NARUTO NÃO ME PERTENCE, NEM A HISTÓRIA! CAPÍTULO I
A tempestade que desabava lá fora estava cortando o sinal. Hanabi proferiu um inofensivo e constrangido palavrão, enquanto os dedos trêmulos ligavam o celular, acionando o comando de "rediscar" antes de levá-lo de volta ao ouvido.
O medo tomava conta de sua pele como um enxame de aranhas invasoras. Não podia parar de sentir um ligeiro tremor — ou estaria tremendo? Ela não sabia, nem se importava, apenas precisava — precisava fazer aquela ligação.
— Vamos lá... — implorou Hanabi, com uma tensão de ranger os dentes ao constatar que ainda nada acontecia.
Cinco minutos atrás, saíra correndo de um táxi rumo ao seu bloco no edifício, sem qualquer outra preocupação a não ser escapar da chuva torrencial. Teve um dia infernal pois dormiu demais naquela manhã. Na pressa de alcançar o vôo para Paris, disparou apartamento afora, esquecendo de pegar o celular e, sem ele, sentiu-se perdida o dia inteiro.
Além disso, a reunião não foi digna do tempo que gastara com a sua preparação. Supermodelos temperamentais e designers gráficas talentosas simplesmente não combinavam, descobriu, especialmente quando a supermodelo em questão reparou na figura esbelta e altiva da designer gráfica, encarando-a como uma ameaça iminente. Por que diabos aquela idiota teve a idéia de que uma morena de um metro e setenta poderia competir com uma sílfide loura de um metro e oitenta e dois, com maçãs do rosto de enlouquecer, permaneceria um mistério. Entretanto, toda a esperança de que a modelo deixasse Hanabi projetar o seu site autopromocional na Internet escapuliu pela janela naquele exato instante.
Depois disso, ela voou de volta para Londres atravessando a pior condição meteorológica possível, lutou para pegar um táxi e, em seguida, ficou completamente ensopada ao tentar sair do carro. A primeira coisa que avistou quando passou pela porta da frente foi o celular sobre a mesa do corredor, revelando uma dúzia de chamadas sem resposta —a maioria de Kiba, seu parceiro de negócios, exigindo saber por que diabos ela não estava atendendo o telefone.
Mas foi uma outra mensagem que deixou a sua mente na mais completa comoção.
— Hanabi — a voz dizia. — Me ligue de volta neste número o mais rápido que você puder. Aconteceu um... acidente.
Um acidente... Sua garganta se fechou no esforço de engolir em seco. O autor da mensagem não deixou nome mas sua voz profunda, estática, afável e acentuada pelo sotaque lhe soou familiar o suficiente para deixá-la em estado de pânico. Atinou que a ligação fora feita pelo marido da irmã, Itachi — e se Itachi gravou uma mensagem como aquela, só poderia significar que o acidente envolvia Hinata.
— Droga — resmungou porque ainda nada acontecia, e pressionou o comando de rediscagem quando a campainha da porta emitiu um toque curto e agudo.
Distraída, Hanabi se virou para descer o corredor até a porta da frente, mal notando que teria de passar por cima da bolsa que jogara no meio do caminho. Dedos agoniados traçaram um feroz arranhão pelo caimento sedoso dos cabelos castanhos úmidos de chuva, antes de tentar agarrar a maçaneta da porta. O telefone ainda não conseguia completar a ligação. Abriu a porta com força, preocupada demais para imaginar quem estaria do outro lado e, por isso, levou um choque — um choque gélido, brutal, de perder o fôlego, ao perceber que a última pessoa que esperava ver estava diante dela.
Ele media mais de um metro e oitenta de altura e vestia um sobretudo negro e comprido. A largura dos ombros quase emparelhava com o batente da porta. Por alguns instantes terríveis, Hanabi de fato sentiu-se aturdida o bastante para se escorar na porta, enquanto ele permanecia ali, preenchendo a entrada, uma forma sombria de causar arrepios.
— Sasuke. — Deus do céu, pensou, enquanto seus lábios pronunciavam o nome dele com um sussurro admirado.
Ele não proferiu uma palavra sequer, mas imediatamente esticou uma das mãos para amparar o telefone nos seus dedos dormentes e conduziu Hanabi de volta para dentro, usando o velho método de avançar alguns passos para a frente.
A respiração de Hanabi dava pontadas em suas costelas, o fato de não estar gritando com ele para que se afastasse era um sintoma do seu estado de paralisia — embora ainda fosse capaz de registrar que ambos se moveram sem se tocar. Como numa dança entre dois ímãs de pólos opostos, fizeram a manobra até a sala sem transgredir o espaço defensivo um do outro, até que Hanabi estivesse com as costas apoiadas contra a parede, olhos arregalados e fixos em Sasuke, sem piscar. Ele se virou de costas e em implacável silêncio fechou a porta.
O tamanho da sala subitamente encolheu até o nada, Hanabi sentia-se estranha subitamente, como se também estivesse encolhendo para dentro de si mesma, num esforço para se livrar daquilo que estava sendo forçada a encarar ali.
Esse homem, esse gigantesco testa-de-ferro do vasto império Uchiha. Sasuke Uchiha, de Florença, homem de poder e paixão inigualáveis. Ex-amante de Hanabi Hyuuga, mulher de pecado e irmã da esposa do irmão de Sasuke.
