Disclaimer: I do not own Relic Hunter – Relic Hunter e seus personagens não me pertencem.
Sumário: Recém-casado, Nigel Bailey vai passar a lua de mel na ilha havaiana da qual sua esposa é dona. Ele logo descobre que, na verdade, Sydney procura vingança e fará isso lhe negando o amor que prometera, mantendo-o refém de um casamento de aparências.
Classificação e Gênero: T; Festival Harlequin - Casa de Ideas LJ; Relic Hunter, The Devil Drives; AU, FUSION; Sydgel; romance, angst; #marriage of convenience, #blackmail
Advertências: menção a ataque de pânico e estresse pós-traumático
N.A.: Esta fic foi publicada pela primeira vez em fev/2015. Esta é a segunda edição. Não modifiquei nada, só corrigi o que consegui encontrar. Fanart e mais informações no meu LiveJournal ;)
Livro Harlequin escolhido: Noite de núpcias "The devil drives", by Jane Arbor
"Ao chegar à ensolarada ilha de Erikona, na Grécia, Ulla se sentia a mais feliz das mulheres. Tinha acabado de se casar com Zante Diomed, o dono da ilha, e o amava apaixonadamente. Ali, sob aquele céu límpido e estrelado, ia passar sua noite de núpcias. Então, no momento de consumar seu amor, foi brutalmente rejeitada pelo marido. Era mentira que Zante a amava. Aquele casamento era apenas uma vingança, pois Zante achava que Ulla era a culpada pela morte de um primo dele. E, como castigo, ela ia ter de passar o resto da vida naquela ilha, mendigando um amor que ele jamais lhe daria…"
Inocência (T)
Parte 1
"Veja, Nige, aquela é Lanai. Nossa casa."
O inglês olhou pela janela a ilha da qual o avião se aproximava e ficou maravilhado. "Você é dona de tudo isso?"
Ela balançou a cabeça, sorrindo. "E você também." O sorriso dela era apaixonante, brilhava como o sol ameaçando cegar o britânico e, às vezes, terminava com um ar de mistério.
O que ela via nele? O homem se perguntava isso constantemente. Uma pessoa perfeita como ela seria atraída pelo que em alguém tão simplório como um inglês cheio de dívidas que mal acabara o mestrado?
Seu irmão bateria em seu ombro, nessas horas, dizendo que a probabilidade de alguém gostar da personalidade de Nigel não era nula, conforme o caçula gostava de se convencer. Que ele deveria abraçar a sorte que tivera de Sydney sequer reconhecer que ele existia – quem diria se casar com ele –, e que não havia tempo a desperdiçar com dúvidas, ela fizera sua escolha, duvidosa, mas ainda assim uma escolha; Preston seguiria caçoando e bagunçaria o cabelo do irmão, sorrindo com carinho.
E o primogênito estava certo. A aliança no dedo do Bailey mais novo era prova disso. Nigel sorriu de volta para Sydney e continuou observando a ilha onde passariam a lua de mel antes de se acomodarem definitivamente na outra propriedade que ela tinha em Boston.
O avião estava prestes a pousar, e Nigel segurou a mão da esposa sentada ao seu lado, ansioso e feliz por terem chegado à terra natal de sua amada, seu lar pelo próximo mês. Sydney retribuiu o aperto, e o peito do britânico encheu-se de ternura. Os dois não demonstravam intimidade ou faziam carícias em público – na verdade, nem mesmo sozinhos eles passaram muito dos beijos apaixonados. Sydney achava melhor aguardar ações mais calorosas para depois do casamento, e Nigel, embora não fosse muito experiente nesses assuntos, sabia que se deve respeitar o tempo de cada pessoa.
E eles teriam todo o tempo de suas vidas, estariam juntos sempre, não havia por que se apressar.
