01 de janeiro de 2017

(Quinn)

Quando bateu meia noite, fiz o clichê: abracei a minha mulher e a beijei em meio a Times Square e à multidão. Naquele instante, estava pouco ligando se alguém reconhecesse Rachel, se um fã intrometido tirasse fotos. As celebridades e vips estavam num espaço isolado, cheio de seguranças. Nós não. Estávamos misturadas à multidão, suscetíveis a empurrões e esbarrões. Nada mais excitante. Era como no ano em que nos mudamos para Nova York e passamos o primeiro réveillon juntas numa época em que Rachel era nada além de uma anônima que ainda lutava por um lugar ao sol. E eu também. Era inacreditável. Parecia que isso tinha acontecido há milênios.

"Feliz ano novo, esposa" – Rachel disse ao pé do meu ouvido quando nos abraçamos. Meu coração bateu forte.

"Feliz ano novo, esposa" – repeti e beijei o rosto dela antes de voltar aos lábios – "Como diria a sua irmã" – disse com um sorriso no rosto – "Vamos chutar alguns traseiros juntas neste ano."

O sorriso de Rachel era a coisa mais linda do mundo. Juro que era. Ficava enfeitiçada quando ela ria para fora, aberto, sem se importar com mais nada. A alma dela ficava leve, linda. Poderia dizer que era o encanto de ser recém-casada e ainda viver o clima de lua de mel. Talvez isso contribua, mas a verdade é que amo essa mulher desde os meus 15 anos, comecei a namorar com ela prestes a completar 18 e, mesmo agora com os meus 22 e meio, já casada, nada mudou.

"A gente bem que poderia voltar para casa e fazer amor" – ela sugeriu.

"Por que não aqui mesmo?" – adorava pequenas aventuras.

Ela gargalhou e me deu um tapinha no ombro.

"Porque aqui está congelando e eu apreciaria estar contigo numa cama quentinha."

Eu a beijei rapidamente antes de pegar na mão dela e ir a conduzindo para longe da multidão na Times Square. Havia fogos, música e a noite continuaria com uma série de shows que eu até que estaria disposta a assistir, mas a idéia de fazer amor com Rachel me agradava muito mais. Andamos de mãos dadas até achar um táxi livre e fizemos uma curta viagem até o nosso prédio na 71th, esquina com a primeira avenida. Abri a porta do nosso apartamento. O ambiente estava silencioso, vazio. Tudo só para nós. Santana passou o ano novo em Ohio com os meus sogros e Johnny. Depois eles viajariam por uma semana para não sei onde. Rachel comentou e eu não prestei atenção. Não me interessava. O que me importava naquele momento era aproveitar o meu momento às sós com a minha mulher.

Beijei Rachel ali mesmo no foyer enquanto trabalhava em remover o vestuário. Primeiro nossos casacos de frio e cachecóis. A boina que Rachel usava foi parar longe. Encostei-a contra a parede ao lado do pequeno corredor que dava acesso aos quartos. Minhas mãos procuraram o limite da blusa de Rachel para sentir a pele macia. Levei três segundos para encontrar os seios e massageá-los um pouco antes de decidir que ainda havia panos demais entre nós. Tirei a minha blusa e sutiã. Rachel me surpreendeu ao atacar meus seios recém descobertos com a boca quente. Murmurei coisas estimulada pelo prazer que as carícias proporcionavam. Voltamos a nos beijar enquanto minhas mãos trabalharam em nossos jeans. Maldito frio que nos fizeram colocar calças e botas. Atrapalhei para retirar as minhas, me desequilibrei e caí de bunda no chão. Reclamaria mais do impacto se não fosse a risadinha deliciosa que invadia o ambiente.

"Bem que você diz ser caidinha por mim."

"Você é muito pouco solidária" – terminei de tirar as botas e aproveitei para me livrar dos meus jeans e da minha calcinha.

"Digamos que eu gosto de ver por debaixo só para variar" – também retirou as botas e os jeans.

"Mesmo?" – permaneci sentada completamente nua no chão – "Que tal você me mostrar o que é capaz de fazer quando fica por cima?"

"Isso é um desafio, senhora Fabray?" – ela removeu a calcinha com direito a uma discreta dancinha de stripper só para me fazer salivar.

"É um desafio, senhora Fabray."

Rachel deitou-se sobre mim ali mesmo no chão e não foi gentil. Atacou o meu sexo com uma das mãos enquanto a outra a sustentava sobre mim. E tinha os beijos que me deixavam tonta. A língua talentosa dela trabalhando nos meus lábios e depois no meu pescoço, atrás da minha orelha e na minha orelha. Eu via estrelas. Os dedos me penetraram e os meus quadris se movimentavam quase que automaticamente. Rachel trabalhava dentro de mim com a maestria de quem já conhecia todos os botões certos do meu corpo. Minha respiração ficou ofegante, meus músculos se contraíam como loucos e o meu orgasmo veio ali no chão do nosso foyer, com roupas nossas espalhadas pelo lugar.

"Isso foi..." – disse ainda recuperando o meu fôlego – "Interessante."

"Interessante?" – o sorriso orgulhoso de que Rachel estampava foi substituído por uma testa franzida – "Isso foi ótimo, poso dizer que você adorou" – deu um pequeno tapa no meu ombro.

"Acho que preciso de outra mostra para fazer uma avaliação melhor."

"Eu posso te levar ao orgasmo em dois minutos, Fabray. E nem preciso usar as minhas mãos" – ela se reposicionou sobre o meu corpo e recomeçou a trabalhar no meu sexo.

"Adoraria ver isso" – desafiei. Rachel determinada a provar alguns pontos era a melhor coisa do mundo. O romantismo acabava e ela se concentrava apenas no sexo cru e sujo. Enfiou a língua na minha vagina molhada e me comeu magnificamente. Não sei precisar se foram dois minutos, mas o meu segundo orgasmo veio rápido.

"Rachel!" – gritei.

Rachel me beijou com o meu gosto e me ajudou a me levantar.

"Por mais que aprecie um bom sexo ao redor da casa, será que a gente poderia terminar nossos negócios no nosso quarto."

"Podemos" – a beijei suavemente – "Acabei de me lembrar de uma coisa. Porque você não vai para o quarto enquanto eu busco algo essencial para uma noite de réveillon?"

Rachel sorriu e acenou. Eu chutei nossas roupas espalhadas para um canto e fui até a cozinha. Abri a geladeira, peguei a garrafa de champanhe e depois duas taças. Descasquei o lacre e levei tudo até o nosso quanto sem bandejas, baldes de gelo e demais frescuras. Apareci na porta do quarto com a garrafa numa mão e as duas taças na outra. Encontrei Rachel arrumando a cama.

"Não é melhor deixar isso de lado já que vamos bagunçar tudo em alguns minutos?"

"Não há nada de errado com um pouco de classe."

"O que eu estou prestes a fazer contigo tem nada a ver com classe."

"Mas espero que seja doce."