Aquele também era o homem com quem iria se casar. O homem com quem vivera como esposa por seis meses maravilhosos antes que tudo desabasse. Hanabi o amara apaixonadamente; agora mal podia suportar que olhasse para ela sem sentir o coração murchar na sua presença.
Vagarosamente, Sasuke se virou para encará-la de frente, desprendendo pingos de chuva dos ombros espaçosos nesse movimento, e preenchendo o aposento confinado com o cheiro da friagem e da lã molhada. Os olhos adornados por longos cílios se voltaram um instante para Hanabi, e então Sasuke se esquivou para apanhar a bolsa esquecida no chão.
— Você esteve fora — murmurou ele secamente. Seu inglês perfeito, afinado e profundo, com o tipo de sotaque que brincava com os seus sentidos como o toque de um amante...
Não entre nessa, recomendou a si mesma.
— P-Paris — respondeu Hanabi.
Sasuke inclinou a cabeça morena como se ela tivesse acabado de lhe confirmar algo, apesar de não compreender bem o que seria nem que a matassem. Tremia, abalada por conflitos ambíguos, ciente de que deveria estar pensando na irmã, mas que só era capaz de pensar em Sasuke.
Hinata... Sentiu a garganta convulsionar numa onda de angústia, as palmas das mãos pressionadas contra a parede. Erguendo os olhos brancos ansiosos até as linhas rígidas e tesas do perfil dele, Hanabi cindiu os lábios para exigir que lhe contasse o que aconteceu com Hinata, mas Sasuke falou antes.
— Estamos a sós aqui? — Indagou, e assim que Hanabi o encarou boquiaberta, incapaz de acreditar que ousara fazer aquela pergunta, Sasuke decidiu descobrir por conta própria. Passando por cima da bolsa, começou a abrir as portas.
O choque foi substituído por uma consternação abrasadora quando compreendeu o que ele estava fazendo. Dois anos atrás, Sasuke voltou ao seu apartamento de Florença a tempo de flagrá-la na tentativa apressada de disfarçar as evidências do que andou fazendo enquanto ele estava fora do caminho. O que se seguiu foi uma horripilante demonstração do que pode acontecer quando alguém faz um Uchiha de tolo.
Daquela vez, Sasuke a arrastou consigo de cômodo a cômodo, na medida em que checava todos os lugares possíveis onde Hanabi pudesse ter escondido um amante. Agora estava preparado para levar a cabo a revista por sua própria conta — não que tivesse algum direito de fazer tal coisa.
— Seu imbecil — desabafou Hanabi, e se descolou da parede e caminhou sobre pernas trêmulas até a sala.
Sequer tivera chance de entrar ali, pensou, contemplando fixa e vagamente a escuridão gelada, que era amainada apenas pelo brilho que se infiltrava através da janela, proveniente de um holofote da rua. Procurar pelo interruptor de luz mais próximo e inundar a sala com luz apropriada foi um reflexo automático — como cruzar o aposento até a janela, para cerrar as cortinas cor de creme sobre a vidraça alagada pela chuva.
Assim que se virou, Hanabi encontrou Sasuke de pé na soleira da porta, observando-a com seus aguçados olhos negros, em um rosto com o estigma do orgulho da sua linhagem florentina. Era bonito, mas rude, frio; forje uma estátua à imagem dele e terá um reflexo de um deus dos tempos modernos.
Mas esse homem não era um deus, lembrou-se rapidamente. Ele até podia ter o rosto e o corpo de um, podia possuir a espécie de poder e a arrogância que os velhos deuses gostavam de brandir, mas no íntimo era tão mortal quanto qualquer outra pessoa. Imperfeito e volúvel, concluiu Hanabi, enquanto esperava o choque esmaecer para que as antigas e amargas emoções pudessem aflorar em torrentes.
Emoções como dor e raiva, e a tristeza miserável de um amor cruelmente arrancado — um amor retribuído e apaixonadamente professo, sobre o qual compreendeu a duras penas que, para Sasuke, nunca ultrapassaria a epiderme.
Não aconteceu. Ali de pé, tensa, pálida e pronta para que tudo aquilo emergisse em ondas e a agarrasse, Hanabi descobriu que continuava a sentir absolutamente nada, nem mesmo uma leve pontada da velha sensação de desespero com a qual meros pensamentos sobre ele costumavam preenchê-la. Aqueles olhos que costumavam virar o seu coração do avesso agora a deixavam fria, assim como a boca delgada que costumava agir como um ímã sobre seus próprios lábios famintos, O talho altivo do rosto, a tez escura e dourada, o corpo magnífico sob o casaco pesado; costumava reverenciar tudo aquilo com cada toque, cada fôlego ou homenagem sensual que pudesse conceber. O homem em toda a sua divinal totalidade nunca mais faria nada por ela.
Aquilo lhe veio como um alívio, porque significava que conseguira esquecê-lo.
Esquecê-lo finalmente e de uma vez por todas tua compreensão íntima que jamais se dissiparia, por mais
— Satisfeito com a busca? — Perguntou com um sarcasmo ácido. Ou ele gostaria de checar atrás das cortinas também?
Notou o indício de um cenho fechado, antes que Sasuke agradecesse o comentário com um esgar sutil.