Eles eram os únicos passageiros e desceram para serem recebidos por um havaiano alto e forte, com uma saudação na língua local. Sydney fez as apresentações, explicando que aquele era seu homem de confiança na ilha, quem ajudava a cuidar de tudo quando ela não estava por perto. Os dois trocaram algumas frases e Nigel, que não sabia muito do Havaiano, limitou-se a seguir a esposa e o outro homem até o jipe no estacionamento do minúsculo aeroporto. A conversa estendeu-se por alguns minutos e o marido sentiu-se um tanto excluído, até que Sydney encerrou o assunto e esclareceu:
"Kaleo está preocupado, alguns moradores continuam contrários à implantação dos moinhos. Espero que os ânimos se acalmem quando seu irmão terminar a análise da expansão do sítio e comprove que não vai haver dano a nenhuma herança da ilha."
"Vamos esperar que sim," Nigel respondeu com um sorriso. Acalmou-se por ela ter traduzido a conversa e tentou mostrar simpatia com o havaiano, não queria ser visto como um inimigo no lugar onde passaria a viver. O motorista não deu muita importância para a tentativa de cortesia do noivo, mas mantinha a mesma postura de respeito que para com Sydney.
O caminho foi rápido, passando pelo pequeno centro até a estrada que levava para a casa dos Fox. A cidade era minúscula, mas as pessoas pareciam felizes, e a paisagem era espetacular. O carro estava com a capota arriada, e pessoas pelo caminho reconheciam Sydney e acenavam. Nigel observou a esposa com orgulho, e eles contornaram a colina, chegando à casa enorme e aconchegante escondida entre as árvores.
O inglês quase pensou que aquele fosse um dos resorts, mas a construção não era demasiadamente grande conforme revelou-se a fachada. Os jardins arborizados e as paredes claras sob a luz do sol havaiano deixaram o inglês mesmerizado. Sydney e Kaleo desceram do carro, o homem carregando duas das malas que o inglês trouxera, e Nigel caminhou devagar ao lado da esposa, parando diante da porta de entrada. Ele sorriu, soltando a mochila. Preparou para apanhar Sydney e carregá-la, entrariam com o pé direito na casa.
Só que Sydney passou pela porta e largou sua maleta, respirando aliviada. "Bem-vindo, Nige." Estendeu os braços. "Quero que se sinta em casa. Os empregados já foram avisados e estão à sua disposição. Logo o jantar será servido, então acho que vai querer descansar. Também estou exausta." Ela sorriu, radiante. Nigel escondeu o breve desapontamento e passou pelo hall. Sua esposa não se lembrava daquela tradição tola. Tudo bem. Ele ainda poderia fazer isso quando entrassem no quarto.
Eles seguiram Kaleo, que levava as malas maiores para a escada no lado oposto da linda sala de estar. O inglês seguiu pelos corredores claros, e todos chegaram à suíte. Uma mulher que Sydney apresentou como Nelani saía do quarto, e Nigel a cumprimentou sorrindo e fazendo sinal com a cabeça. Viu que Sydney entrara enquanto ele estava distraído, e chutou-se em pensamento. Como ele pôde perder a última chance de carregá-la? Entrou no cômodo após o breve momento de frustração.
O havaiano foi dispensado, e Sydney sentou-se na beirada da cama de casal gigantesca, carregando o olhar de seu marido. Ela começou a retirar as botas. "Preciso de um banho antes de descansar," disse.
Nigel caminhou até a janela e reparou que a vista do quarto era maravilhosa, dando para o vasto jardim obscurecido pela sombra nos fundos da casa. O quarto devia receber a luz do sol durante as manhãs, e o homem viu-se acordando ao lado da mulher que amava naquela casa todos os dias, os raios do amanhecer atravessando as cortinas e clareando o rosto tranquilo de Sydney.