Aproximei-me da minha mulher e entreguei-lhe as taças enquanto fiz um pouco de força para abrir a champanhe. A rolha voou, caiu um pouco da bebida no chão. Rachel ficaria louca com isso depois, mas tudo bem. Servi as taças e coloquei a garrafa no criado mudo. Rachel entregou a minha. Aproximei-me da minha esposa.

"Um brinde ao nosso casamento e à um ano novo fabuloso" – sugeri.

"E um brinde à nossa felicidade, às nossas realizações e à nossa família, a que já temos e a que vamos construir no futuro" – ela completou.

Brindamos e bebemos e nos beijamos. Conduzi Rachel até à cama. Entrelaçamos nossas pernas e eu comecei a minha doce cavalgada. Uma que duraria a noite toda regada a champanhe e orgasmos.

...

13 de janeiro de 2017

(Rachel)

"Odeio ter de ir trabalhar" – Quinn passou a semana um pouco preguiçosa.

Depois de quase um mês de férias e licença da Bad Things disse que foi um martírio retornar às reuniões e aos estúdios de Nova Rochelle. O elenco voltaria a trabalhar na próxima semana, mas o pessoal da produção ralava um bocado. Ontem, ela chegou de Nova Rochelle de madrugada. A boa coisa é que estava com o meu carro. E de Santana, mas só iríamos vendê-lo em breve para comprarmos dois novos. Um para mim e minha esposa e Santana teria o próprio dela.

"O que tem de fazer hoje?"

"Hoje vão nos passar o calendário e Terry e Liam disse que gostariam de ter uma palavra comigo" – levantou-se expondo o adorável pijama rosa de cupcakes – "Tomara que ninguém estrague os meus planos em fazer o curso de atualização e viajar para Paris no meio do ano."

"A ABC já deu alguma palavra sobre a renovação da série?"

"Ainda não" – Quinn foi até ao banheiro e falou alto de lá – "O índice de audiência caiu um pouco no winter finale, mas há séries na ABC em condições mais críticas. Acredito que vamos ter mais uma temporada" – fechou a porta.

Também tinha de terminar de acordar, mas os meus compromissos não começavam até as dez horas da manhã. Ainda sonolenta, entrei no banheiro quando Quinn já terminava de fazer a higienização dela. Fiz a minha rotina e depois arrastei meus pés até a cozinha. Minha irmã estava lá colocando alguns pães de forma na torradeira. Enquanto Quinn servia café para si. O cheiro era delicioso.

"Bom dia, Santy" – beijei a minha irmã no rosto.

"Dia" – ela respondeu já em alerta. Estava arrumada em roupas elegantes, mas eu não tinha certeza se era para alguma eventualidade especial na Weiz ou se era para a Rock'n'Pano.

"O que vai fazer hoje?" – perguntei.

"Por quê?" – respondeu abocanhando um pedaço da torrada e tomando uma golada do café.

"Roupa formal demais para o seu gosto. E parece que está com pressa."

"É uma solenidade para a assinatura de um acordo com uma empresa estatal chinesa. Depois vou sair para almoçar com o senhor Weiz e os tais chineses."

"Responsabilidade de futura presidente, certo?" – Quinn comentou com certo descaso.

"Quase isso" – minha irmã respondeu com certa frieza – "Só sei que esse é o negócio do ano para o senhor Weiz sair da casinha dele em Nice para vir a Nova York."

"Boa sorte, presidente" – o tom de Quinn foi de puro despeito.

"Fica na sua, Fabray."

As duas discutiram quando Santana voltou para casa após chegar das Bahamas onde passou uma semana com Johnny. Motivo bobo: Santana fez um comentário mesquinho sobre a minha fracassada lua de mel e Quinn apelou jogando na cara da minha irmã de uma forma nada gentil que ela era uma mulher solteira que vivia sob o mesmo teto de um casal recém casado. Que isso era patético, segundo as palavras da minha amada esposa.

Sei que não era a situação ideal nem para mim e nem para a minha irmã, mas não me arrependi de ter convencido Santana a ficar no apartamento conosco em vez de forçá-la a procurar outro lugar ou vender o imóvel. Amava a minha irmã e acreditava que um ambiente mais cheio num apartamento daquele tamanho era salutar. Quinn e eu teríamos a chance de ficar às sós num lugar só nosso. Era só uma questão de tempo e ele viria naturalmente.

Santana havia comentado que o senhor Weiz estava na cidade, que permaneceria duas ou três semanas antes de voltar para a França. Eu não me importava muito com isso, embora tivesse a gratidão por certas coisas que o meu avô biológico fez em nosso favor, mesmo que as intenções fossem obscuras. Minha irmã, por outro lado, tinha de agüentá-lo. Estava no contrato.

Por outro lado, foi mesquinho por parte de Santana desdenhar da minha lua de mel. Quinn e eu fomos para Costa Rica aproveitar o sol, praia e tudo que tínhamos direito. A praia, o mar e o sol estavam de acordo com o roteiro. Os problemas é que foram inesperados. Em primeiro lugar, tivemos o azar de nos hospedar no mesmo hotel em que estava Toby Malone, o novo queridinho adolescente que estava por lá com Tricia Roberts, a nova atriz sensação da Disney. Os paparazzis de plantão descobriram que eu também estava lá. Embora não tivesse nem a metade da popularidade do casal celebridade teen (e eles eram apenas três anos mais jovens que eu e Quinn), os noticiários de fofoca gostaram da reunião de famosos. A minha liberdade ficou restrita ao quarto de hotel durante dois longuíssimos dias. Não podia me arriscar ser flagrada com pequenos gestos de intimidade com a minha esposa. Quinn, claro, ficou furiosa. Ela procurou outro bom hotel na cidade e nos hospedamos num outro que ficava a menos de um quilômetro do primeiro, no mesmo centro urbano, mas era incrivelmente mais discreto.

Tivemos um pouco mais de paz. Mesmo assim, sabendo que havia paparazzis à vista, não me arrisquei. Quinn ficou chateada porque não me permitia passear com ela de mãos dadas pela cidade. No fim do quarto dia, Quinn teve uma dor de barriga arrebatadora e não foi possível sequer passear. Passei dois dias confinada no quarto de hotel cuidando da minha esposa à base de água de coco biscoito de água e sal, além de medicamentos. Quando Quinn ficou melhor do estômago e do intestino, outra tragicomédia: ela quis descontar o tempo perdido e se esturricou no sol. Vieram à tona as nossas diferenças étnicas: eu, que tenho descendência latina, fico com a pele bronzeada, dourada. Tolero melhor o sol desde que tenha o bloqueador correto. Quinn, descendente de red necks puristas do sul dos Estados Unidos, republicanos e que ainda lamentam o fim da escravidão e o movimento dos direitos civis, fica vermelha como um pimentão mesmo com bloqueador fator 50. Ela pegou uma insolação e passou mais um dia no quarto chorando por conta da pele queimada. Corri na farmácia para comprar um remédio que a faxineira do hotel indicou. Apesar dos protestos da minha esposa por eu dar ouvidos a leigos que sabem de nada, foi só depois que apliquei o creme duvidoso que ela conseguiu encostar ao lençol e dormir. Foi um sufoco. Ela me amaldiçoou, dizendo que se a gente tivesse optado por ficar no frio de Paris, nada daquilo teria acontecido.

