Esperança

Estava assustado e faminto, mas não havia comida e a escuridão já fazia parte de mim. Corpos caminhavam errantes com seus olhos foscos e levemente apodrecidos. O que havia acontecido com o mundo? Nem nós, que vimos tudo desde o começo, poderíamos explicar.

Eu era uma pessoa socialmente estranha. Vivia cercado de pessoas de quem eu gostava, e essas, pelo contrário, me odiavam. Meus últimos dias foram difíceis. Tinha a impressão de estar em todos os lugares ao mesmo tempo e sentia a morte chegando. Claro que o fato de ter mortos caminhando por todos os lados potencializava essa sensação e não ajudava em nada o meu problema com o medo. Achei bom o fim-do-mundo ter acontecido enquanto eu caminhava por essa terra. Quero dizer: enquanto eu ainda respirava ao caminhar.

Certa noite, ou dia, não sei dizer, ouvimos uma sirene do alto do morro onde estávamos. Aquela era a forma que o mundo encontrara de nos dizer que não tínhamos chances. A vida era um sopro rápido e sem sentido, e, aquelas últimas balas, feitas de tudo que podíamos encontrar no caminho, eram, sem dúvida, nosso último ato de esperança, mas a esperança sempre morre. O som entrava como facas em nossas almas e nós sabíamos: era o fim.

Não sei dizer quanto tempo passamos trancados dentro daquele barraco, mas parecia uma eternidade. O fim chegou e nós, pobres almas tentando nos agarrar aos nossos próprios corpos, tentávamos fugir. A morte foi rápida, se querem saber. Primeiro uma dentada, depois muitas, mas a dor não me tocava. Eu sorria para a morte e ela para mim, e tudo foi tão inconsciente que minha apatia afastou todos os meus medos. De repente eu não existia mais. Somente existiam as lembranças de um passado perdido e que nunca mais voltaria, ou talvez voltasse, na forma de um corpo revivido em busca de uma satisfação que não viria. E, por fim, meus olhos foscos ainda refletiam minha esperança, uma esperança morta e faminta.