Grimmauld Place, n° 12

Capítulo 1: Malditos legilimens!

Minerva McGonagall estava irremediavelmente atrasada. E odiava isso.

Passou quase todo o dia metida numa missão que acabara demorando bem mais do que havia planejado. Nada perigoso, apenas infiltração e investigações de rotina. E a carreira mais curta que a Scotland Yard já viu.

Porque naquela tarde ela verificou uma morte especialmente incomum, mas que felizmente acabou não passando disso. Não encontrou nem um pingo de magia, nada que pudesse estar relacionado com as atividades de Você-Sabe-Quem e seus seguidores, embora ainda não fosse descartada a possibilidade de assassinato. Pois o fato daquele trouxa ter realmente morrido afogado numa banheira em um aposento trancado por dentro podia ser incontestável, mas Minerva não conseguia deixar de desconfiar do modo como sua viúva rapidamente encontrara um ombro amigo no mordomo da casa. Talvez com uma boa dose de veritaserum fosse capaz de arranjar uma confissão aceitável... Mas não, isso era trabalho pros detetives de verdade e ela tinha suas próprias ocupações nesse momento.

Então ela consultou o relógio com um suspiro exasperado e apressou o passo na calçada, a mão direita ainda alerta segurando a varinha dentro do bolso do sobretudo escuro, só por precaução. Gostava do sobretudo pois emprestava-lhe uma falsa familiaridade com suas vestes de bruxa, tão diferentes desse detestável vestido que estava usando agora, como disfarce. Este por sua vez dava-lha uma sensação desagradável de exposição, sentia a falta de ter a barra de seu manto roçando no chão enquanto caminhava e achava o modo como se apegava à sua cintura realmente revoltante. Nunca entenderia a moda trouxa feminina... E deixar os joelhos à mostra, ora francamente!

O lugar não era muito longe e ela não estava com tempo de procurar um local suficientemente isolado para que pudesse aparatar, então chegou ao extremo de quebrar a rotina numa atitude que nunca antes achou que tomaria: chamou um táxi. Para sua surpresa foi surpreendentemente fácil. O sacolejar modorrento no banco de trás do automóvel não era de todo desagradável, até consideravelmente mais suave do que estava acostumada das carruagens puxadas pelos testrálios de Hogwarts, e a curta viajem também deu-lhe tempo de pensar.

Já vinha notando há um certo tempo que, sempre que a Ordem necessitava enviar alguém em meio aos trouxas, ela acabava sendo a escolhida. É claro que havia motivos de sobra para isso, como sua discrição natural e sua alta capacidade de fuga de animaga, seu conhecimento moderado da comunidade não-mágica por ser ela uma mestiça, a vinculação óbvia e delatória de Arthur com o Ministério e, principalmente, o fato dela não ter cabelos cor-de-rosa, uma barba de um metro de comprimento e tampouco um olho mágico girando alucinantemente em todas as direções. Mas a professora de Transfigurações ainda tinha a leve impressão que a escolha de suas missões ia um pouco além disso.

Ultimamente quase tudo o que fazia era cuidar de Hogwarts e, quando finalmente lhe davam um trabalho de campo, era algo assim sem nenhuma emoção. Cuidava de encobrir o trabalho dos outros, reuniões de caráter decisório, tentar persuadir antigos aliados a retomar a causa, ou algo do tipo. Incomodava-a estar sempre longe da ação, afinal de contas era uma bruxa competente e sabia muito bem como se virar com sua varinha. E por conta disso já estava começando a desconfiar de um certo protecionismo por parte de Albus... Sim, sempre o cavalheiro! Apenas uma forma muito educada de machismo, isso sim.

Mas logo teve de parar com as divagações, pagar o motorista e conquistar o resto do Grimmauld Place a pé. É, mesmo a contragosto teve de acrescentar sua facilidade em lidar com dinheiro de trouxas na lista de seus pré-requisitos como espiã na comunidade não-mágica.

