas do sofá. Então você mesma fala com a polícia ou quer que eu o faça?
- Vou tentar só mais uma vez apelar para o bom senso do tal Harry. Talvez consiga fazê-lo acreditar em mim. Você pode ficar mais um pouco aí, Sam? Preciso esperar até que ele acabe de tocar.
Passaram-se duas horas; Nesse meio tempo, Hermione perguntou a algumas pessoas se conheciam outro freguês regular de nome Harry, mas todo mundo só se lembrava do pianista. Ficou sabendo que ele era um dos muitos músicos amadores que tocavam no bar e que Harry era o primeiro nome, não o sobrenome. O nome completo era Harry Potter.
Consultou de novo o bilhete, e achou que, perto da parte rasgada, a letra que se seguia ao nome Harry parecia mesmo um "P" , talvez de Potter. O ar enfumaçado e o ambiente barulhento estavam se tornando insuportáveis, e Hermione achou melhor esperar na rua, mesmo tendo de enfrentar a chuva fina. No ar fresco, a irritação do nariz e dos olhos poderia melhorar. Sentia-se desconfortável com a camisa fina que, molhada, aderia à pele. O coque despencara, e ela tivera de prender os cabelos de novo, de algum jeito, e os fios escaparam aqui e ali.
Harry saiu sozinho, carregando uma maleta de couro e com uma capa de chuva jogada sobre os ombros. Olhou para os dois lados da rua como para checar o tráfego e atravessou repentinamente, indo em direção a uma loja com uma grande placa de néon. Hermione o seguiu.
- Você de novo! - Ele contraiu os olhos, em um gesto de desagrado. Apoiou a maleta no chio, fechou os botões da camisa. - Esqueceu de me contar algum detalhe? Veio me dizer se o bebê estava em cima ou embaixo da escada?
- As duas coisas - respondeu ela, com a esperança renovada de que ele a ouvisse. - Minha casa é daquelas antigas, que tem um porão alto. O bebê foi deixado na escada da porta, nos degraus que levam para a varanda.
Ele olhou-a com ironia.
- Bastava responder se era em cima ou embaixo. - Procurou alguma coisa nos bolsos e tirou uma gravata. Levantou o colarinho da camisa, ajeitou a gravata, fez o nó e rapidamente deixou-a ajustada ao pescoço.
Os olhos de Hermione ficaram hipnotizados pelos movimentos dele e, para disfarçar, ela abriu a bolsa em busca de mais um lenço de papel para limpar os óculos. Quando voltou a encará-lo novamente, ele finalizava o arranjo do colarinho. Interrompeu-se por alguns instantes, olhou para ela e prosseguiu com aquela delicada operação masculina de ajeitar a gravata em frente aos botões da camisa. Estava totalmente concentrado em se arrumar. Hermione achou que o único jeito de chamar sua atenção seria se oferecer para engraxar seus sapatos. Ele sabia que ela o olhava.
- O que acha? - perguntou de repente, para deixar claro que percebera o interesse dela. Talvez achasse que Hermione o estava admirando. Mas ela lembrou-se de quanto ele pisoteara sua auto-estima e resolveu contra-atacar.
- Estava pensando se ela levou em conta o nariz.
- O quê? - perguntou ele, piscando. - De quem você está falando?
- A tal mulher que queria fazer um filho prodígio com você - respondeu ela, olhando fixamente para o nariz dele.
Instintivamente, ele o cobriu com as mãos, como para proteger o nariz do olhar desaprovador dela. Então riu.
Em sua limitada experiência com o universo masculino, Hermione aprendera que homens autoconfiantes são sempre sérios, mas aquele quebrara a regra, mostrando que era capaz de rir de si mesmo. Poderia ser também um daqueles tipos tão seguros de seu fascínio que só mesmo poderiam rir, em sinal de zombaria, de alguma observação negativa a respeito de seus dotes físicos.
Hermione ajeitou novamente os óculos que insistiam em escorregar do nariz úmido de chuva. Agora que tinha conseguido chamar a atenção dele, achou que era hora de mostrar-lhe de novo o tal bilhete.
- Quer fazer o favor de parar de esfregar esse pedaço de papel em meu nariz? - Harry grunhiu.