— Não — foi tudo o que disse e passou a analisar a decoração com seus tons pastel suaves e elegantes móveis modernos, os quais faziam um contraste e tanto em relação ao luxo antiquado com o qual mobiliara o próprio lar. As pequena poltronas gêmeas eram recobertas por um linho bege, o chão era de madeira clara polida. O piso da casa dele ostentavam tapeçarias de valor incalculável, atiradas sobre um intrincado parquete de madeira marchetada, e os sofás, feitos de um opulento couro marrom, eram grandes e fundos o bastante para que duas pessoas pudessem se esticar neles ao mesmo tempo, para se enroscar e beijar em delicada...
Novamente foi forçada a manter suas divagações sob rédea curta. Por que se lembrar de tudo aquilo, uma vez que já não significava mais nada? — Perguntou a si mesma abruptamente, e cruzou a sala para ligar outro interruptor, que fez com que chamas saltitantes iluminassem os objetos decorativos que repousavam sobre um leito de seixos pálidos na lareira aberta.
Desta vez, quando se virou, Hanabi percebeu que a atenção dele se voltara novamente para ela, seu olhar velado passeando pela saia esguia com um plissadinho elegante na parte de trás, o que conferia às suas longas pernas um torneada especialmente sensual. Será que ele gostava das suas pernas Claro que gostava delas; costumava adorá-las com as mãos com a boca, e com o toque provocante da sua língua conforme trilhava um caminho acima rumo a...
Oh, pare com isso!, ordenou-se. Sasuke ergueu o olhar repentinamente, como se ela tivesse dito aquilo em voz alta. Seus olhos se conectaram. A tensão irrompeu e elevou-se ao máximo, tomando conta da sala, sob a sombra daquela mútua compreensão íntima que jamais se dissiparia, por mais que ambos assim o desejassem.
Foram amantes, esplêndidos, vorazes, amantes sensualmente indulgentes. Conheciam cada centímetro um do outro, que fazia o outro suspirar de prazer e ir além dos limites. Porém, aqueles pensamentos estavam fora de contexto — ele estava fora de contexto!
Diga alguma coisa, maldito seja! Hanabi queria esbravejar com Sasuke. Mas ele sempre fora hábil em utilizar o silêncio para acabar com a resistência das pessoas, e continuava lá parado, fitando-a como se estivesse aguardando que ela dissesse alguma coisa. Dizer o quê?, pensou Hanabi. estaria ele esperando que o convidasse a se sentar?
A frase que dizia algo sobre queimar no fogo do inferno ricocheteou na sua mente.
Talvez ele tenha ouvido. Talvez ainda fosse capaz de sintonizar-se no que se passava dentro dela, porque os cílios de seda negra piscaram de leve quando moveu o olhar mais uma vez, cravando-o sobre alguma coisa acima do seu ombro.
Hanabi não precisava ver para saber o que atraía a atenção dele agora. Devia ser o solitário porta-retratos sobre a prateleira, com a fotografia de casamento que exibia a expressão meiga de sua irmã Hinata, sorrindo adoravelmente para seu vistoso cunhado Itachi.
Atrás do bem-aventurado casal, e afortunadamente fora te foco, estavam Sasuke, representando o desanimado e sofisticado padrinho do noivo, e ela mesma como a jovem e ajuizada madrinha da noiva. Sasuke estava no auge dos seus vinte oito anos, e Hanabi contava escassos dezoito na época, mas se divertiram juntos naquele dia.
Esquisito, pensou, que acabasse de se lembrar daquilo agora quando, ao contrário, haviam tantas coisas ruins a respeito de Sasuke sobre as quais deveria estar pensando.
— Acho que seria melhor se você se sentasse.
Os músculos se contraíram de súbito por todo o seu corpo, aprumando o queixo aguçadamente, conforme os sentidos saltaram em alarme. Quando alguém manda o outro se sentar, isso só pode significar que está prestes a contar alguma coisa que, com toda garantia, fará o chão desaparecer sob os pés, e o único jeito que aquele homem podia fazer isso com ela era trazendo más notícias sobre...
— O que houve de errado com Hinata?
Sua mão se estendeu; com dedos longos e esguios, apontava para uma das poltronas.
— Quando você se sentar. — Enfatizou ele, assistindo tudo calmamente, como se estivesse antecipando a sua reação já que Hanabi flamejava como fogos de artifício.
— Oh, deixe de ser tão desgraçadamente suscetível ao meus sentimentos, Sasuke, e diga o que aconteceu com a minha irmã! — gritou ela. — Tudo que eu consegui foi uma mensagem cheia de interferências, dizendo que houve um acidente e que eu deveria ligar para um número de celular estúpido que não existe!
— Existe sim — murmurou ele.
E, como um raio, Hanabi imediatamente percebeu o terrível — terrível — engano que cometera.
— Era o número do seu celular, não era? — explodiu acusadoramente, custando a acreditar que jamais poderia ter confundido o tom profundo e lacônico da voz dele com O tom mais amistoso da voz de seu irmão Itachi. — Pobre Sasuke — zombou com uma súbita amargura, — forçado a dar o número do seu telefone para a bruxa malvada e correr o risco de enfrentar uma nova onda de ligações inconvenientes.