Ele interrompeu sua fantasia para observar a mulher sentada sobre os lençóis. Ela levantou e retirou a blusa, caminhou abrindo a calça e já começava a retirá-la antes de entrar no banheiro da suíte. Nigel observou a cena em choque. Ela estava se despindo na sua frente, insistira em irem para o quarto assim que chegaram e agora se despia diante dele. O coração do marido disparou. Talvez ela quisesse que ele a seguisse até o banho. Seguisse a trilha de roupas dispostas como migalhas até a porta entreaberta…
Sydney fechou o banheiro, e Nigel escutou o trinque sendo acionado. Logo, o chuveiro.
O homem jogou-se de bruços na cama. Tentou se acalmar. Ela estava cansada, só fora tomar um banho. Ele lera significados demais em coisas comuns. Aquela era a casa dela – a casa dos dois! –, não havia por que terem vergonha um do outro, embora nunca tenham ficado juntos de forma tão íntima… Ela era tão linda.
Nigel abraçou um dos travesseiros, arrancou os calçados e aconchegou-se sobre o leito firme e agradável. Aquele era o quarto deles. Seu quarto com Sydney. Se não estivesse tão cansado, ele pularia no colchão de alegria.
-X-
Alguém balançou seu ombro com delicadeza. Nigel abriu os olhos e inspirou. Piscou algumas vezes. "Eu dormi?"
Sydney sacudiu a cabeça. "Sim." Sorriu. "O jantar está pronto."
Ele percebeu que estava deitado abraçando o travesseiro, ainda com as roupas da viagem. Levantou esfregando o rosto e foi para o banheiro, conferiu não intencionalmente que o outro lado da cama não estava desarrumado – pelo contrário, permanecia imaculado, como antes de ele ter deitado.
Havia se esquecido de carregá-la para o quarto, dormira sem lhe dar atenção quando ela fora para o banho e agora já estava escuro e os dois mal conversaram desde a chegada. Que péssimo marido. Vai ter que se esforçar mais! – ralhou com o reflexo no espelho. Saiu dali e não viu a esposa no quarto, seu sorriso diminuiu um pouco.
Ele alinhou os ombros e saiu. Desceu as escadas e encontrou a mesa posta na sala de jantar. Sydney já aguardava em um dos dois lugares preparados em lados opostos.
O jantar foi agradável, os dois conversaram sobre a ilha e os lugares bons para visitarem, e em como ela já havia pensado melhor e em vez de reservar um quarto para Preston no hotel, seria melhor que ele ficasse na casa, num dos quartos de hóspedes. O outro Bailey viria no dia seguinte, pois o assunto que aproximara Sydney dos dois irmãos, em primeiro lugar, fora o projeto de expansão do sítio arqueológico na área. A havaiana estava disposta a financiar os trabalhos na sua ilha para seguir, no futuro, com a instalação de moinhos de vento que ajudariam Lanai com a venda de energia até mesmo para Oahu. O mais velho estava ansioso para começar a trabalhar, contudo, negara-se a partir junto com o casal, dizendo que esperaria ao menos mais um dia para eles terem a noite de núpcias com privacidade, ele também dissera que ficaria hospedado num dos hotéis durante as escavações para não atrapalhar a lua de mel.
Nigel pensou que ela preferiria a privacidade assim como ele, ao menos nos primeiros dias de casados. Mas o inglês jamais negaria seu irmão, e a mulher parecia preocupada e interessada no trabalho que o Bailey mais velho faria nos próximos dias. Ela e o cunhado conversariam com mais facilidade se Preston ficasse na casa.
Depois de comerem a sobremesa e beberem um drinque local que Sydney preparou no bar ao lado da escada, a mansão ficou quieta. Os empregados já tinham ido embora, e apenas os dois restavam na casa. A mulher terminou sua dose e permaneceu sentada numa das poltronas da varanda aberta para a claridade da lua. Nigel observou o céu límpido e estrelado um instante, aproveitando a sensação da companhia dela. Então viu a expressão séria e pensativa da esposa.
"Está tudo bem?"