- Mas seu nome...
- Está escrito aí. Isso você já disse.
- Por favor, pense em quem pode ser a autora deste bilhete.
Ela balançou o papel de novo e corou de raiva, ou talvez de embaraço, porque os óculos ameaçavam escorregar de novo. Ele tirou um pente do bolso.
- Não preciso pensar sobre isso. Não tem nada a ver comigo, e eu espero - disse, apontando o pente para ela - que você pare de querer me envolver nesse assunto.
Um sopro de vento abriu sua capa, e ele colocou o pente nos dentes enquanto fechava os botões e amarrava o cinto. - Pensei que o clube seria o único lugar onde eu poderia ficar longe de mulheres enlouquecidas, oferecidas ou insistentes. Estou farto de todas vocês! -exclamou ele, fazendo um gesto que dava ênfase à frase.
- E quanto ao pente? - perguntou Hermione. - Pretende comê-lo?
Harry arrancou o pente da boca. Sua hostilidade tinha chegado ao limite e agora, relutantemente, ele ensaiava um sorriso.
- Siga meu conselho, mocinha. Não se envolva.
- Já estou envolvida. A mãe daquela criança não a abandonou em qualquer lugar e sim a minha porta. Colocou meu nome no bilhete, pediu que eu tomasse conta dela, dizendo que eu era a pessoa certa para fazê-lo. Estava desesperada, sr. Harry. Não sei como é com o senhor, mas eu não consigo ignorar um pedido desesperado de ajuda!
Lembrou-se de que o sobrenome dele era Potter e não Harry, mas ele não a corrigiu. Limitou-se a olhá-la especulativamente. A chuva fina recomeçara a cair. Os cabelos dela tinham se transformado em uma pasta disforme que caía sobre as sobrancelhas. O que mesmo estava dizendo? Era preciso quebrar o silêncio antes que não tivesse mais coragem para continuar a insistir naquele assunto.
- Pense nisso - disse ela, colocando o bilhete rasgado na bolsa e procurando por um cartão de visitas. - Vou lhe deixar meu telefone, caso o senhor consiga se lembrar de alguma pessoa.
Ele protegeu os olhos das gotas de chuva. Eram incrivelmente verdes, emoldurados por uma densa cortina de cílios negros.
- Não gostaria de deixar o bebê aos cuidados de uma assistente social. Não seria um bom começo de vida, não acha? Talvez a mãe seja jovem e esteja apenas assustada. Você se lembra de alguma jovem grávida que tenha freqüentado o clube no ano passado?
Hermione passou a mão na testa, tentando impedir que as gotas de chuva escorressem por trás dos óculos. Pingava água de seus cabelos encharcados. Ele piscou e tentou limpar a água do rosto. Passou a mão na boca, para secar os lábios. Ali na rua, de pé na chuva, ela se sentiu intimamente ligada a ele. Confusa, percebeu que Harry olhava para sua boca, do mesmo modo como ela olhava para a dele.
Os dois tentaram disfarçar o constrangimento ao mesmo tempo. Harry tirou um lenço do bolso, desdobrou-o e se pôs a secar a testa.
- Não me lembro de grávida alguma - disse, brusco. - Lamento que você tenha ficado com a responsabilidade de olhar por uma criança que lhe foi trazida por alguma adulta irresponsável que nunca deveria ter gerado um filho. Gostaria de ajudar, mas já tenho problemas suficientes e não posso arcar com mais esse. Chame a polícia antes que acabe sendo acusada de seqüestro.
- Seqüestro? - soluçou ela. - Mas eu...
- Você está com o filho de outra pessoa em sua casa. Poderia ter sido planejado. Confie no que eu estou lhe dizendo - continuou ele. Penteou os cabelos rapidamente, olhou para o relógio e conferiu o movimento de carros na rua. Pareceu encontrar o que procurava e sorriu, satisfeito. - Boa sorte, srta. Granger, e adeusinho.
Um BMW esporte cor de bronze parou no meio-fio.
- Harry! - chamou a mulher que o dirigia.
- Olá, Caroline - respondeu ele.
Hermione fez menção de se retirar, mas ele a segurou pelo cotovelo e pediu:
- Fique!