Logo Shacklebolt e Tonks passaram por ela na porta da casa n° 12, sob os cumprimentos apressados daquela que um dia ensinou ambos a transfigurarem seus palitos de fósforo em agulhas, para sumir na noite lá fora. Obviamente tinha perdido a reunião. Permitiu-se sussurrar um palavrão enquanto entrava.

Lá dentro era tudo silêncio, salvo uma conversa quase extinta na sala, abafada pelas paredes. Não se ouviam nem mesmo os insultos intermináveis da matriarca dos Black, esquecida em seu retrato atrás de sua velha cortina.

– Olha quem resolveu aparecer. Eu devia transfigurá-la num relógio, Srta. McGonagall? – a voz era baixa e rouca, quase um latido, da figura masculina que emergia das sombras.

Sirius pouco tinha daquele rapaz bonito e despreocupado de outrora. Hoje era um homem triste, uma sombra do que seu aluno deveria ter se tornado. O grifinório que escapara da do ninho de intolerância e ódio em que nasceu, e que nunca teve tempo de provar do futuro brilhante que o aguardava. O garoto que tanto a decepcionou durante seus anos de prisão e que a fez se sentir imensamente envergonhada de si mesma quando provou sua inocência e se reergueu para a batalha, tendo vencido mais de uma década de dor, sofrimento e injustiça.

E cá estava ele novamente, magro e arrogante, a coragem intacta ao fazer gracinhas exatamente no mesmo tom de suas brincadeiras de quando era adolescente. Isso a fez sorrir, ainda que um de seus sorrisos mais irônicos.

– Bem observado, Sr. Black – ela respondeu enquanto pendurava o sobretudo num cabide próximo da porta. Ignorou com muita classe a cara de espanto divertido no rosto dele ao notar suas roupas. – Embora eu esteja quase certa de que o senhor não tenha prestado atenção suficiente nas minhas aulas para saber como fazê-lo.

– Você ficaria surpresa.

– A reunião? – ela perguntou, o olhar espichado na direção do corredor vazio.

– Já acabou faz um tempinho. A multidão se dispersou, as crianças foram dormir e, pelo olhar de Arthur quando subiu as escadas, ele e Molly foram encomendar o próximo pestinha ruivo que irá infernizar sua vida daqui uns onze anos – então ele cruzou os braços e aprumou a postura, no que era para ser uma cópia do ar de censura usado por sua ex-professora com ele muitos anos atrás. – Só restaram Dumbledore e Moody, que de tão preocupados contigo a essa altura devem estar organizando seu grupo de resgate para tirá-la das garras de Voldemort.

– É mesmo uma pena que eu já não possa tirar-lhe pontos ou mandá-lo limpar manualmente o corujal, Sr. Black – foi a resposta ácida de Minerva, antes de passar por ele de nariz empinado e seguir a passos formes pelo corredor.

Uma risada canina soou atrás de si quando chegou à porta da sala e dois olhares aliviados a receberam, o que imediatamente a enrubesceu. Está certo que ela não costumava se atrasar para nada, mas a preocupação estampada no rosto de Albus e Alastor era constrangedora. Então o olhar de ambos correu pelo vestido e, pela segunda vez em poucos minutos, ela desejou ardentemente ter tido tempo de transfigurá-lo em algo mais condizente consigo mesma antes de vir.

– Boa noite, Albus. Alastor.

– Boa noite, Minerva – Dumbledore cumprimentou de volta, e extraordinariamente não era nos olhos dela que estava olhando enquanto falava. – Você está...

– Atrasada – a bruxa interrompeu impacientemente. – É, eu sei.

– Não era bem isso que eu ia dizer, minha cara – Albus rebateu com qualquer coisa de insinuante no sorriso rápido, antes de finalmente levantar o olhar. – Mas que bom que tenha finalmente se juntado a nós.

Ela se sentou numa poltrona defronte ao sofá agora ocupado pelos dois. E se Dumbledore não estava sendo tão discreto quanto deveria, Moody tinha dado um novo significado pra a expressão "vigilância constante".