Sydney virou o rosto para ele, com o breu no olhar. No mesmo segundo, ela sorriu daquela forma misteriosa. "Acho que está na hora de irmos dormir."
Nigel engoliu em seco e meneou a cabeça, concordando. Ela levantou, e os dois subiram as escadas, o homem mal sentindo os pés, como se flutuasse. O britânico imaginou se seria muito bobo de sua parte insistir em levá-la no colo para o quarto, desta vez; mas ele não teve oportunidade de fazer a proposta, pois a esposa entrou no aposento sem esperar que ele a alcançasse.
"Você já sabe onde é o banheiro. O espaço no closet é seu, naquele armário ficam as toalhas e lençóis. Se precisar de alguma coisa, sinta-se livre para pedir a mim ou a um dos empregados, ou providencie você mesmo. Como eu disse antes, sinta-se em casa. Estarei do outro lado do corredor. Boa noite."
Sydney passou pelo homem, deixando o aposento, e entrou no quarto que mencionara.
Nigel levou vários segundos para assimilar a informação. Ela ficaria no outro quarto. E declarara aquilo com a voz fria, a expressão tão diferente do que ele estava acostumado, tão séria, fechada. O inglês olhou para os lados, indeciso, confuso. Viu a porta do aposento dela entreaberta. Foi o que a esposa quisera dizer, que ele ficaria neste cômodo, e ela no outro?…
O homem debateu consigo, sem conseguir entender alguma diferença cultural, ou algum comportamento seu inadequado que a estivesse motivando; e a necessidade por respostas o levou a bater de leve no aposento do lado oposto do corredor.
Sydney estava sentada diante de uma penteadeira, muito parecida com a da outra suíte. Esse quarto era menor, e a cama era de solteiro. Havia prateleiras com livros e retratos de família por todos os cantos. Ela já estava sem os calçados e penteava o cabelo. Observou o homem através do espelho, com a mesma frieza de quando lhe dera boa-noite.
"Eu… fiz algo de errado," ele começou, atento às reações dela. O leve arquear de uma sobrancelha mostrava que não estava impressionada com a descoberta dele. Nigel limpou a garganta, entrelaçando os dedos inquietos, nervoso por ter que fazer a próxima pergunta. "Eu… não sei o que foi?" Ele se aproximou um passo, tentando completar sem perder tempo. "Me desculpe? Foi sem intenção, eu não sei o que pode ter sido, mas se você me disser eu garanto que não farei de novo! A viagem foi tão longa, e eu- eu peguei no sono sem perceber, e depois você teve que me acordar, e eu sei que não te dei atenção suficiente desde que chegamos, mas pensei que estivesse tudo bem e…" Ele tomou fôlego, percebendo que falava muito rápido. Cobriu o rosto com uma das mãos, exalando o ar. "O começo do nosso casamento está sendo um desastre, e a culpa é minha."
"O casamento está perfeito." O homem afastou os dedos, vendo no rosto dela a mesma tranquilidade que a voz transmitira. "Está tudo perfeito." Ela abandonou a escova de cabelos e virou-se sobre o banquinho, ficando de frente para ele. "Embora eu tenha encontrado alguns contratempos. Você não é uma pessoa que se casaria por dinheiro, Nigel Bailey. Precisou se apaixonar por mim para que eu te trouxesse até aqui. E foi bom."
Ele a observava sem pestanejar. Era sua esposa ali dizendo tudo aquilo, mas não parecia. Sydney não tinha essa voz tão severa, esse olhar tão odioso. A mulher ficou de pé e sorriu, Nigel observou os lábios que lhe ofuscavam brilharem também desta vez, porém com desprezo. Ela continuou, dando alguns passos até ele:
"Na verdade, foi melhor do que eu esperava." A morena o rodeou, devagar, como uma predadora. "Afinal, o seu amor por mim e não pelo meu dinheiro será ainda mais útil. Destruirei você, Nigel Bailey. Ficará nesta ilha e sofrerá pelo que fez. Você nunca mais andará por aí sem um pingo de preocupação ou de remorso!" Ela parou diante dele, encarando o fundo de seus olhos. "Eu me casei com você pra me vingar."
