Autor: Estelle F.

Título: Água

Capa:

Sinopse: Seu peixe queria ser humano. Gina quis ser peixe. [femmeslash [Ginny/Astoria [Hallelujah – Jeff Buckley

Shipper: Ginny/Astoria

Classificação: PG13

Gênero: Songfic/Femmeslash

Spoilers: HBP

Status: completa

Idioma: português

Beta Gramática: Carol Lopes

Well I heard there was a secret chord

Acordou. Deu de comer ao peixe.

Andou. Subiu. Desceu. Entrou. Ouviu. Olhou. Comeu.

Fez tudo de novo e dormiu.

That David played, and it pleased the Lord

Por fim, se cansou. Pegou o peixe do chão e, colocando-o de volta na água, sentiu as escamas pegajosas, a vida se debatendo em sua mão.

Levantou. E se espreguiçando lentamente, pôde sentir que também havia vida dentro do seu corpo, sentindo os ossos estalarem e a pele se esticando.

Pensou em abandoná-lo, seu corpo, na cama.

Sentia a vida dentro, mas não a via fora. Preparava-se para assistir a mais um dia, procurar oportunidades para participar dele.

Sofreu. Porque concluiu, com drama, ser dramática. Mas era verdade, porque sabia que o mundo só existia para ela diante de seus olhos e, de certo modo, se não fosse por ela, o mundo não existiria mais. Para ela.

Não havia o drama ou a comédia; havia ela, e a verdade absoluta era a verdade que ela vivia.

But you don't really care for music, do ya?

Sabia que o mundo era apenas para ela, mas concluía todo o tempo que devia sair dele, como seu peixe, que sabia que a água havia sido criada para ele, mas negava seu universo.

Seu peixe queria ser humano. Gina quis ser peixe.

Pensava nos mosquitos que seguiam a luz. A luz havia sido feita somente para eles.

Percebeu a própria contradição: nada no mundo havia sido feito para ela.

Well it goes like this

Todos os dias foram como todos os dias até o dia em que ela se sentiu estúpida.

Tirou conclusões sobre a vida sem saber de onde ela vinha, se sentiu estúpida por não ter visto antes. Achava que a vida era verde, mas soube então que a vida era principalmente vermelha.

Pensou no sangue dos sapos, que não era vermelho, mas depois que ela descobriu de onde vinha a vida, não lhe interessava mais os animais.

The fourth, the fifth

Quando percebeu a vida e viu de onde ela vinha, se sentiu dentro dela, vivendo-a finalmente e não precisou mais assisti-la.

Peixes seriam peixes para sempre, ela gostava de ser humana.

A vida a seguia em forma de cabelos ruivos, e não eram os dela. A vida vinha em forma de olhos verdes e não eram os olhos verdes que ela sempre quis que se voltassem para ela.

Sentiu-se engolida pelo universo, quando percebeu que havia algo feito para ela. Debateu-se, como seu peixe, no medo de se afogar em seu universo. Simplesmente porque o universo era novamente feito para ela.

The minor fall and the major lift

A vida vinha sob o nome de Astoria, e seus cabelos ruivos e olhos verdes fizeram com que ela parasse de usar metáforas para entender a vida. E não havia como, ou porquê, compreender a vida, Astoria, ou seus cabelos vermelhos.

Via-se num espelho de cores levemente distorcidas, onde o ocre se convertia em verde e o dourado se convertia em prata. E tudo o que havia de dourado nela, em seu espelho era prateado. E mesmo que encontrasse palavras para dizer para alguém, não teria dito, porque ninguém compreenderia a similaridade entre elas.

The baffled king composing Hallelujah

Talvez porque o mundo só existisse a partir dos olhos de Gina.

Hallelujah

Talvez porque não houvesse nenhuma.

Hallelujah

Estranho que, olhando no espelho, seu reflexo não olhasse para ela. Tinha mãos atadas onde nela havia mãos vazias. E ela percebeu que a vida havia sido feita para ela, mas ela não havia sido feito para a vida.

Well Your faith was strong but you needed proof

Em seus sonhos via crianças ruivas de sobrenome Greengrass, divididas entre a prata e o dourado, brincando de se esconder dela. Em sua vida via a similaridade cada dia maior, sem saber se a mudança havia ocorrido em si mesma ou em seu reflexo. Via-se no espelho, como suas crianças, divididas entre a prata e o dourado, brincando de se esconder da realidade.

You saw her bathing on the roof

Escondeu-se esperando que a vida a achasse, e a vida veio em forma de Astoria.

E pela primeira vez, ela ouviu de onde vinha o som das ondas do mar e o riso das crianças. E se ela havia primeiro visto de onde vinha a vida, agora ela sabia que ver não era nada comparado a ouvir, porque a vida sempre foi melhor de se escutar do que de se ver.

E para ela, palavras não eram códigos, eram expressões. E ela sabia o que Astoria falava não só porque conhecia suas expressões como a palma da própria mão, mas principalmente porque sua voz diria tudo, mesmo sem pronunciar uma palavra sequer.

