Saint Seiya é do Kurumada. Eu só escrevo porque gosto, mas não tenho capacidade de forjar um livro.
Boa leitura!
São 1h10 da manhã da quinta para sexta-feira do dia 23 de janeiro. Eu não estou com sono, mas tenho uma incomoda dor na lombar, mas mesmo assim fico aqui. Não tive pressa em acordar, não tomei um banho, mas coloquei meus chinelos.
Vi minha mãe, lavei a louça, fiz o jantar.
Vi meu pai, apanhei seu jantar.
Fiquei lá, naquela casa que eu cresci, até os meus vinte e dois anos e até às 23 horas do dia 22 passado.
Peguei o meu Renault, preto, ar-condicionado, direção hidráulica, ano 2006, e passei num bar. Comprei um Malboro-light e até fiz uma pose máscula para algumas mademoseilles que estavam passando, mas elas não me notaram e até me lançaram uma cara de repugnância.
Não que eu tivesse chegado aos meus 38 anos mal apanhado, eu ainda tenho meu charme, mas ainda sou velho para elas, só consigo provocar risadas nervosas.
Enfim, fui para casa. Ela é salmão com rachaduras.
Liguei meu celular que eu deixei em cima de uma fruteira vazia. Não havia ligações não atendidas, nem mensagens.
Vi a secretária eletrônica e também não tinha mensagens.
Fui ao meu computador e mais uma vez não recebi nenhum e-mail, mensagem do myspace, orkut, nada. Aparentemente, estão todos ocupados.
Na minha adolescência também era assim, eu não recebia convites para nada, festas, cinema, pipoca na casa dos amigos, mas a boa notícia é que perdi a virgindade e isso me afligia um pouco naquela época.
Eu tenho um filho que não liga para mim as segundas, terças, quartas, quintas, sextas, sábados, domingos e feriados. No último aniversário ele me mandou um e-mail bonito, mas por falta das minhas habilidades eu acabei por deletá-lo acidentalmente.
Então, ele é um garotão de 14 anos. Muito bonito.
A mãe dele... é bonita apesar da idade, sabe, engordou um pouco, mas continua bonita. Ela vai se casar de novo. Com um amigo meu... imagine só, fui eu que os apresentei. Não gosto mais TANTO assim dela, esse meu amigo veio em casa, lembra dele? meio bêbado e meio preocupado se eu ia ficar bravo se ele finalize com ela.
O que eu podia dizer? Falei vá em frente e foi o que ele fez, eu nunca teria coragem para pedir que ela voltasse comigo depois de ter me largado.
Eu to sozinho aqui em casa...
Camus acordou naquela manhã pronto para mais um dia de trabalho no seu emprego meio chato de administrador. Mas, tudo bem, porque o domingo, o pior dia da semana, ele tinha conseguido passar sozinho.
Tinha ido ver o Curioso Caso de Benjamin Button no sábado, e ficou meio deprimido. Talvez se tivesse optado por Crepúsculo ou Madagascar 2 não tivesse essa horrível sensação entre sua boca e seu estômago. Talvez tivesse outro ataque de gastrite.
Dai pegou o seu Renaut, preto, ar-condicionado, direção hidráulica, ano 2006 e dirigiu até próximo da estação de ônibus onde deixou o seu carro e foi andando até seu mediocre emprego ali perto. Ganhava razoavelmente bem, mas não se desgastava para ganhar mais.
"O que está bom, está bom" - retribuiu a ascensorista a mesma piada tola
de todos os dias, às nove horas da manhã.
Sim. Ele sabia que perdera o jeito com as mulheres, mas ainda haveria esperanças.
*
Ela acordou atrasada, mas não era disso. Era muito rigorosa com os horários, mas um certo homem em especial fez com que ela se atrasasse alguns minutos, como sempre.
"Nossa, você tá muito gostosa!" - disse o homem com uma toalha enrolada na cintura enquanto cuspia uma quantidade considerável de pasta de dente na pia - "Faria mais sexo com você se não estivesse tão atrasada".
"Muito... muito atrasada" - ela retorquiu arrumando seu lenço no pescoço - "Que tal estou?".
"Impecável, como toda aeromoça deve estar".
"Então, vamos voar, capitão?" - disse dando um tapa na bunda dele - "Ai, você tem o bumbum mais lindo que eu já vi" - retribuiu abraçando-o por trás.
"Não exagere. E não é bom acordar o meu amiguinho aqui" - ele retirou sua toalha rapidamente - "Temos tempo para dar umazinha?".