O homem quase não conseguiu mover os lábios. "O que…"
A mulher voltou para o banquinho e sentou-se novamente. "A princípio pensei que fosse exagero meu, mas depois de estudar melhor o inquérito, percebi que você foi o responsável pelo que aconteceu e saiu livre enquanto minha prima foi declarada morta e continua desaparecida."
"Do que está falando?" ele questionou em voz baixa, chocado pelas acusações e pela mudança na esposa.
"Claudia Petruski. Foi uma das alunas durante a escavação de seu irmão há um ano. A irmã dela chora todos os dias por não saber onde ela está."
"Claudia…" Nigel se lembrava dela. Uma loirinha sorridente e animada. Não tinha interesse por arqueologia, ficava falando de Harrison Ford e flertando com os estudiosos da equipe.
"Você a acusou e depois usou o desaparecimento dela para ocultar o seu roubo de obras de arte," ela explicou.
"Isso é absurdo. Claudia foi apanhada tentando retirar os artefatos da escavação, eu fui só uma testemunha. Não tive nada a ver com os roubos."
"Foi o que você disse no depoimento que a crucificou. Mas não encontraram todas as peças, e ela desapareceu deixando para trás o carro destruído."
"Isso foi em Londres. Eu ainda estava no Egito. E não fui a única testemunha naquela noite."
"Você a usou, Nigel Bailey. Ela falou de você antes de tudo acontecer. Disse do seu relacionamento."
Ele se ofendeu ainda mais. "Eu nunca tive nada com ela!"
"Se eu e Karen denunciarmos você, será um escândalo. Pode ser preso pela morte e o desaparecimento do corpo dela."
As pernas dele falsearam. "Mas eu… mal a conhecia… Eu não…" Seus olhos tremeram, sem foco. "Espere… Como assim? Quem é Karen?"
"É a irmã dela. As duas conversavam frequentemente."
Ele balançou a cabeça, reencontrando sua determinação. "Não podia ser de mim que ela falou. Nós quase nunca conversamos. Eu só a vi na escavação e…"
"E durante a falsa acusação de roubo," a havaiana completou.
"A acusação não foi falsa. Ela tentou roubar as peças. Outras pessoas também viram, só o que eu fiz foi testemunhar quando fui chamado."
"Nigel Bailey, o irmão mais novo do professor Preston. Desajeitado, porém uma gracinha." Ele juntou as sobrancelhas para a afirmação dela. Sydney continuou: "Foi o que ela respondeu quando eu insisti em saber quem era a pessoa com quem ela estava envolvida."
O homem negou com força. "Eu não me envolvi com Claudia."
"Bem. É a sua palavra contra a dela. E não temos Claudia aqui para confirmar." Ele a fitou. "Onde ela está, Nigel? O que fez com a minha prima?"
O britânico negou, impaciente. "Isso é loucura. Eu não sei o que aconteceu com a sua prima. Não sei o que pretendia com tudo isso, mas eu não vou fazer parte dessa- desse absurdo!"
"Você não é movido por dinheiro, embora tenha dívidas. Ainda não sei por que envolveu Claudia nisso tudo, e nem me importa. Só o que eu quero é saber o que aconteceu com ela para que a família tenha paz."
Nigel respirou, tentando organizar as ideias. Passou uma das mãos pelos cabelos. "Ninguém sabe o que aconteceu com ela. Ela voltou para Londres por causa do processo. E desapareceu. O carro batido estava irreconhecível. Eu estava no Egito quando isso aconteceu. E não, eu não me envolvi com ela. Claudia conversava mais com os outros catedráticos, os estudantes ou a escavação não eram exatamente o seu foco durante a expedição. Não sei por que ela me mencionou…" Ele parou de falar por um momento. Encarou a mulher. "Houve uma investigação do desaparecimento antes de ela ser declarada morta. Fomos todos investigados. Nunca ouvi falar de Karen ou desse relacionamento com Claudia. Por que não denunciaram o que sabiam, se Claudia estava me acusando?"