Com o esboço de uma careta, reconheceu o direito dela lançar-lhe aquele comentário. Há dois anos Hanabi tentou convencê-lo a conversar com ela a todo custo. Ligava para o celular dele noite e dia até que inesperadamente, o número não estava mais acessível. Sasuke eliminou seu principal meio de contato, e assim Hanabi foi impiedosamente privada de tudo o que era importante para ela.
— Apenas fale, seu idiota — instigou ela acirradamente.
Com um sorriso constrito nos lábios, Sasuke parecia decidido a se manter firme até que ela se sentasse. Então, Hanabi acompanhou quando seus olhos realizaram um inventário hesitante da maneira como se encontrava agora, frágil e abatida, a tal ponto que os tremores que sacudiam o seu corpo quase a forçaram para baixo. A teimosia foi o que a manteve reta; a teimosia e uma rebeldia que sempre foi, aos olhos ele, um dos seus pecados mais nocivos — embora não o pior pecado.
De repente... não, Hanabi violentamente fechou a brecha para aquele tipo de pensamento. Pare por aí, e já!, advertiu a si mesma com raiva. Não pense em nada. Nem mesmo se dê ao trabalho de reparar no modo como ele está olhando para você novamente, com o desdém que ele julga que você merece. Afinal ele a odeia e a despreza. Deixe estar, convidou ela. Eu não ligo.., não ligo.
Sasuke se moveu nessa hora, e, num denso, íntimo abalo de medo, Hanabi viu a expressão dele mudar de hostil para grave. Os olhos saltavam para longe. Inspirou profundamente. A fina penugem do seu corpo começou a pinicar conforme Sasuke entreabria a boca para falar.
Então as palavras vieram.
— Aconteceu um acidente... uma batida de carro esta manhã — contou Sasuke. — Há pessoas feridas... seriamente feridas — acrescentou assustadoramente.
— Hinata...? — O nome veio à tona num sussurro frágil.
— Sim. — Aquiesceu com a cabeça. — E eu preciso que você seja forte, Hanabi — preveniu em seguida — porque o prognóstico não é bom e nós temos que... oh, diabos.., sua louca, idiota teimosa.
Hanabi não percebeu que havia perdido o equilíbrio até que as mãos dele chegaram com firmeza nos seus ombros e forçosamente a conduziram até o sofá mais próximo. Aterrissou com um solavanco, os olhos escancarados e imóveis.
— Por que você nunca consegue aceitar um bom conselho quando lhe oferecem? — reclamou, enquanto agachou os quadris e deu um forte aperto nas mãos gélidas de Hanabi — Foi um simples pedido... um sábio pedido. Você quase desmaiou como eu previa. Você é o seu próprio arquiinimigo, sabia? Não posso acreditar que você ainda é tão...
Hanabi puxou as mãos para soltá-las. O gesto silenciou a língua raivosa de Sasuke, colou seus lábios bem unidos retesou os músculos na sua face. Neste novo silêncio que se desenrolou, Hanabi lutou para controlar aquilo que a estava esmagando por dentro. O coração palpitava com selvageria a respiração se reduziu a escassos e superficiais tragos de ar Hinata era a única pessoa no mundo com quem realmente si importava.
Hinata, sua linda Hinata, a quem todos amavam e queriam, um pedaço para si.
— Diga o que aconteceu — ela murmurou.
Na boca formou-se um anel branco de tensão ao seu redor. Precisou olhar para longe, porque não poderia suportar fitar Sasuke enquanto ele dizia o que tinha que dizer.
— Eles estavam na pista de alta velocidade da principal autoestradale de Florença, quando atravessaram um temporal pesado — explicou. — Um caminhão articulado derrapou na superfície molhada, esbarrando bruscamente na frente do carro, jogando-o para o meio da estrada. Os dois não tiveram a menor chance — proferiu Sasuke com a voz mais densa que uma rocha. — Sem espaço ou tempo para tomar uma atitude defensiva, eles colidiram de frente e...
As palavras cessaram quando se viu forçado a engolir em seco. O silêncio retornou, rastejando sobre ambos na medida em que Hanabi continuava sentada, observando o alto da cabeça morena de Sasuke como se toda aquela desgraça se desenrolasse sozinha, tal qual um filme macabro diante de seus olhos.
— Ela está...?
— Não. — Interrompeu ele bruscamente... rispidamente.
O alívio revestiu o seu espírito, mas ficou tensa novamente assim que o próximo pensamento alarmado começou a dar cambalhotas na sua cabeça.
— Eles. Você disse eles — disse trêmula, com intenção de ferir, e então olhou para ele, realmente olhou para ele e viu, pela primeira vez, a deformação delineada no tecido liso ias suas feições rudes, e a dor ardendo fundo nas profundezas tenebrosas dos seus olhos. A compreensão surgiu, os músculos do próprio rosto começaram a desfalecer, lágrimas de uma desesperada percepção inundavam seus olhos.
— Oh, não, Sasuke... não — disse com a voz embargada. —por favor — implorou ela — Itachi não...
Porém, a resposta que esperava ouvir não chegou, e enquanto seus dedos gelados se moviam abruptamente para cobrir os lábios trêmulos, Sasuke murmurou alguma coisa densa em italiano, depois abaixou a cabeça escondendo a face entre as mãos.