Sinceramente, a gente só conseguiu relaxar quando voltamos à Nova York e encontramos minha irmã fazendo as malas para passar as festas de fim de ano em Columbus com nossos pais e Johnny. Ela ainda passou três dias em Nova York e foi suficiente para descobrir toda tragicomédia da minha lua de mel.

Quinn e eu optamos por passar nosso primeiro natal e ano novo casadas às sós e foi uma delícia. Claro que bateu um pouco a saudade dos natais na casa de abuela com a família falando alto em espanhol, meus primos implicando comigo e Santana e a boa e velha confusão dos Lopez. Mas também adorei passar uma noite romântica em que ceiamos, bebemos vinho e fizemos amor devagar no conforto da nossa cama quentinha à luz de velas. Foi épico. O ano novo também foi, mas de um jeito mais passional e carnal.

Quando Santana chegou das Bahamas, jogou na nossa cara a semana perfeita que teve com Johnny. Que eles velejaram, pintaram e bordaram. Procurei ficar feliz pela minha irmã, claro, mas Quinn ficou enciumada. Daí a briga.

"Vou indo. Volto pro jantar" – Santana terminou de engolir o café. Pegou as coisas dela, inclusive as chaves o carro, e foi embora.

Quinn continuou a tomar o café da manhã enquanto eu comecei o meu de fato. Peguei um pote de geléia na geladeira e a mistura de panquecas. Em poucos minutos fiz um café da manhã melhor e mais consistente para o clima congelado fora do apartamento.

"Isso cheira muito bem" – Quinn chegou por trás e meu beijou no pescoço – "Tem para dois?"

"Tudo isso é preguiça de fazer uma mera panqueca?" – provoquei – "Fique com a torradinha que Santana fez."

"Mas nós somos casadas!"

"E daí?"

"Legalmente, metade das suas coisas são minhas."

Soltei uma gargalhada e virei a panqueca. Claro que fiz mais algumas para nós duas. Gostava do ambiente doméstico, do nosso pequeno cantinho do mundo.

"Come along with me to my little corner of the world/ Dream a little dream in my little corner of the world..." – cantei baixinho, quase murmurando.

"O que está cantando?"

"Só uma velha cantiga do Yo La Tengo."

"Você precisa parar de ouvir essas coisas alternativas que a sua irmã gosta. E Johnny."

"É só uma música bonitinha" – tomei a minha xícara de café e comi um pouco das panquecas com geléia de frutas vermelhas – "Você vem almoçar?"

"Não. Vou comer alguma coisa pela Madison mesmo."

"Você entrou em contato com a doutora Merkulova para recomeçar a terapia?"

"Irei" – falou apressada, sem convicção.

"Quinn..." – reclamei. A doutora Merkulova tinha um estilo que a fazia pensar melhor sobre certas atitudes e pensamentos. Quinn se irritava por perceber que está errada, mas que ela se controlava melhor sempre que tinha sessões com a doutora, era um fato.

"Eu irei, Rach, prometo. Deixa só eu reorganizar a minha agenda" – ela olhou para o relógio e acelerou a refeição – "Nesse ritmo vou chegar atrasada na Bad Things."

Quinn saiu da cozinha e eu continuei a tomar o meu café da manhã, afinal, comer devagar era o segredo para uma boa saúde. Além do mais, estava em férias, ou em recesso. Bom, estava num período de inatividade desde que filmei no México no ano passado. Só retornaria a Los Angeles em abril para gravar a terceira temporada de Slings and Arrows e, enquanto isso, teria de discutir com Josh, o meu agente e quase empresário, sobre as oportunidades de trabalho que bateram à porta. Li alguns roteiros que ele me enviou, mas gostei de nenhum. Não é que tenha preconceito com filmes de terror, até aprecio alguns deles, em especial quando Santana e Johnny fazem uma sessão dedicada a esse tipo de produção, só que não me vejo atuando numa delas. Ou nessas comédias pastelões. Dos roteiros que tinha em mãos, interessava fazer a voz numa animação e um papel em um filme de ficção científica. Tenho vontade de trabalhar com grandes cenários no cinema, e estar em todos aqueles efeitos especiais. Só que vou ter de lutar e ganhar o papel numa audição e a concorrência era duríssima. Tinha o filme indie que Luis Segal produziria para ser rodado em New Haven. Ele me convidou para fazer um papel secundário no primeiro projeto dele como diretor, e estava inclinada a aceitar. Receberia um salário simbólico, além de passagem, hospedagem e alimentação. Também me encontraria com Ray Visconti e Zach Called, que eram diretores e produtores em uma das companhias teatrais mais conceituadas da Broadway. Eles iriam fazer uma adaptação de Os Saltimbancos e eu estava doida para fazer algo grande nos palcos.

"Estou indo" – Quinn se despediu me dando um beijo rápido nos lábios enquanto eu arrumava a cozinha para deixar tudo mais ou menos para a hora de Bena chegar e fazer o serviço de limpeza.

Falando na nossa faxineira, ela cruzou caminho com Quinn.

"Bom dia, dona Rachel" – disse com a habitual simplicidade e logo abriu o armário da área de serviço para deixar a bolsa dela. Logo trocaria de roupa, de sapatos, e começaria o serviço que provavelmente terminaria depois do almoço e iria embora deixando um bilhete na geladeira com um relatório do que fez no dia.

"Bom dia, Bena" – disse e entrei no meu quarto para me trocar.

O tempo pedia roupas quentes, muito quentes. Lá fora a temperatura estava negativa e o vento nessas condições parece cortar a pele. Vesti meias grossas, calça jeans, botas, uma blusa quente e um elegante casaco vermelho. Coloquei minhas luvas, arrumei o meu cachecol, peguei minha bolsa e óculos escuros. Estava pronta para ser flagrada por qualquer paparazzi e me sair bem. Não que quisesse, mas estava aprendendo a conviver com esses incômodos.

Peguei um táxi e fui direto para o escritório da Ripley Actor Agency. Josh e os irmãos haviam prosperado consideravelmente desde o dia em que eles me aceitaram como cliente. Eles agora representavam pouco mais de 40 atores sendo que eu pertencia à lista "A" da empresa. Subi o elevador até o 5º andar do edifício na 611 Avenue of The Americans. Falei com a recepcionista que logo me pediu para entrar. Josh estava à minha espera para fecharmos uma agenda. O escritório particular dele era muito bem decorado, com quadros de paisagem, sofá novo, mesa de vidro. Havia também um quadro de fotos de alguns dos agenciados. A minha estava ali, centralizada e em destaque. Eu era a principal cliente de Josh, que também atuava quase como meu empresário. Serviço a mais que ele prestava por uma comissão de 15%. Sentamos na pequena mesa de reunião redonda para seis pessoas e espalhamos papéis, roteiros e um cronograma.