"A polícia não nos deu ouvidos."
"Então a polícia já sabe dessas acusações ridículas e desmentiu o meu envolvimento." O ânimo retornava ao inglês.
"Não interessa o que a polícia disse. Eles não foram capazes sequer de encontrarem Claudia. Você vai me dizer o que fez com ela, ou faremos um escândalo e você e seu irmão jamais colocarão os pés em outro museu ou faculdade!"
Nigel apertou os olhos. "Eu não entendo… Você se casou comigo por causa disso? Pois acredita que eu sou um criminoso?"
"Você não vai escapar de mim enquanto não encontrarmos Claudia. É meu marido, agora. Vai viver comigo pelo tempo que eu decidir."
Ele quase riu do absurdo. "Eu posso anular este casamento, fui enganado!"
"Se fizer isso, a vida do seu irmão como arqueólogo estará acabada. Seu futuro também, Professor Bailey."
"Oh! Fraude, calúnia, sequestro, ameaças. E eu que sou o criminoso?" Nigel cruzou os braços. "Não sei o que houve com sua prima, e realmente sinto muito, mas eu estou indo embora agora." Virou as costas.
"Suas dívidas são hospitalares. Quantos remédios Preston toma, por dia?" A mulher perguntou, abrindo a porta do closet. Os passos dele cessaram. "Talvez o clima úmido e tranquilo da ilha o ajude. Será bom se ele não tiver emoções fortes como, por exemplo, o fiasco que foi o casamento do irmão ao ser desmascarado pela esposa, as denúncias que o impedirão de ser levado a sério na comunidade acadêmica. A destruição total de sua carreira por culpa dos crimes do irmão caçula."
"Eu não cometi nenhum crime!" Nigel não queria virar para trás. Não queria encarar a criatura que personificara Sydney, sua amada esposa, e ameaçava destruir sua vida e a de seu irmão com mentiras. Mas ele olhou para ela, e a havaiana já havia retirado a roupa de antes e vestia uma camisola. Era ela quem tinha os braços cruzados de maneira presunçosa, desta vez.
"Você é o meu marido. Vai ficar comigo e vai mostrar para todos como é feliz. E vai me dizer, cedo ou tarde, o que aconteceu com Claudia. Quanto mais cedo, antes se livrará de mim. Até lá, fará o que eu disser se não quiser destruir o seu irmão, literalmente." Ela caminhou até a cama e levantou as cobertas. Embrenhou-se ali, apanhou os óculos e o livro que repousavam sobre o criado-mudo. "Apague a luz e feche a porta quando sair," pediu, sem mais levantar os olhos do livro, que começou a folhear.
O homem continuou ali, sem nada dizer. A voz lhe sumira. Estupefato com a magnitude daquela ameaça, com a transformação daquela pessoa, sentiu a moleza em seus braços e cambaleou para o outro quarto, fechando a porta dela, como a mulher exigira – mais por choque que por obediência.
Ele se viu sentado sobre a beirada da cama de casal, repassando a conversa que tivera e que ainda não compreendia ou aceitava totalmente. Antes que percebesse já era madrugada e caíra num sono revolto, cheio de pesadelos.
-X-
O som irritante de um despertador arrancou Nigel de seus delírios. Ele dormira mal, seu corpo continuava dolorido e os olhos ardiam enquanto ele buscava a fonte do barulho sobre o criado-mudo. Levou três segundos para reconhecer que estava na casa da esposa, em Lanai, e então todas as lembranças da noite de núpcias ressurgiram ao mesmo tempo.