"Não senhor, o próximo vôo para Nova Délhi sai em duas horas, temos que ir".
"Maldito emprego!" - falou voltando a se recompor - "Pode ir descendo, te encontro na sala em dois minutos".
"Certo".
*
Sabe, como não era de receber ligações não recebeu reclamações do seu chefe quando seu celular tocou a exatas 10h45 daquela manhã.
"Pai?".
"Hyoga?".
"Porque você tem essa merda se nunca deixa ligado?".
"Ah... esqueci. Fale. Você está bem? Aconteceu alguma coisa?".
"Nada. Minha mãe que tá me obrigando a falar com você e... ai...Mãe! Essa doeu!".
"Calado! Fale com seu pai!".
"Fale você, que saco!".
"ALÔ...? Camus?".
"Oi, Natássia, fale!" - disse com o telefone segurado entre seu ombro e o rosto enquanto digitava rapidamente em seu computador um relatório de cotas e preços.
"Ah Camus, desculpe estar te incomodando. Será que você não podia passar aqui mais tarde para conversarmos sobre o Hyoga, sabe, seu filho tem dado um pouco de trabalho na escola e combinemos que você não está sendo um pai presente".
"Natássia, você sabe que eu sempre convido o Hyoga para passar um tempo comigo, ir acampar, viajar, almoçar, conversar...".
"Eu não quero vê-lo! É um puta de um velho chato e fresco!".
"HYOGA! CALE A BOCA" - disse Natássia ao perceber que o pai escutara - "Ele não falou sério, Camus".
"FALEI SIM! AINDA BEM QUE VOCÊ RESOLVEU FINALMENTE...".
"QUE HORAS TÁ BOM PRA VOCÊ, CAMUS?" - gritou na tentativa inútil de abaixar a voz do filho ao fundo.
"Hum... vou às 7h30 para o jantar?".
"Ótimo! Eu... vou esperá-lo então. Bom dia, Camus".
Então ele devolveu o telefone de volta sobre sua escrivania e ficou resolvendo seus relatórios, sem se abalar com as palavras do filho, das quais já se acostumara.
Almoçou em um restaurante perto dali. Trabalhou mais seis horas. Saiu do serviço e foi ver a ex-mulher.
"Pontual como sempre" - disse Natássia cumprimentando-o com um beijo no rosto.
"É! Hyoga está?".
"Ahn... não. Ele tinha um encontro com a namorada".
"Hyoga tem uma namorada?" - perguntou entregando seu casaco a ela para que pendurasse em um cabidero antigo atrás da porta.
"Sim. Ele não te contou?" - ela emudeceu instantaneamente perdendo seu habitual ar de descontração. Era obvio que não sabia, ele não conseguia conversar direito com Hyoga a seis meses.
"Entre. Vai indo para a cozinha, eu achei que não precisava arrumar a sala de jantar para você, já que...".
Era praticamente da casa, era o que ia dizer. Afinal, Camus passou dez anos pagando uma casa financiada pelo banco, casa que não morava mais e perdera totalmente diante do advogado há 4 anos atrás quando houve seu divórcio.
"Sim. Fez bem em não se incomodar" - disse indo já para o lavabo, lavando as mãos e indo para a cozinha - "Acabei de sair do emprego".
"Oh sim, eu imaginei, como vai lá na firma?".
"Normal".
"É. Ah, eu fiz o purê de batatas que você gosta".
"Hum... faz tempo que não como um desses" - disse servindo-se da comida já disposta a mesa - "Gostei do que fez no cabelo".
"Obrigada. Não está um pouco curto demais?".
"Não... imagine, ficou lindo em você. Você sempre foi linda!".
Ela engasgou um pouco com a comida, mas logo voltou a se recompor.
"Sabe, queria falar sobre Hyoga".
"Ele está arrumando confusão".
"Anda com más companhias, vive junto com uns meninos encrenqueiros do intercâmbio, eu não sei mais o que fazer".
"Eu posso falar com ele, mas sabe que ele não vai me ouvir".
"Por isso mesmo... mas eu, também preciso falar outra coisa...".
A campainha tocou de súbito.
"Eu já venho. Não quer ir escolher um vinho para nós na adega?".
"Sim. Claro".
Ela voltou alguns instantes depois.
"Quem era?".
"Han... ah...".
"Camus!".
"Milo!".
Eles se abraçaram como a muito não se viam.
"Quanto tempo, você emagreceu" - disse o estrangeiro que tinha um leve sotaque.
"Um pouco" - ele sorriu forçado - "Eu já ia perguntar para Natássia sobre você".
"Então, ela já te entregou o convite?".