"Mas você vai fazer esse filme indie de graça?" – Josh perguntou injuriado. Era o tipo do trabalho que ele não ganharia comissão – "Não acho que seja legal para a sua carreira."

"É um papel secundário que vai me tomar uma semana no máximo. Além disso, é de Luis Segal, meu amigo e colega de trabalho."

"Tudo bem..." – ele se resignou – "Sabe quando vão ser as gravações?"

"No início de fevereiro. Eu devo ir para New Raven na segunda semana do mês. Luis vai me dizer assim que eu der um sinal positivo."

"Certo..." – ele marcou no calendário do ano inteiro – "E quanto aos roteiros que recebeu?"

"Vou recusar todos os outros menos a audição para o papel no filme de sci-fi e para fazer a voz no filme de animação."

"Ótima escolha. Vou entrar em contato com a produção para negociar a audição do sci-fi, mas você tem que reforçar o seu interesse ligando você mesma. Já a dublagem é garantido. Liga para o Greg" – o diretor do filme – "faz a sua conversinha que depois alguém da equipe deve me retornar para negociarmos a agenda."

"Eu sei" – tomei um gole d'água – "É o que vou fazer."

"Abril a julho tem a série..." – riscou o calendário com um S&A nesses meses – "Soube que a produção do filme vai ser no verão com locação na Austrália."

"Será inverno lá" – corrigi.

"Você entendeu. A questão é que se você conseguir o papel, vamos ter de negociar calendário em julho. Pode ficar pesado. Pode ser que você tenha de pedir para se ausentar por uma semana ou duas de Slings."

"Não tinha pensado por esse lado. Mas não custa nada tentar fazer a audição e manter as portas abertas, certo? Você mesmo vive me dizendo isso."

"Correto. Você tem premiere do filme em março e o trabalho de divulgação da série em setembro pode ser que eles queiram que você saia do país para fazer coletivas. Mas isso pode ser negociável com o pessoal da HBO. Pensou a respeito da peça? Pode ser que o filme de ficção choque agenda com o cronograma de produção dos Saltimbancos" – bateu a ponta da caneta no papel.

"O filme não é uma garantia, mas Zach e Ray me querem na peça" – passei a mão nos meus cabelos – "Nossa, eu quero fazer tudo que puder ao mesmo tempo."

"É por isso que precisamos fazer escolhas na carreira e é por isso que estamos aqui, Berry" – Josh procurou outros papéis – "Temos de pensar na publicidade. Recebi uma proposta para você ser a garota propaganda da Duane Reade."

"Duane Reade? Por que eu iria ter a minha imagem ligada a uma rede de farmácias?"

"Uma grande rede de farmácias, melhor dizendo. Além disso, o cachê é ótimo."

"Quanto?"

"Setenta mil para uma campanha que envolve três peças publicitárias."

"Fechou!"

"Há também o interesse de você ser capa da Nylon de maio e um ensaio sexy para a GQ. A Nylon paga 50 mil mais as roupas que usar. A GQ ofereceu o dobro por um ensaio em roupas íntimas."

"Fecha com a Nylon, mas eu não estou tão certa quanto à GQ. Não sei se quero me expor mais do que já faço na série. Não recebi o roteiro dessa temporada ainda, mas posso prever que pelo menos um nu e uma cena de sexo mais forte."

"GQ é uma ótima publicidade, Berry. É um bom dinheiro também. Estamos falando aqui de uma das revistas masculinas mais conceituadas do mundo. Com certeza eles vão fazer algo de bom gosto e não vão te deixar desconfortável."

"Só faço pelo dobro" – tentei blefar e Josh sequer piscou. Ele fez algumas anotações e fechou a agenda – "Vamos ao almoço com Zach e Ray?"

"Vamos... eu só vou fazer alguns telefonemas e já saímos. Não se esqueça de fazer os despachos com a Nina."

Acenei e esperei. Fiz as minhas próprias anotações. Uma vez que a gente acerta o que estou ou não o que estou disposta a encarar, entra a fase das negociações de pagamento, encargos, cronogramas. Tudo precisa ser bem montado para um trabalho não bater com outro. Apesar de tanto trabalho, ainda não faço tanto dinheiro assim. É bastante para um cidadão médio, mas longe de ser grande coisa para os maiores salários da indústria. Não sou uma atriz que possa pedir 20 milhões num filme, como Julia Roberts pedia no apogeu da carreira. Ainda faço 15 mil por episódio no seriado e preciso ralar um bocado para pagar minhas contas e pequenos luxos. Na medida em que progredi, minhas despesas também aumentaram. Manter um apartamento como o meu não era barato, mesmo que hoje Santana pague algumas contas e contribua, o maior peso ainda está ao meu lado. E tinha Quinn. Insisto para que ela continue a terapia porque, convenhamos, ela ganha muito pouco para um orgulho que é do tamanho do mundo. É que ainda estamos em clima de lua de mel, mas a partir do próximo mês, quando ela der uma boa olhada nas contas, vai surtar.

Fomos ao almoço com os produtores no carro de Josh. Zach Called era um homem calvo com aparência andrógena, apesar de ser casado e ter dois filhos. O que não queria dizer muito. As fofocas de bastidores indicavam que ele tinha um casamento aberto e gostava de dormir com dançarinos dos espetáculos grandiosos que produzia. Era também um roteirista teatral de mão cheia, vencedor de dois Tonys, que sabia trabalhar com segurança em espetáculos que duravam anos e anos. Ray Visconti era um ex-galã de 50 anos. Foi um ator promissor da Broadway no início de carreira, mas depois descobriu que prefere os bastidores ao palco. Era um sujeito sério, compromissado, heterossexual e divorciado tantas vezes quanto os dedos da minha mão. Era do tipo que se apaixonava perdidamente, casava dois meses depois para acabar com o matrimônio depois de se apaixonar perdidamente pela próxima da lista. Teve três filhos: cada um com uma mulher diferente. Mas quem sou eu para julgar a vida pessoal dos outros? Eu, casada com uma mulher, mas que era obrigada a viver em Nárnia para ter uma carreira.

Chegamos à mesa e nos cumprimentamos. Para a minha surpresa, Josh Solano, que começou a carreira comigo em Songbook e ainda participou do curta-metragem estudantil de Quinn, chegou três minutos depois acompanhado do agente. Não sabia que ele era outro ator cotado para integrar o elenco de Saltimbancos. Era uma boa notícia, porque eu gostava de trabalhar com ele.

Fizemos nossos pedidos e Zach apresentou o projeto. Era uma peça grandiosa da Broadway que teria um monte de dançarinos, cenários grandes, produção, efeitos, e que exigiria preparação especial dos atores. No caso, treinamento circense para fazer certos movimentos dos animais.

"Como conversei com vocês rapidamente por telefone" – disse Zach – "Já temos atores que gostaríamos de convidar em primeiro lugar para interpretar os quatro principais. Rachel seria a gata e Josh seria o cachorro. Phill Bello já aceitou ser o burro" – Phill Bello era o ator do momento. Ele formou na Broadway e fazia pequenos papeis na TV e no cinema. Um belo dia ele fez Lex Luthor da Liga da Justiça nos cinemas e virou um hit – "Ele deve assinar contrato para três meses nos próximos dias e espero que possamos fechar também."