Brumas sombrias de choque e pesar os envolveram. Pelo que pareceu um século, Hanabi não conseguia se mover ou pensar ou mesmo sentir. Itachi e Hinata — Hinata e Itachi os dois nomes preciosos giravam na sua mente numa eterna espiral vertiginosa, enquanto a chuva fustigava violentamente a janela e Sasuke permanecia agachado diante dela, com a face coberta e os largos ombros retesados, lutando a própria batalha contra o choque e o pesar.
Sasuke e o irmão eram muito próximos. Trabalhavam juntos, brincavam juntos, riam juntos e conversavam o tempo todo. Pensar em um deles sem pensar no outro era...
— Oh, Sasuke... — Levantando a mão com os dedos trêmulos, Hanabi gentilmente deixou que tocassem o seu cabelo molhado da chuva. — Eu sinto m...
Aquilo veio sem aviso. Ao primeiro leve roçar dos dedos, ele afastou-se dela com tamanha violência que a deixou admirada e estremecida conforme se punha de pé, lhe dava as costas transpunha a sala com passadas largas até se recompor, imóvel e rígido, enquanto travava uma batalha contra o momento de seu colapso completo.
Quando se voltou para encará-la já tinha recobrado o controle outra vez, ou estava tão controlado quanto poderia estar um homem que perdera o irmão que amava. Hanabi não se moveu conforme o olhar dele a açoitava, viu o gelo, o rancor frio, e adivinhou o que Sasuke estava pensando. Estava pensando que não merecia perder o irmão e que Hanabi não merecia ainda ter a irmã.
Sim, Sasuke a odiava o bastante para pensar assim.
A amargura retornou e trouxe uma bem-vinda sensação de serenidade enevoada. Ela ficou de pé, desejando com todo o seu angustiado coração que pudesse caminhar para longe dele, mas ainda havia coisas de que precisava saber.
—V—você disse que o prognóstico para Hinata não é bom — provocou, sentindo o tremor na sua voz, assim como nos dedos que usou para endireitar o tecido amarrotado da saia justa — Por que não é bom?
O formato tenso da boca de Sasuke afrouxou sutilmente ao abrir os lábios para falar.
— Os ferimentos foram extensos. Precisou ser cortada para sair do carro...
Hanabi se encolheu e desviou os olhos para baixo, dolorosamente consciente de que eles agora estavam reduzidos a ela. Será que aquilo significava que Itachi estava além de qualquer ajuda? Não perguntou, não ousou, não achou que pudesse agüentar a resposta.
— Na hora em que a libertaram, Hinata perdeu muito sangue — prosseguiu Sasuke numa voz baixa, áspera como lixa.
— Felizmente, ela ficou inconsciente durante todo o tempo sem tomar conhecimento de... nada...
A palavra nada se quebrou em fragmentos irregulares, e conforme os pulmões pesados faziam o melhor possível para respirar por ela, Hanabi imaginou se Itachi também não havia tomado conhecimento de nada.
Itachi. Uma dor despontou aguda no seu estômago. Nunca mais veria aquele sorriso preguiçoso de novo ou o brilho provocante nos seus belos olhos...
— Oh... — ficou sem fala e as pernas se tomaram ocas, forçando-a a sentar novamente e cobrir o rosto com as mãos.
— Surgiram dificuldades —prosseguiu Sasuke implacavelmente, obviamente decidido a expurgar toda aquela desgraça de uma vez, agora que já havia começado. — Algumas os médicos conseguiram resolver, outras... não puderam...
Foi durante esta última pausa indigesta que Sasuke permitiu que se desenrolasse — presumivelmente para dar algum tempo para que ela absorvesse o que dissera, — que Hanabi subitamente se lembrou de um detalhe: havia ainda um outro ser envolvido naquela tragédia horrorosa.
Um inesperado refluxo de náusea obrigou Hanabi a engolir densamente. Deslizando a mão para longe da face, contemplou Sasuke, os olhos escuros e assombrados.
— Oh, Deus, Sasuke, o que aconteceu com o bebê?
A irmã estava grávida de sete meses e meio — o período mais longo pelo qual Hinata conseguiu manter uma criança, uma das muitas, muitas tentativas que fez para dar um filho a Itachi. Os cílios dele palpitaram, se curvando sobre as íris negras para esconder os próprios sentimentos a respeito do que estava para revelar.
— Tiveram que fazer uma cesariana — informou brevemente. — Hinata estava com uma hemorragia grave e operar o mais rápido possível se tornou uma questão de emergência...
As palavras pronunciadas abruptamente sofreram uma nova pausa. Parecia que Sasuke só conseguia fornecer a informação em surtos breves, antes de hesitar novamente para concentrar forças. Era tudo tão sombrio e absolutamente miserável, choque sobrepondo choque sobrepondo horror e desgosto, e um pavor de enregelar o sangue.
— E...? — Precisou espremer a coragem com firmeza para estimular Sasuke a continuar.
— É uma menina — anunciou ele. — Ela é pequena demais e necessita do auxílio de uma incubadora para poder respirar, mas apesar disso os médicos nos asseguraram de que o bebê está totalmente formado e perfeitamente saudável. E... é a sua mamãe que dá motivos sérios para preocupação. Hinata entrou em coma e temo que o resultado final não seja lá muito bom.
No silêncio frio e tenebroso que se instalou, Hanabi percebeu que escorregava rumo a um choque profundo. Itachi estava morto, a irmã morria, a garotinha deles precisava de ajuda para respirar. Não poderia ser pior.