Eram oito horas da manhã. O sol clareava delicadamente o quarto, e a imaginação do homem comparou a Sydney que lhe acusara e fizera ameaças na noite passada com a Sydney com a qual se casara. A esposa que ele esperava que acordasse ao seu lado todos os dias, a pessoa carinhosa e generosa, com a qual acreditara ter tantos interesses em comum.
Fora mentira. Mais uma vez. Primeiro com Amanda, que o abandonara pelos charmes do irmão mais velho. Depois, Juliet, que pretendia apenas impulsionar a carreira e nunca mais ligara depois que ele a indicara para uma das expedições do irmão. Agora, Sydney.
Ele não esperava por isso. Desde o começo ela parecia interessada no trabalho de seu irmão – e Preston merecia mesmo ser reconhecido, era um ótimo profissional, um renomado catedrático e pesquisador –, mas as intenções de Sydney com Nigel sempre foram algo à parte. Ela não precisava dele para alcançar Preston, só restava seu interesse pessoal para justificar as incríveis e longas conversas que ela e Nigel tiveram, os escassos, porém perfeitos, beijos que compartilharam durante o namoro e noivado de quatro meses.
Ela o enganara por quatro meses. O que parecera rápido, agora se tornava tempo demais.
Durante o banho que tomou de maneira automática, Nigel tentou identificar os momentos que lhe escaparam onde ela revelava suas intenções vingativas, mas não conseguia identificar nenhum deles. A não ser o sorriso, que às vezes tinha aquele ar de mistério quando chegava ao fim.
O inglês vestiu uma camisa polo de mangas curtas e uma calça cargo e saiu do quarto. A porta de Sydney estava aberta e não havia ninguém no outro aposento. Ela levantara cedo. O homem desceu e encontrou Nelani aguardando por ele na base da escada.
"Aloha kakahiaka, senhor Bailey. O café já está servido."
Ele espiou para a sala de jantar e viu novamente a mesa posta. "Mahalo."
A mulher deu-lhe as costas e seguiu de volta para a cozinha. Nigel passou pela mesa e foi para a varanda que estava aberta recebendo a manhã claríssima e ensolarada. Sydney atravessou o portão de entrada naquele momento. Ela terminara a corrida matinal, pela roupa e pelo suor. Caminhou até ele, sorrindo.
"Bom dia, Nige." Ele apenas a observou, sem responder. Ela entrou na casa e roubou um pedaço de manga da mesa. "Tomo banho em cinco minutos, me espera pro café?" Seu tom amável e animado. Ele balançou a cabeça concordando, e ela correu escada acima.
O britânico considerou se imaginara a conversa que tiveram na noite passada, mas chegou à conclusão de que ainda não estava louco o suficiente para criar todo o absurdo daquelas acusações. Ela estava equivocada, algo muito errado lhe dera a ideia que o jovem Bailey envolvera-se com a suposta morte e o desaparecimento de Claudia. Passado o choque, em uma conversa calma e civilizada, ele tinha certeza que os dois se entenderiam e ela abandonaria a teoria ridícula de que ele era um ladrão assassino.
Sydney demorou exatamente o tempo que dissera e sentou-se à mesa do lado de Nigel, servindo-se de uma xícara generosa de café. Ele achou melhor não perderem tempo.
"Sobre o que você disse ontem, eu…"
Ela pôs o dedo sobre os lábios, pedindo segredo. "Só eu e você sabemos disso." Lançou um olhar na direção da cozinha.
Ele assentiu. "Preciso saber de uma coisa." Ela o observou, oferecendo toda a atenção. Ele umedeceu os lábios, pensando em como começar. "Foi tudo… mentira?" Procurou nos olhos dela algo que indicasse que eles estariam bem, não fosse o absurdo mal-entendido sobre a prima. Nigel sentia-se tolo por no fundo ainda ter essa esperança, mas não podia negar o que sentia por Sydney. Ele se casara com ela, fora sincero quando dissera que pretendia amá-la e acompanhá-la pelo resto de sua vida.