"Isso é incrível!" – Solano sorriu – "Phill é incrível. Como te disse antes, se for para trabalhar ao lado dele, já vale à pena."

De fato, o nome de Phill Bell estaria bem acima dos nossos. Vaidade à parte, era Broadway, finalmente a grande Broadway. Zach e Ray explicavam todos os planos, a certeza do dinheiro dos patrocinadores, a expectativa de vendas, publicidade, que poderíamos ajudar na seleção dos atores substitutos e demais papeis do elenco que seriam decididos por meio de audições. Meus olhos se iluminaram com as idéias dos produtores, de como seria a gata e havia os desenhos das fantasias, de que seriam usados até cabos. Eu nunca trabalhei com cabos. Eles me pagariam um treinador para fazer os movimentos e teria praticamente seis meses para ficar pronta. O que significava que teria de treinar mesmo durante as gravações de Slings and Arrows. O que era incrível, cansativo, mas excitante. A estreia seria em outubro e os atores originais teriam um contrato até dezembro, mas, claro, esse era o tipo do espetáculo que teria vários times de atores atuando ao longo do tempo. Mas o primeiro time tinha de ser impecável porque seria esse que atrairia os fãs antes o espetáculo andar com as próprias pernas, independente de quem estivesse no palco. Claro que Saltimbancos era uma história universal e secular. Claro que as pessoas prestigiariam.

"Então? O que acha?"

Olhei para Zach e me controlei para não explodir de alegria. Aquilo era tudo que sonhei fazer na Broadway: produção de grande orçamento, equipe gigante e um contrato que exigiria de mim preparação física especial para encarar o personagem. Era o sonho de qualquer ator de teatro. Mas respirei fundo para não parecer uma louca amadora.

"Por mim, assino o contrato agora" – disse com entusiasmo, mas ainda contida. Era uma profissional – "Mas primeiro preciso levar uma cópia para a minha empresária para fecharmos valores e os termos" – o que queria dizer que eu levaria o contrato para Santana dar uma lida junto com o senhor White. O advogado pessoal do senhor Weiz era mestre em detectar roubadas.

"Claro que sim!" – Zach sorriu e cumprimentou a mim e Josh e aos nossos respectivos agentes – "Vejo vocês dois na segunda-feira então. Foi um prazer senhorita Berry e senhor Solano. E tenho certeza que será um grande privilégio trabalhar com os dois."

Agora viria a etapa mais chata que eu não participava diretamente. O contrato seria encaminhado para a minha irmã que era oficialmente a minha empresária. Ela conferiria tudo com Richard White, que ultimamente trabalhava junto a ela na Weiz, ela ligaria para os produtores para ajustar valores e o contrato seria assinado. As porcentagens seriam divididas tão logo eu recebesse o cheque. Depois seria só alegria para mim: ensaiar, treinar, cantar.

"Você vai mesmo embarcar nessa..." – Josh balançou a cabeça e deu um pequeno sorrisinho – "É mesmo uma rata de palco, Berry. Como vai ficar o filme?"

"Se eu passar na audição, a gente se preocupa com isso."

Josh estacionou o carro ao lado do meu prédio. Foi apenas o tempo de eu saltar e ir para casa. Cheguei em casa eram três da tarde e peguei Bena já de saída. Ela tinha cumprido todas as tarefas do dia e não via sentido em prendê-la até as cinco, quando oficialmente ela deveria cumprir o horário. Tínhamos essas flexibilidades. Olhei o tempo e achei por bem aproveitar a academia do outro lado da rua em que estava matriculada para malhar um pouco. Uma horinha, pelo menos, já que não tinha ninguém em casa e eu não tinha ainda o que estudar. Coloquei roupas de ginástica e desci para a academia embrulhada num casaco grosso. Nada melhor do que um pouco de esteira e alongamento. Gostava daquela academia. Era bem equipada e as pessoas eram discretas quanto a presença de pessoas famosas, atores e até de sub-celebridades que circulavam por ali. Eu mesma nunca fui incomodada e pouco socializava. A não ser com Emily Gentis, que era uma roteirista conceituada que morava duas ruas acima da minha. Ela era uma pessoa agradável de interagir.

Depois de um banho quente, falei com Nina e depois finalmente relaxei. Fui até o escritório e liguei o teclado. Fiz alguns exercícios vocais e só parei quando percebi que alguém tinha entrado em casa. Quinn.

"Oi esposa" – ela andou em minha direção para me dar um beijo.

"Está com uma cara ótima" – sorri.

"Foi um dia ótimo, apesar de cheio" – Quinn pegou a cadeira da bancada em que Santana costumava trabalhar e a colocou na minha frente – "Vou dirigir a fotografia de dois episódios."

"Sério?" – abri um sorriso. Era uma ótima notícia. Quinn acenou e eu tive de beijá-la – "Parabéns... mas me conte tudo. O que aconteceu?"

"Wesley vai precisar se ausentar mês que vem, então Terry disse que eu deveria assumir a cadeira da fotografia até ele chegar."

"Nossa, Quinn. Isso é ótimo! Realmente ótimo! É o que você realmente gosta de fazer."

"Gosto de ser câmera. É um grande aprendizado. Mas, convenhamos, divertido mesmo é estar na direção. Fiquei radiante lá na Bad Things hoje, foi um dos meus melhores dias. Santiago até me pagou o almoço em comemoração."

"Ele ainda está para baixo depois de Kayla o deixou?"

"Está melhorando, pelo que vi. Mas ainda está recente, Rach" – Santiago e Kayla terminaram semana passada aparentemente porque ele pisou na bola e transou com outra mulher.

Acenei e segurei o rosto da minha esposa para beijá-la mais uma vez.

"Que tal um jantarzinho para celebrar?" – sugeri.

"Cozinhar juntas? Que sexy."

"Você faz a salada, eu faço o macarrão e nesse meio tempo" – disse no meu ouvido – "a gente toma um pouco de vinho."

Eu sabia que não poderia deixar me envolver pela sedução da minha esposa por causa da minha irmã. Mas é que o clima na preparação do jantar esquentou. Cortei os ingredientes para fazer o molho enquanto o macarrão cozinhava. Entre um ingrediente e outro, bebemos vinho tinto e fazíamos comentários ligeiros sobre as notícias, a cidade, nossas vidas. Trocávamos algumas carícias de leve, um beijo, um toque, um falar no ouvido. Quando Quinn terminou com o macarrão, tirei as folhas que tinha colocado na água com um pouco de vinagre e comecei a picotá-las. Quinn veio por trás e me abraçou.

"Adoro te ver de avental" – disse com a voz sensual ao pé do meu ouvido e me deu um leve beijo no pescoço – "Isso me deixa em chamas."