– Algum problema, Alastor? – a bruxa indagou, irritada com seu escrutínio. – Eu estava trabalhando disfarçada, precisava ser convincente.

– E me convenceu! Se te visse na rua, dificilmente reconheceria – o outro respondeu com o que parecia uma careta estranha, mas que em sua face cheia de cicatrizes deveria significar um sorriso. – Nem sabia que você tinha pernas.

Albus inspirou fundo com um olhar grave, mas se pretendia dizer alguma coisa em defesa da colega, acabou não sendo necessário porque ela respondeu por si mesma, rapidamente e com o sarcasmo habitual.

– Sim, tenho, e uma a mais que você. Ou acaso pensou que eu flutuasse sob meu manto todo esse tempo?

Alastor abriu a boca pra falar aquilo que pensava do que havia sob o manto dela quando foi sensatamente interrompido por Dumbledore, o tom de voz elevado e absurdamente mais sério que antes. Era impressão do auror ou as luzes tinham tremulado de leve no lugar?

– E as investigações, como foram?

– Tudo perfeitamente normal – Minerva respondeu ao patrão, ilustrando com um pequeno aceno com a cabeça.

– Entendo – Albus repetiu o gesto, ainda naquela confirmação monótona de quem queria que adiar o fim do assunto, ou tinha receio de mudá-lo. – Não achei mesmo que fosse diferente. Era apenas precaução, você sabe.

Dumbledore e McGonagall se entreolharam em silêncio por um momento, esperando que Moody começasse com seu discurso sobre estar sempre preparado para tudo e estudar cada possibilidade. Mas quando ele finalmente abriu a boca para falar, foi mais uma vez interrompido.

– Suponho que ainda não tenha jantado – Albus disse para Minerva, a sugestão muito explícita no tom de voz.

– Agora que mencionou, realmente não tive tempo.

– Creio que há uma excelente sopa deixada por Molly na cozinha especialmente para esta ocasião – enquanto Albus falava ela se levantou, e em seguida os dois também ficaram de pé num gesto automático de educação. – Se quiser ir até lá se servir, prometo me juntar a você num instante e inteirá-la da reunião desta noite.

– Claro – mais uma vez a professora concordou, deu meia-volta com sua postura muito ereta e saiu, sem parecer dar-se conta do par de olhares intensos atrás de si.

A porta se fechou atrás dela e por alguns momentos ambos permaneceram calados e imóveis, ainda que um certo olho mágico continuasse se movendo, seguindo os passos no corredor através da parede e sabe-se lá através de mais o quê. Moody deixou escapar um suspiro antes de virar-se para o amigo, que agora o observava bastante carrancudo. E de repente lembrou-se de como era ser menino e estar no gabinete do diretor esperando uma bronca.

– Alastor, contenha-se – Dumbledore ordenou solenemente. – Minerva se sentiria ultrajada com esse tipo de comportamento.

Moody já estava pronto pra pedir desculpas humildemente quando se deu conta de que ainda não tinha nada pelo que se desculpar.

– Hey, eu nem disse nada!

Mas pensou – Albus corrigiu, mantendo o ar de advertência com os olhos enquanto sumia pela porta na direção do corredor, obviamente indo também para a cozinha.

Agora só e intrigado, o auror fez uma careta que dessa vez era realmente uma careta, bufou e coçou o queixo antes de também se pôr a caminho, só que no rumo da porta da frente.

– Malditos legilimens!


N/a: Dedicada à minha boa amiga Uhura, que ainda deve estar mortificada pela minha insolência em colocar os joelhos da McGonagall de fora.

Pra quem curte meu humor sem-noção e o bom e velho ADMM, prometo que essa fic será um prato cheio! Porque o que era uma ideia pra apenas um capítulo já se transformou em três aqui na minha cabecinha prodigiosa e garanto que logo logo posto o segundo... Apenas peço que leiam e comentem.

Um enorme beijo pra todos vocês e até mais.