Havia sim, descobriu ela.
— Lamento — disse Sasuke asperamente.
Mas não lamentava, não por ela sob qualquer aspecto. Era tarde demais para murmurar palavras educadas de solidariedade, depois de ter olhado para ela do jeito como fizera alguns minutos atrás. Sasuke se ressentia amargamente do fato de que perdera seu amado irmão ao passo que ela, imerecidamente, podia se agarrar a um tênue fio de esperança.
— Com licença — ela falou cerradamente — mas eu estou com ânsia de vômito. — E correu para o banheiro.
Sasuke não a seguiu, e Hanabi não esperava que o fizesse — embora fosse obrigado a ouvi-la vomitando, já que ela não teve tempo de fechar a porta. Entretanto, podia sentir a presença dele como uma cicatriz no seu corpo nauseado, porque essa era uma cena que já viveram antes, embora sobre circunstâncias muito diferentes.
E recordar aquele momento desagradável deixou Hanabi muito amargurada por ter sido Sasuke a trazer a má notícia e testemunhar isso.
Abalada demais para ficar de pé desamparada, afundou na tampa do assento sanitário e tentou pensar. Tinha que planejar e lidar com Sasuke sob uma base calma e sã porque, se estava certa de uma coisa, nesse pesadelo de vertigem repentina em que fora atirada, é que Sasuke se encarregou antecipadamente das necessidades mais imediatas e organizou os preparativos para a viagem, antes mesmo de bater à sua porta.
Era o seu caráter masculino — e da família Uchiha como um todo. Eficiência incisiva sob pressão era a sua marca registrada. Eram ricos, eram poderosos, tratavam os inimigos da mesma forma como tratavam a tragédia, perfilados em tropas e, com os escudos à mão, enfrentavam a situação como uma única força dinâmica.
Um por todos, todos por um, refletiu melancolicamente. Logo pensou sobre Hinata deitada em um leito de hospital em algum lugar, e apesar da família estar de luto por Itachi, sabia que a irmã estaria rodeada por um permanente círculo de proteção. Aquela imagem deveria reconfortá-la, mas em lagar disso, Hanabi se viu levada a fazer outro mergulho cambaleante até a pia.
Por quê? Porque ela mesma não estava incluída. Hanabi era a rejeitada enviada para o exílio por seus assim chamados pecados. E a perspectiva de abrir caminho entre a guarda da família Uchiha para ficar ao lado da própria irmã causou a mesma agonia nauseante que a manteve afastada de Florença pelos dois últimos anos.
— Oh, Hinata... — gemeu num soluço de angústia. Então pensou no pobre Itachi e sentiu que um soluço constrangido não seria o suficiente, por isso abriu as torneiras e chorou enquanto o som era sufocado pela água corrente.
Sasuke não estava na sala de estar quando Hanabi finalmente voltou para enfrentá-lo. Seu perfume tão familiar pairava no ar, tomando as narinas e transmitindo mensagens para determinados sentidos que ela não queria ver despertos. Estranho como não reparara naquele perfume mais cedo.
Mais estranho ainda foi ter ousado afirmar para si mesma que o havia esquecido.
Bem, em pouco tempo foi obrigada a aceitar. Enquanto se erguia para sair e procurar por Sasuke, espreitou o sobretudo repousando atravessado no encosto de uma cadeira, de um modo tão familiar que levou lágrimas tímidas a jorrar de novo dos seus olhos.
Algo aconteceu com Hanabi no banheiro. Uma porta dentro dela se abriu e permitiu que muitas lembranças suprimidas transbordassem para fora. Lembranças de amor e paixão, e a promessa de felicidade perfeita virando poeira sob os seus pés. E outras lembranças acerca da irmã que amava mais do que a qualquer pessoa. Mesmo assim, quando deixou Sasuke, também virou as costas para Hinata.
A culpa baqueou a sua consciência, que estava em luta contra o ressentimento e um profundo sentimento de traição que ainda a magoava dois anos depois. Havia muitas formas de partir o coração de alguém, ponderou entristecida. Tanto Sasuke quanto Hinata partiram o seu coração de maneiras diferentes.
Encontrou-o na cozinha, encostado numa das modernas peças brancas, seus quase um metro e noventa diminuíam o aposento assim como faziam com a maioria das coisas incluindo o tamanho mais reduzido dela.
Sasuke estava derramando água fervente no elegante bule mas ao ouvir seus passos, voltou a cabeça morena. Por um breve momento, Hanabi o enxergou como da última vez, há dois anos, zangado, despido, a tez natural esmaecida pela repulsa e pelo desgosto e a consciência aterradora do que Sasuke acabara de fazer.
Então aquela imagem esmaeceu, e agora Hanabi via um homem cansado, vivendo com a tensão violenta do Luto trancada dentro de si e a noção de que a vida devia continuar, assim como as tarefas ainda precisavam ser cumpridas. Ofereceu a Hanabi um breve sorriso antes de se virar para o outro lado.
— Imaginei que nós dois precisávamos disso — explicou Sasuke serenamente, conduzindo a atenção dela para o bule de café fresco que havia feito. — Também preparei algumas torradas para ajudar a acalmar o seu estômago.