Ela me beijava no pescoço e na orelha, e uma mão boba entrou pelo avental e acariciou o meu ventre antes de descer por debaixo do meu short, por dentro da minha calcinha e eu repousei a as mãos no balcão da cozinha para me sustentar quando os dedos encontraram meu clitóris e começaram a brincar com ele devagar. A outra mão entrou por debaixo da minha camiseta e cobriu o meu seio. Se Quinn queria que eu abrisse as pernas ali mesmo, já estava com mais de meio caminho andado para me convencer. Gemi baixinho envolvida da prazerosa sensação.

"Boa noite" – ouvi a voz da minha irmã – "Oh deus!" – ela soltou um grito e quando dei por mim, ela estava com as mãos nos olhos saindo da cozinha – "Meu olhos, meus olhos!" – disse alto pela casa.

Senti o meu rosto corar, ficar um pouco mais quente devido à vergonha do flagra. Quinn? Ela estava sorrindo, apesar da interrupção.

"Você vale nada, senhora, Fabray" – dei um tapinha no braço dela.

"Adoro o fato de ela poder fazer mais nada para nos bloquear."

"Vamos terminar o jantar primeiro e os nossos negócios mais tarde em nosso quarto."

Fui chamar a minha irmã no quarto dela para comer. Santana tinha algumas atitudes ainda infantis, exageradas, quando falávamos do meu relacionamento com Quinn. Verdade que ela agia com muito mais discrição com Johnny ultimamente e eu pouco o vi desde o meu casamento, mas não é que ela precisasse ser tão reservada com o namoro dela aqui dentro de casa. Ela também parecia mais tensa. Da mesma forma em que eu não sentia necessidade de me segurar quando estava com minha esposa. Claro que não ia fazer sexo com Quinn na frente da minha irmã, havia a parte do respeito e o flagra foi puramente circunstancial, mas não sentia a necessidade de conter gestos carinhosos. Era obrigada a fazer isso nas ruas, por isso não me furtaria dentro da minha própria casa. Santana deixou o quarto com jeito desconfiado, sentou-se na mesa com uma tromba e fez cara de que tinha dúvidas quanto a limpeza do jantar. Eu podia até fazer sexo na cozinha, mas jamais faria porcaria com a comida.

"Como foram os negócios?" – quebrei o silêncio que havia se estabelecido à mesa.

"Feitos" – Santana brincou com o macarrão. Ou ela não estava com fome ou ainda estava incomodada com a cena – "Os chineses assinaram e a Weiz vai faturar mais alguns milhões com a ampliação do mercado. Os diretores e acionistas estão felizes e o senhor Weiz vai poder comprar outra propriedade em Nice, se quiser. Enquanto isso, o trabalho de revitalização da imagem da empresa continua e a minha equipe está caminhando e, segunda-feira embarco para Washington para ficar lá por uns dois dias só para auxiliar num trabalho de lobby."

Minha irmã parecia cansada e não muito feliz. Mais do que o normal.

"É isso?" – pressionei – "Você não deveria comemorar por seu trabalho estar progredindo?"

"Talvez" – continuou brincando com o macarrão.

"O que foi que aconteceu? É algo com a Rock'n'Pano?" – do jeito que ela suspirou, pude ver que era o ponto – "Mas as coisas não estavam crescendo?"

"A prévia do balanço do mês está abaixo do esperado" – Santana suspirou – "Existem os gastos feitos na sala comercial e na contratação de Tomiko. Sei que são investimentos necessários, mas eles pesaram um bocado. Nesse mês, eu só tenho grana para pagar as contas devidas e um pote de sorvete. O volume de encomendas está estável, mas para compensar a grana extra gasta, ele teria de crescer no mínimo 20% e isso não aconteceu. Também tenho a menor condição neste momento de investir mais em publicidade. Isso significa que preciso passar mais tempo ao telefone, mas também é difícil quando se tem um volume de trabalho monstro na Weiz. Estou até com medo de enviar o relatório para zaide... mas ainda bem que tenho o salário na Weiz para pagar as contas daqui de casa" – então ela largou o garfo – "Foi estupidez gastar o dinheiro que não podia nas Bahamas. Johnny pagou a metade das despesas, ainda assim..."

"Toda empresa tem autos e baixos, correto?" – procurei injetar um pouco de ânimo – "Você vai recuperar."

"Tomara" – finalmente ela deu uma garfada no macarrão. Só tinha a visto preocupada com finanças daquele jeito no nosso primeiro ano de Nova York.

Olhei para Quinn, que estava pensativa. Acredito que passou toda intenção que ela poderia ter em provocar Santana. Além disso, foi uma quebra de clima. Tive boas notícias, assim como Quinn. Mas a comemoração já não era completa. Comentamos sobre nossas novidades e apesar de Santana ter ficado feliz por nós, já não era a mesma coisa. Pelo menos não naquele momento. Retirei a mesa e dei um beijo na cabeça da minha irmã.

...

20 de janeiro de 2017

(Santana)

"Então? O que acha?"

Levei minhas mãos ao rosto e procurei lembrar que Tomiko era só uma moça esforçada, que fazia o trabalho da melhor forma possível e que estava entusiasmada em ficar na Rock'n'Pano comigo. Mas como estrategista nos negócios e de marketing, não passava de um ensaio ruim. Como não tinha hábito de mentir para as pessoas só para fazê-las se sentir bem, soltei.

"Eu nunca ouvi uma idéia mais estúpida. Primeiro porque fere totalmente o conceito da Rock'n'Pano, e depois porque para executar um plano desses sem estudo e sem a garantia de um bom retorno teria de gastar pelo menos uns 50 mil dólares, dinheiro que eu não tenho sobrando em caixa neste momento."

Até que eu tinha esse valor, mas ele pertencia ao caixa, dinheiro que não podia dispor para investimentos extras ou então correria o risco de falir ou mesmo ter de apear para empréstimos que só me atolariam. Era o dinheiro que eu tinha de manter circulando dentro da minha própria empresa que correspondia na relação dos gastos com o que entrava. Eu não podia simplesmente pegar o que entrava e gastar. Estaria roubando de mim mesma. Olhei para o escritório da Rock'n'Pano. Estava ficando bonito, clean e ao mesmo tempo jovial. Johnny teve ótimas idéias de decoração, mas ainda estávamos trabalhando nisso. O lugar era pequeno. Tinha apenas um banheirinho e 15m² para preencher.

Johnny pintou o lugar, mandei fazer uma bancada de trabalho de três lugares (que por hora seria para mim e Tomiko), mandei fazer duas prateleiras acima dessas bancadas e comprei uma mesinha de reunião de quatro lugares, além de colocar um armariozinho para guardar coisinhas. Comprei material de escritório e instalei um telefone fixo. Ainda não estava tudo montado, mas já poderia receber clientes. Tinha contratos e contatos. Mas precisava arrumar uma maneira de diversificar e aumentar o volume de vendas para voltar a ter uma margem aceitável de folga. Com certeza, as idéias de Tomiko não ajudavam. Ela ficou magoada com a minha resposta. Paciência.

"Só foi uma sugestão... um professor meu..."