Foi como dar um comando para um cachorro adestrado. Ela ficou tentada a latir em retorno, mas uma olhadela para Harry foi suficiente para perceber que ele parecia assustado. Quem seria aquela mulher? Era tão intrigante que resolveu ficar para descobrir.
Caroline desceu do carro. Esguia, corpo flexível, olhos maravilhosos. Vestia roupa justa, um top de listas vermelhas, minissaia de couro preta, um enorme cinto e meias pretas, envolvendo as longas pernas. Anéis e brincos dourados. Era uma beldade de dezenove, no máximo, vinte anos.
Hermione ficou ponderando o que, naquela garota, poderia ter intimidado Harry.
- As chaves do seu carro, amorzinho - disse ela, balançando o chaveiro para ele. Harry o pegou com a mão que estava livre. - Seu arquiteto ligou no telefone do carro. Disse que amanhã entregará um relatório sobre o estrago. Você deveria ir para nossa casa, enquanto a sua está reformando. Papai adoraria recebê-lo.
- Alô - disse ela, friamente, dirigindo-se a Hermione. – Sou Caroline Warner. - Dirigindo-se novamente a Harry, ela prosseguiu: - Ela não se parece com um procurador. Papai disse que você estaria trabalhando em um caso hoje à noite, Harry.
- Já terminamos - explicou ele e jogou as chaves de volta para ela. - Voltarei em um minuto, Caroline.
Dispensada tão sem rodeios, a beldade caminhou até o carro com ar aborrecido, entrou e cruzou os braços. Hermione; invejou os cabelos lisos e sedosos e então sentiu a mão de Harry prendendo seu cotovelo. Ele o soltou, mas a enlaçou pela cintura.
- O que está fazendo? - protestou Hermione. Estava sendo puxada para perto dele, e podia sentir o calor de suas mãos queimando suas costas molhadas.
- Dizendo adeus.
Esperou um instante, como para dar a ela a oportunidade de respirar, abaixou a cabeça e a beijou. Foi um beijo frio, mas tecnicamente perfeito. Como aqueles beijos apaixonados de cinema, que parecem perfeitos para o espectador, mas que não têm nenhum envolvimento. Pelo menos foi o que Hermione pensou nos primeiros cinco segundos. Depois disso, ele prosseguiu, os lábios forçando os dela a se abrir, persuasivo. Sentiu a língua dele em sua boca, o cheiro de cigarro e de bala de hortelã até que tudo terminou com o som de uma batida de porta de carro.
Harry a soltou. Sorriu, visivelmente satisfeito consigo mesmo.
- Que pena. Em uma outra ocasião seria divertido prosseguir com isso. Mas na atual circunstância, não espero encontrá-la de novo. Adeusinho, Hermione.
Pegou a valise e caminhou até o carro. Caroline passou para o lugar do passageiro, ele acomodou-se e deu a partida.
Hermione ficou ali na calçada, sem ação. "Teria sido divertido ir em frente com isso". O homem era convencido, metido a conquistador e, aparentemente, tinha mudado de idéia a respeito de seu sex-appeal. Sentiu uma ponta de satisfação.
Em casa, encontrou Sam dormindo no sofá e o bebê em seu berço improvisado. Hermione procurou pelo sobrenome Potter na lista telefônica e encontrou: Harry Potter, Advogado. Não era à toa que se sentia frustrada. Ele era especialista em enredar os outros.
Sam acordou, ouviu as novidades e foi embora para casa. A porta de tela bateu, e ela pôde ouvir os passos dele na grama molhada até que tudo silenciou de novo. Ouviu o som dos bodes, do sapo que morava no jardim desde dezembro e dos mosquitos, zunindo do lado de fora das janelas.
Cansada, foi para a cama e, em instantes, só ouvia a respiração do nenê. Mais um dia, pensou. Ficaria com a criança mais um dia à espera de que a mãe a procurasse. Era improvável contar com a ajuda de Harry, mesmo que ele tivesse segundas intenções. Passou os dedos pelos lábios.
"Não espero encontrá-la de novo."
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N/A – Oie pessoas...fiquei em dúvida se postava esta história ou um outra que eu li e gostei…não sei bem porque escolhi esta história pra adaptar...mas espero que gostem e acompanhem...Beijinhos