Camus fez que não com a cabeça e Milo virou-se brincalhão.
"Natássia, já contou pra ele tudo?".
"Ah, Camus, nós vamos nos casar em duas semanas, resolvemos antecipar a cerimônia" - ela disse sem graça pegando mais um prato no armário de cozinha.
"É mesmo? E pra que a pressa?" - perguntou e completou mentalmente... afinal, você já transa com a minha mulher e joga basquete com meu filho.
"Camus, era sobre isso que eu queria falar..." - disse Natássia.
"Bem, eu só passei aqui para dar boa noite, eu já estou saindo... não se incomode, querida" - deu um tapa no braço de Camus - "Te espero na cerimônia".
"Estarei lá".
Milo saiu sozinho, apenas acenando para Natássia que se desvencilhou sem graça quando ele tentou se despedir com um beijo.
"Camus, han... eu... você sabe que o Milo trabalha muito viajando e... ele recebeu uma promoção e uma proposta economicamente irrecusável".
"É mesmo? Isso é ótimo".
"Hum... e eu e ele estamos nos mudando para Paris".
Camus largou o macarrão em seu prato e nada, nem a presença de Milo tinha lhe perturbado tanto quanto aquela noticia.
"Quer dizer você, Milo e o Hyoga!".
"Camus...".
"Porque você tem que se mudar com ele? É livre, independente, não precisa segui-lo".
"Eu não quero levar com Milo uma vida quebrada".
"Oh... desculpe, realmente, você tem o direito de levar a vida que quiser" - falou com escárnio.
"Eu tenho direito de reconstruir minha vida" - ergueu um pouco o tom de voz alterada.
"É claro, depois de ter acabado com a minha e levado mais da metade dos meus bens".
"Não se esqueça que não são para mim, são do Hyoga... e eu não pedi pensão para mim! Trabalho e me sustento, tudo o que você me paga vai para o Hyoga".
"Tem certeza que não retirou nada para o enxoval com o homem maravilha?".
"Milo me disse que talvez você custasse a entender...".
"E aquele covarde, porque não ficou aqui para dar a noticia com você?".
"Ele entende que NÓS somos os pais do Hyoga e que somos nós que temos que chegar a uma...".
"Não tem condição, eu não quero meu filho longe de mim...".
"Camus, ele já está longe de você! E a culpa é sua!".
"Minha? Oh desculpe, onde será que eu errei? Será que foi comparecendo a todas as reuniões de pais até hoje? Levá-lo a todas as vacinas? Pagar todos os aniversários e festas?".
"Está fazendo escândalo, Paris não é tão longe daqui! Hyoga vai poder te ver quando quiser".
"Nunca, é isso que quer dizer?".
"Camus, quero que fale com Hyoga então, já que não consegue marcar um lugar com ele, venha no casamento... é uma ótima oportunidade".
"Ótima oportunidade... francamente" - ele se levantou de brusco e voltou-se para ela - "E Hyoga, concorda com isso? Mudar a vida dele inteira por sua causa?".
"A vida dele inteira já mudou no momento que você cruzou aquele batente de mala e cuia!".
"VOCÊ QUIS SE SEPARAR!".
"PORQUE EU QUERIA UM MARIDO! UM PAI PARTICIPATIVO E NÃO UM ROBÔ!".
"VOCÊ SABIA COMO EU ERA QUANDO NOS CASAMOS, NATASSIA!" - disse correndo para a porta e pegando seu casaco.
"Camus! Camus! Espera!".
"Não tenho mais nada para falar com você!" - disse já virando a chave na porta.
Ela segurou a porta com sua mão e virou-se para ele.
"Eu amava você!".
"Então, porque está se casando com meu amigo?".
"Eu esperei tanto você mudar, tanto..." - ela disse com lágrimas -"E você, Camus, não mudou. Continuou a ser como era, mas você tem razão... eu... me enganei. Não você".
Ele parou de tentar sair e colocou a cabeça no batente tentando respirar e relaxar.
Como viu que ela continuava chorando entregou um lenço para ela.
"Tá! Tá! Desculpe, eu não queria gritar... eu vou conversar com Hyoga, está bem?".
Ela soluçou algumas vezes e depois disse:
"Obrigada".
"Pode avisá-lo que eu vou pegá-lo na escola para almoçarmos juntos?".
"Sim! Eu acho que é uma boa idéia".
"Certo. Eu vou indo agora".
"Você não terminou suas batatas...".
"Quem sabe numa outra oportunidade?".
"Tá! Boa noite, Camus".
"Boa noite".