"Tomiko. Erro meu. Não deveria ter comentado nada disso contigo. A Rock'n'Pano vai bem, você mesmo pode ver pela estabilidade de nossas vendas. O problema é completamente diferente. Diz respeito a necessidade de ampliação de mercado e não de procurar outro. Isso seria estupidez" – ela arregalou os olhos e eu vi que fui rude mais uma vez. Respirei fundo e recomecei – "Vamos colocar de uma maneira mais simples. Não é que não queria vender para os cosplays da Coreia. Quero sim, mas só seria possível com um parceiro comercial. No mais, o que a gente pode fazer com o consumidor de lá é trabalhar via correio. Eu preciso vender mais aqui dentro, uma vez que já tenho tudo estabelecido. O problema é que estou amarrada a um contrato de exclusividade de vendas com uma loja que só vence no fim do ano. O volume é bom, mas para sustentar o crescimento da empresa, que inclui o seu salário e a manutenção desta sala comercial, preciso aumentar as vendas diretas na empresa. Para vender mais, preciso de um projeto de marketing e publicidade melhor. Projeto este que não é um mistério de se fazer, mas por hora, não tenho grana para tal. Porque se eu investir nisso, corro o risco de mês que vem não ter grana para pagar o seu salário e o aluguel desta sala."

"Você não pode pegar emprestado com o seu avô?" – suspirei. Como era difícil traduzir certas coisas.

"Faz o seguinte: esquece! Apenas volte ao trabalho. Fique de olho nos pedidos e encaminhe tudo como você faz muito bem."

Sentei na cadeira do cantinho que elegi ser o meu e chequei a internet. Nada de novo no front a não ser a velha rotina que já cumpria em meia hora. Olhei mais uma vez para o relatório de contas da empresa e depois para o e-mail de zaide. Não tinha mesmo remédio. Apertei o botão de enviar e podia até imaginar o telefonema que receberia depois de zaide chamando a minha atenção uma vez que ele foi contra a minha idéia de contratar funcionário e alugar sala comercial na época que fiz. Olhei para Tomiko. Ela ficou realmente magoada. Trabalhava com a expressão dura para frente da tela do computador dela.

"Mas a gente pode fazer uma solução barata, embora não muito eficiente ou elegante" – disse por alto – "A gente pode criar uma coleção polêmica ou enviar alguns spams com propostas comerciais."

"Spams? Isso é perder prestígio" – ela voltou a ficar interessada – "Mas gosto da idéia da coleção ousada. As pessoas comentam nas redes sociais que a Rock'n'Pano é certinha demais para ter esse nome."

"Você não colocou isso no seu relatório" – chamei a atenção dela. Tomiko também deveria monitorar nossas páginas nas redes sociais e fazer um relatório semanal.

"Na verdade, eu coloquei, mas acho que você passou batida."

"Hum. Nossos artistas não têm o perfil de fazer algo polêmico e não exigiria isso deles. Posso sugerir, mas não exigir."

"Eu tenho uma sugestão, mas não sei se você vai gostar."

"Diga."

"Meu irmão é um ótimo desenhista e ele trabalha como ilustrador no Newsday está juntando dinheiro para lançar uma graphic novel."

"Interessante" – realmente era – "Manda um link para eu checar o trabalho dele."

"Ok."

Ela enviou um link em dois segundos para eu abrir no meu computador. Carl Tomiko, 24 anos, ilustrador. Tinha um estilo muito interessante. Um misto do traço ocidental com mangás. Havia traços obscuros interessantes que destoavam de tudo que Mercedes, Johnny e Quinn já tinham feito.

"Isso é muito bom, Tomiko" – estava realmente impressionada – "Convide o seu irmão para uma conversa comigo. Melhor, me dê o telefone dele para entrar em contato."

Tomiko ficou feliz. Sorriu pela primeira vez desde que nos encontramos no escritório. Nesse meio tempo, Johnny apareceu. Estava com a barba por fazer, o que não era novidade, o mesmo casaco de frio preto que ele andava há algumas semanas seguidas e a calça jeans surrada. Como ele não congelava as pernas nesse inverno dos infernos, sinceramente era um mistério.

"Oi San" – me deu um rápido beijo nos lábios – "Ei Tomiko!"

"Não pense que estou achando ruim, mas achei que a gente só fosse se encontrar daqui a..." – conferi meu relógio – "uma hora e meia. Aconteceu alguma coisa?"

"Não exatamente" – ele parecia ansioso e isso era sinal de alerta.

Olhei para Tomiko, que observava a cena com certa curiosidade, e parecia que Johnny realmente precisava conversar. Do jeito que ele era, se não aproveitasse a abertura, era capaz de ele se fechar e seria um custo fazê-lo falar de novo.

"Quer saber? Acho que vou antecipar o meu almoço" – levantei e desconectei meu computador – "Tomiko, a não ser que você tenha algo muito importante para fazer no escritório, pode sair mais cedo. No mais" – coloquei meu computador na pasta – "te vejo na segunda-feira."

"E sobre o meu irmão?"

"Vou ligar para ele, fique tranqüila."

Tomiko mostrou que eu poderia ter confiança o bastante para confiar uma cópia da chave do escritório. Também não era que lá tivesse alguma tão valiosa assim para roubar.

"O que tem o irmão da Tomiko?" – Johnny perguntou se enterrando um pouco no casaco. Estava um gelo nas ruas. Gelo sem gelo e sem neve, mas um vento de cortar a pele.

"Ele é um ilustrador."

"Vai integrá-lo à equipe?"

"Ainda não sei" – segurei no braço do meu namorado enquanto andávamos pelas ruas. Ele com a roupa de sempre, eu com chapéu e um cachecol que escondia parte do meu rosto – "Vai me dizer o que está te aborrecendo?"

"Eu vim do escritório da editora e Berger fez uma crítica muito dura sobre o meu segundo livro. Disse que não iria publicar se eu não reconsiderasse alguns pontos."

"E você vai reconsiderar?"

"Boa pergunta" – Johnny disse acanhado. Apesar de ter publicado um livro e ter vendido bem dentro de uma editora pequena, ainda era muito inseguro quanto ao próprio talento – "Eu não deveria fazer concisões. Não tantas assim. Mas e se o material não estiver mesmo tão bom? Reconheço que não trabalhei nesse livro tão bem quanto no primeiro."

"Peça uma segunda opinião, neste caso."

"É uma boa, mas eu não queria convocar nenhum amigo próximo porque a opinião não seria totalmente honesta. Aliás, a única crítica que poderia ser honesta o bastante que tenho em mente é Quinn, mas ela anda ocupada."

Tentei pensar em alguns nomes enquanto descíamos as escadarias de acesso para o metrô. Ninguém veio à mente a não ser uma ex-namorada de Johnny, mas não seria besta em recomendar a guria.

"Mande pro seu irmão" – Johnny arregalou os olhos para mim como se eu tivesse ficado louca. Precisei elaborar melhor – "Ele é um cretino contigo, mas por isso mesmo pode te dar uma opinião honesta."

"Por que você não lê?" – tirou um monte de papel impresso da mochila – "Sei que não é uma leitora ávida, mas suas opiniões são honestas, mesmo que algumas delas sejam brutais. Eu apreciaria se você pudesse me dar essa ajuda."