Seguindo a indicação da cabeça morena de Sasuke, ela viu um prato sobre o balcão do café-da-manhã contendo duas fatias de pão integral levemente tostadas. Seu estômago embrulhou de novo — não pela idéia de receber qualquer coisa naquele estado delicado, mas porque todo aquele cenário ressuscitava ainda mais lembranças dos velhos tempos. Tempos nos quais esse homem rico, muito sofisticado e absolutamente mimado a surpreendia com momentos domésticos como esse.
Sasuke possuía imóveis em muitos lugares de prestígio, possuía aviões e helicópteros e um belo iate capaz de tirar o fôlego. Administrava uma companhia financeira multinacional gigantesca que empregava milhares de pessoas ao redor do globo, mas não apreciava funcionários se intrometendo na sua vida particular. Suportava aqueles serviços como uma necessidade no seu cotidiano atribulado, desde que fizessem seu trabalho quando não estivesse por perto. Podia cozinhar, podia limpar e preparava a melhor xícara de café que Hanabi já experimentou.
Mas aqui na sua cozinha — agindo como se realmente se importasse com o bem-estar dela?
Uma amargura recente brotou sobre a maldita hipocrisia de Sasuke.
— É melhor começar a me arrumar. Digo, presumindo que você arranjou os preparativos para que eu viaje para Florença, estou certa?
— Claro confirmou ele. — Mas não temos que partir imediatamente. Meu avião precisa abastecer e passar pela checagem de rotina, e então aguardar uma pista vaga até que possa decolar novamente.
— Você quer dizer que voou de Florença até aqui... hoje? Hanabi ficou abismada.
— Alguém tinha que lhe dar a notícia. — O jeito com o qual Sasuke balançou um ombro largo teve o propósito de expressar indiferença àquela tarefa, mas ambos sabiam que isso era mentira. O irmão acabara de falecer em circunstâncias trágicas. A cunhada estava gravemente doente. A mãe e as duas irmãs deviam estar precisando dele desesperadamente. Ainda assim, aqui estava Sasuke, de pé na sua pequena cozinha preparando café e torradas para ela?
— Não teria sido mais simples gravar uma mensagem na minha caixa postal?
— Teria? — retrucou, e só bastou olhar para ela para que Hanabi entendesse o ponto onde pretendia chegar. Sasuke veio em pessoa porque a conhecia. Esperava que Hanabi desmoronasse exatamente como acabou fazendo.
Virando-se com o bule de café, Sasuke se afastou para colocá-lo no balcão ao lado do prato de torradas, em seguida espiou o relógio, com sua grossa pulseira de ouro aninhada no leito de pêlos escuros do pulso talhado para erguer cargas pesadas se necessário. Tudo nele era talhado com o mesmo objetivo. A estrutura da formação muscular refletia o poder que havia nele, porém, de um modo inexplicável, ainda conseguia parecer contraditoriamente esguio e liso.
O terno era escuro, a camisa azul-celeste; a gravata, uma fina tira de seda azul-marinho. Ombros espaçosos se afunilavam no dorso longo e ágil até os quadris estreitos, a força das pernas e braços permaneciam ocultas sob o corte imponente das suas roupas. Podia levantar Hanabi com apenas uma das mãos — sabia disso porque Sasuke o fizera uma vez quando o desafiou. Depois desabaram na cama às gargalhadas, porque uma mulher recém-saída do banho, escorregadia de tão molhada e se contorcendo nua, não era nada fácil de ser elevada pelas nádegas.
Não existia uma única mulher viva que não sentisse o coração palpitar quando Sasuke se aproximava. Hanabi sentiu mais que palpitações; ela realmente vibrou. Sasuke personificava O Homem na sua avaliação, e nenhum outro homem desde então conseguiu se equiparar a ele.
— Venha e coma a sua torrada.
O tom sombrio na voz dele fez a sua carne estremecer. Vislumbrando o prato de torradas, sentiu um súbito desejo de contar a ele o que deveria fazer com aquela demonstração de zelo. Não precisava de Sasuke zanzando na sua cozinha, fingindo que não havia nada entre eles a não ser uma folgada relação entre concunhados. Eles já haviam mergulhado um no corpo do outro, pelo amor de Deus! Sasuke era passionalmente italiano. Ambos eram teimosos, geniosos e temperamentais como o diabo. Ficar aqui observando Sasuke perambular pela sua cozinha era o bastante para inflamar o seu mau humor. Mas o senso comum lhe dizia para manter a boca fechada, e fingir que não queria que uma guerra em grande escala eclodisse, porque conhecia Sasuke. Quando metia alguma idéia na cabeça, nada podia demovê-lo. Ela aprendeu isso da pior maneira.
A amargura jorrou, Hanabi a esmagou, e imaginou ainda mais uma vez de onde tirou a idéia estúpida de tê-lo esquecido, já que estava no meio de uma crise de revirar o estômago e tudo que parecia fazer era pensar nele.
Ou talvez fosse só isso mesmo, consolou a si própria, usando uma das mãos trêmulas para arrancar um dos dois bancos altos, assentados em frente à bancada de laminado branco de café-da-manhã, e se empoleirando sobre ele. Talvez essa obsessão por Sasuke fosse o modo pelo qual a sua mente a distraía daquilo que ameaçava despedaçá-la.
— Como a sua mãe e as suas irmãs estão reagindo?