Her beauty and the moonlight overthrew you

E como se vê-la e ouvi-la não fosse suficiente, Gina descobriu que, ao menor toque, seria impossível não amá-la. Que os três ao mesmo tempo seriam uma combinação capaz de fazer esquecer mãos atadas e diferenças. Julgou que tocar a vida seria o mais próximo que poderia chegar dela.

She tied you to her kitchen chair

Porém, tudo ruiu quando Gina descobriu que somente sentindo seu gosto ela poderia vivê-la.

And she broke your throne and she cut your hair

E tocá-la, ouvi-la, vê-la e vivê-la não era como nada. Qualquer coisa antes de Astoria não era nem sombra de vida e Gina não conseguia mais vê-la como seu reflexo, pois reflexos nunca se tocam realmente.

E por alguns momentos, ela teve certeza, a vida a tocava.

And from your lips she drew the Hallelujah

E pela primeira vez podiam ser agrupadas em uma só atitude: se escondiam entre o veludo verde e Gina ria acompanhando o riso da vida. Riam do perigo que o veludo verde trazia, do prazer que o veludo verde encerrava; e de todas as coisas que julgavam certas, cometiam o maior erro: achar que o veludo verde seria para sempre sua única testemunha.

Enquanto tudo era riso, se viam abraçadas sobre o símbolo máximo de sua diferença, enquanto Astoria podia contar histórias que Gina entendia sem entender palavras.

Hallelujah

E sem se preocupar com as conseqüências dessa conclusão, Gina cerrou as pálpebras ao saber que era possível viver a vida sem vê-la passar sob seus olhos. E então ela percebeu que podia ouvir, tocar e sentir melhor enquanto seus olhos estivessem fechados.

Well baby I've been here before

E ao acordar sob o teto baixo de pedra, Gina contou à Astoria sobre como o universo a engolia e sobre como tudo era ocre antes da vida chegar até ela. Contou sobre como se sentia atirada para fora da vida como seu peixe se atirava para fora d'água. E Gina ria, ignorando um reflexo sério, enquanto contava sobre as crianças ruivas que se escondiam em seus sonhos.

I know this room and I've walked this floor

Sonhos que encerravam presságios.

I used to live alone before I knew ya

E ao percorrer corredores de pedra, sentia olhos fixo nos seus. E nos dias seguintes, deu-se conta de pessoas que já não mais lembrava, de coisas que havia esquecido e que faziam parte do seu cotidiano.

I've seen your flag on the marble arch

Isso fez com que ela notasse seu nome em bocas que não eram a boca da vida. E seu nome era seguido de palavras, e se houvesse como palavras serem mais sujas do que já eram – apenas por serem palavras -, seriam.

Love is not a victory march

E o que havia sido encerrado sobre o veludo verde, foi revelado sob o mesmo. E as vozes lhe faziam lembrar as ondas do mar. E ela percebeu que onde um dia as ondas a haviam atingido, agora existia a areia ocre e seca.

It's a cold and it's a broken Hallelujah

E o estalar de ossos todas as manhãs já não lhe lembrava a vida. E as escamas geladas contra a sua mão só lhe faziam pensar em morte.

Well there was a time when you let me know

Pois quem conhece a vida, sabe que seu oposto é a morte.

What's really going on below

E a água escorria do ocre, e não havia espelho para transformar seus olhos em verde.

But now you never show that to me do you?

Simplesmente porque o verde não mais existia.

And remember when I moved in you?

E foi em uma felicidade ressentida que Gina percebeu que não era somente ela que morria. Seu reflexo morria junto com ela.

And the holy dove was moving too

E aos poucos, sentia as escamas se desenharem novamente em seu corpo. E todas as manhãs, ao resgatar seu peixe contra o carpete ocre, lhe parecia indigno que um peixe tão pequeno tivesse um pedaço tão grande de alguma coisa...

And every breath we drew was Hallelujah

...enquanto ela não possuía nada.

Well maybe there's a God above

Dia após dia, a vontade de entender qualquer coisa se consumiu sozinha, e Gina concluiu que se nada nem ninguém havia explicado o aparecimento da vida, nada nem ninguém explicaria seu desaparecimento.

But all I've ever learned from love

E aos poucos ela se convencia que, de fato, nada havia acontecido. E lhe parecia indigno que ela até chegasse a imaginar que um dia houve risadas e vida, vermelho e prata.

Mas o aparecimento de palavras em sua própria boca lhe lembrou o dia em que elas não foram necessárias.

Was how to shoot somebody who'd out drew ya

E sob o veludo vermelho, a vida em metamorfose lhe acenou.

And it's not a cry that you hear at night

E lhe entregando uma caixa embrulhada em papel laminado, a morte correu ao seu desencontro, ao mesmo tempo ressentida e temerosa.

It's not somebody who's seen the light

E o reflexo da lua no papel laminado fez com que Gina rasgasse o mesmo. E rasgando-o, abriu a caixa e de dentro dela retirou um vidro, cheio de um líquido que não sabia mais reconhecer.

It's a cold and it's a broken Hallelujah

Era água.