E veio a cara de cachorro rejeitado que era difícil de resistir. Peguei o rascunho impresso e coloquei na minha pasta.

"Prometo nada."

Johnny pareceu satisfeito com a possibilidade de eu ler o livro dele. Para ser sincera, mal li o primeiro. Passei o olho para ficar a parte de alguns pontos só para poder conversar com ele a respeito. Inglês nunca foi a minha classe favorita e a minha leitura de cabeceira são os artigos do Wall Street. Fazer o quê?

Almoçamos rápido porque tinha de trabalhar na Weiz à tarde. O trabalho de montar e executar estratégias para revitalização da marcar parecia algo sem fim. Era um tal de aprova e reprova que nem sempre era muito prático, mas devagar as coisas andavam. Poderia ter resolvido muito mais coisas se não tivesse sido obrigada a viajar para Washington. Dois dias na terra dos burocratas: um saco sem tamanho.

No meio da tarde, quando não agüentava mais as eternas discussões dentro do departamento na Weiz, recebo o telefonema de zaide. Como previ, ele me esculachou por causa da minha ação que ele julgou precipitada e eu precisei ouvir cada sílaba. Que inferno. Minha mãe também ligou para saber como estavam as coisas, mas não tive tempo para ela. Sei que ela iria se queixar com papi porque eu nunca tinha tempo para conversar direito. Nem mesmo nas festas de fim de ano, em que Johnny e eu passamos em Ohio. Foi uma escolha conveniente porque meu namorado odiava a própria família que lhe restou e sentia-se bem lá em casa, entre os meus. Eu também adoro, mas para visitar meus pais por uns três dias e depois ir embora. Ficamos pouco mais de uma semana e foi duro acompanhar meus pais em todos os compromissos que eu não dava a mínima, mas que era importante para os meus velhos.

Ao menos a viagem para Bahamas foi um sonho. Hoje posso lamentar o dinheiro gasto, mas todos os momentos que Johnny e eu tivemos por lá foram maravilhosos.

Meu celular tocou mais uma vez quando tentava me concentrar no meu trabalho na Weiz. A foto de Mercedes apareceu na tela e fiquei de sobressalto. A última vez que nos falamos em pessoa foi no casamento da minha irmã e, por telefone, no ano novo quando liguei rapidamente para desejar felicidades a ela e ao meu primo. Como ainda não era final de mês, a do repasse da porcentagem, e ela só deveria me apresentar uma nova coleção mês que vem, imaginei que a razão para ela me ligar no meio do horário de expediente devia ser algo excepcional.

"Cedes" – fiz a voz mais animada possível – "O que manda, garota?"

"Ei San. Como vão as coisas?" – Mercedes não indo direto ao ponto? Mau sinal. Mau sinal!

"Estão na mais perfeita ordem."

"Fico feliz em saber."

"Como está Julio?"

"Trabalhando nas motos dele. Sabe como o seu primo é."

"Ele sempre foi o mecânico favorito de abuela" – esse alongamento me agoniava – "Mas conte quais são as novidades?"

"Fui contratada pela DL Design" – disparou. DL Design era uma grande empresa da área. Eles faziam de tudo: desde websites até cadeira.

"Cedes, isso é fantástico."

"Pois é... só que tem um problema: eu não vou poder mais colaborar com as coleções da Rock'n'Pano" – boom – "O meu contrato é de exclusividade e de agora em diante vou ter que deixar o time aí, já que o contrato é por coleção e pode ser quebrado a qualquer momento."

"Sim. Eu entendo. Estou triste por você me deixar, mas feliz com a nova oportunidade. Tenho certeza de que vai fazer um trabalho incrível."

"Obrigada. E eu tenho certeza que você vai descobrir novos talentos para trabalhar contigo" – e veio o breve silêncio desconfortável – "Escute, San, não sei nem como devo começar a te agradecer. Você foi a primeira pessoa a me dar uma oportunidade e visibilidade. Obrigada de todo coração."

"O prazer foi todo meu, Cedes. Mande um abraço em Julio e vê se não deixa de mandar notícias. A gente não pode se limitar a apenas se encontrar nos eventos familiares" – em especial porque ficaram mais raros depois que abuela morreu.

"Claro! Com certeza!"

"Ok..." – mais um silêncio desconfortável – "Bom... a gente se fala depois."

"Até, San. E obrigada mais uma vez."

"De nada,"

Desliguei o telefone e imediatamente veio a dor de cabeça. Olhei para a quantidade de material, de papéis e para a tela do computador na minha mesa de trabalho na Weiz. Estava atolada de trabalho, minha empresa passava pela primeira crise e agora perdia a designer que mais vendia peças. Tive vontade de chorar.

A cereja no bolo acontece sempre que chego em casa. Como se já não bastasse o dia infernal que enfrentei, ainda tive de agüentar a visão dos infernos entre Quinn e Rachel se agarrando no sofá de casa. Será que elas não poderiam se agarrar em outro lugar como o escritório ou na poltrona do canto que não dá para enxergar da porta de entrada. Até a cozinha era mais aceitável, apesar de tê-las flagrando ali na semana passada. Era sempre assim quando Quinn passava as sextas em casa: uma agarração sem fim.

"Boa noite para vocês duas" – disse com a voz tão cansada que fiquei surpresa comigo mesma.

"Deixei jantar para você na cozinha" – Rachel disse rapidamente antes de voltar a colar os lábios nos de Quinn.

Tudo bem que elas estavam ainda em lua de mel. Ótimo que o início do casamento esteja sendo estupendo a ponto de ecoar pela casa e me obrigar a dormir com espuminhas no ouvido, dessas usadas por quem tem sono leve. Ainda bem que uma caixa com dois pares é barata e pode ser encontradas em qualquer farmácia e loja de conveniência com um pouco mais de variedade. Entrei no meu quarto, joguei minhas coisas em cima da cama e tomei um banho. Aliás, o meu banheiro era o único lugar da casa cujo som dos gemidos não conseguia penetrar. Nunca gostei tanto do meu banheiro.

Enchi a minha banheira, como poucas vezes fazia, coloquei alguns sais e tomei um banho quentinho. Fechei os olhos e procurei relaxar. Prometi a mim mesma que não pensaria em trabalho ao longo de todo fim de semana. Ou era isso, ou teria um surto. Depois de meia hora dentro da água, decidi sair e encarar o resto do jantar. Estava com fome. Coloquei meu pijama comprido e vi o que tinha nas panelas: sopa de legumes. Tracei dois pratos.

Quinn e Rachel já tinham se recolhido para o quarto. Pelos gemidos que ecoavam pelo pequeno corredor de acesso aos nossos quartos, a festa lá dentro deveria estar animada. Entrei para o meu quarto e coloquei a espuminha no ouvido. Que delícia. Ouvia mais nada desagradável. Peguei o rascunho do livro de Johnny para dar uma olhada. Tentei ler as dez primeiras páginas. A idéia da história não era ruim, mas meu namorado que me perdoasse: aquilo estava um lixo.