— Não estão — replicou Sasuke com uma economia grosseira que virou o estômago dela do avesso. Então ele relaxou um pouco, suspirou e acrescentou: — estão se mantendo ocupadas no hospital. se revezando para ficar com Hinata e o bebê. Estar lá... as ajuda bastante.
— Claro. — Ela reconheceu a própria aceitação daquilo.
Sasuke aproveitou a oportunidade para arrancar o outro banco e sentar ao lado de Hanabi. A coxa dele acidentalmente encostou na sua, quando estendeu a mão para encher a caneca dela de café. Hanabi ficou atônita — embora atônita nem de longe se aproxime da palavra certa para descrever a súbita sensação de ardência que tomou vida abaixo do seu ventre. Aquela palavra nem mesmo combinava com a súbita explosão flamejante de imagens que davam voltas na sua cabeça. Imagens que lembravam a sensação daquela coxa quando nua, roçando contra a sua coxa nua, imagens da sua mão acariciando a extensão daquele feixe de músculos e da mão de Sasuke realizando a mesma jornada sensual, através dos prolongamentos sedosos do seu corpo.
As velhas vibrações começaram, conturbando o seu sistema nervoso e aquecendo o ponto sensível do seu âmago. No esforço de disfarçar que aquilo simplesmente não estava acontecendo, alcançou uma fatia de torrada e a levou à boca. Mordeu mas não sentiu o gosto, tentou mastigar embora soubesse que teria que lutar para engolir. A boca estava seca demais e precisava daquele café.
Precisava que Sasuke se afastasse para que não se sentisse daquela maneira. Precisava lembrar por que ele estava aqui! Oh, Deus, pensou. Estava envergonhada de si mesma — podia notar o cheiro dele, senti-lo, e até mesmo sentir o seu gosto! O que a impedia de controlar aqueles pensamentos aterradoramente pervertidos?
Sentiu a garganta apertar quando tentou engolir — lágrimas cálidas, ardentes, queimavam nos seus olhos. Desprezou-se; desprezou Sasuke por vir até aqui e fazer aquilo com ela—por ter lhe revelado a pessoa superficial e sem força de vontade que ela devia ser, por permitir que ele a afetasse numa hora dessas quando...
— Leite? — ofereceu Sasuke.
Hanabi olhou as duas canecas fumegantes, e recordou que sempre lhes custou muito pouco para desejarem se atirar um nos braços do outro. Um olhar, uma palavra, um toque acidental como aquele roçar ligeiro de coxas, e então poderiam se perder um tanto assustadoramente nos prazeres da carne. Fazer amor com ele fora sempre um ato apaixonado, ousado e desinibido. Sasuke lhe mostrou um prazer que jamais soubera que existia, mergulhou-a tão fundo nos próprios sentidos que algumas vezes ela lutou para flutuar à tona.
De fato, só a machucara em duas ocasiões: na primeira vez em que fizeram amor e na última vez em que fizeram amor. Na primeira vez, Sasuke não compreendia a espécie de mulher com quem estava lidando, e ela não se dera ao trabalho de lhe contar que era o seu primeiro amante e, por isso, Hanabi assumiu toda a culpa. Quando chorou um pouco posteriormente, Sasuke a envolveu nos braços e lhe demonstrou um tipo diferente de amor, com um poder de reconfortá-la e uma necessidade de consertar o que considerou sua própria falha. Foi isso mesmo que Sasuke fizera, obviamente, muitas vezes e de muitas, muitas maneiras.
— Não — Hanabi foi capaz de oferecer uma resposta à pergunta dele, ao mesmo tempo em que sua mente entrava em órbita para recordar a segunda vez em que Sasuke a machucou.
Estava cego pela fúria, perdido no interior de uma raiva assustadora causada pelos ciúmes. A chamou de todos os nomes, desde vagabunda até prostituta, e Hanabi estava tão aterrorizada que Sasuke pudesse enxergá-la daquela maneira, que o exasperou ainda mais com um sarcasmo mordaz até Sasuke lhe estalar uma bofetada.
E não foi o rugir compulsivo do sexo que se desenrolou que a machucou, mas o desprezo com o qual a pôs de lado, posteriormente, que triturou suas emoções até virarem pó. Desde então... nada. Nenhuma palavra, nenhum contato. Nem mesmo um agradecimento para dizer que havia recebido seu anel de volta.
Entretanto — sim, reiterou muito impiedosamente, ela havia esquecido Sasuke Uchiha. O simples ato de relembrar aquela época sombria era o bastante para matar qualquer coisa que um dia sentira por ele. Mesmo se a verdade viesse à tona e acertasse o rosto dele agora, enquanto estavam sentados, se comportando como civilizados, e Sasuke se curvasse de joelhos para suplicar pelo seu perdão, Hanabi não o perdoaria.
Deixe que os seus sentidos respondam à proximidade dele, convidou a si mesma. Deixe que seu tolo coração acelere e a carne fraca vibre, e sua cabeça repleta de vergonha tente rememorar os bons tempos se achar que deve. Mas os maus tempos sempre iriam fazer sombra naqueles bons tempos.
— Vou fazer a mala. — Erguendo-se num rompante que deixou Sasuke alarmado, Hanabi se afastou, sem reservar aquele semblante mais do que imóvel, mais do que vigilante, um único e efêmero olhar.