"Já disse por que nos casamos. Não tenha dúvidas."
O tom dela foi neutro.
Nigel sentiu o peito apertar. Juntou os lábios e dirigiu o olhar para as frutas e pratos à mesa. Controlou a respiração, tentando demonstrar calma, tentando parecer bem enquanto sentia a dor de algo rasgando seu interior. Ele evitou olhar o rosto dela, pois não queria que a mulher visse em sua expressão o desespero que lhe restringia o ar.
"Seu irmão chegará às dezesseis horas. Lana vai preparar um quarto pra ele."
Nigel enfiou uma fruta qualquer na boca, ainda tentando recompor-se.
"Ele ficará feliz quando vir que você está feliz," ela falou. O inglês a fitou, finalmente. "A não ser que você tenha algo a dizer, algo que cumpra o nosso acordo de ontem."
"Não concordei com nada. Acho que devemos conversar melhor sobre isso. Acho que… juntos, poderemos resolver."
Sydney bebeu mais um gole, então apanhou um pãozinho. "Depois do café," prometeu ao pensar um instante.
Nigel respirou profundamente, sentindo os ombros se erguerem. Ele não percebera como estava abatido até sentir essa onda de ânimo com a possibilidade de esclarecerem o mal-entendido.
-X-
O que deveria ser a grande conversa depois do café da manhã tornou-se um longo passeio por toda a extensão da ilha. O que Sydney também não revelara era que seus padrinhos moravam naquela mesma casa. Os dois passaram a noite anterior em um dos resorts para darem privacidade aos recém-casados, e invadiram a sala no exato momento que Nigel engolia o último pedaço de mamão. Ele quase engasgou com o susto.
Uma mulher loira, que se apresentou como Christine Newell, gritou "bom-dia" da entrada da sala, seguida pelo marido, Alistair. Ela usava um enorme colar lei e um vestido esvoaçante, e o homem vestia uma camisa com estampa havaiana mais colorida que as frutas sobre a mesa. Era como se fossem turistas, mas eles supostamente viviam ali.
Nigel ainda se recuperava quando foi preso em um abraço apertadíssimo. "Bem vindo à família, meu querido!" Christine falou antes de soltá-lo, o que aconteceu em um breve momento e já era Sydney que estava nos braços da madrinha. "Argh! Como foi se casar longe de mim?" ela ralhou sem qualquer indício de rancor. "Oh, teremos que celebrar!" Beijou o rosto da afilhada várias vezes. "Um lindo casamento havaiano no pôr do sol, seguido de luau!"
Alistair apertou a mão de Nigel dando-lhe os parabéns, e depois abraçou Sydney também. Ele parecia satisfeito, embora fosse menos agitado que a esposa Christine. Os quatro embarcaram no mesmo jipe do dia anterior e começaram a excursão antes que o inglês compreendesse o que estava acontecendo.
"Ainda acho que vocês deviam ficar em um dos resorts, ao menos na primeira semana," Christine comentou enquanto o marido dirigia. Ela estava no banco do carona, e Nigel no de trás, ao lado de Sydney. "Você é mesmo uma graça," – ela disse, esticando o braço e segurando o queixo do inglês. "Syd sempre teve bom gosto, embora eu tenha me preocupado algumas vezes."
"Chris!" A morena reclamou, olhando para a madrinha e depois para o outro lado.
"Mas é verdade." Ela soltou o inglês. "Como se chamava aquele?… E aquele outro… E também o Derek da faculdade." Ela voltou o assunto para Nigel: "Ainda bem que ela tinha juízo, ou eu estaria careca igual ao Alistair." Nigel sorriu e escutou também a risada do homem ao volante. "Se ela e Claudia tivessem estudado ao mesmo tempo eu não sei o que seria de mim." Balançou a cabeça, então tristeza apareceu em seu rosto. Todos ficaram quietos no carro.
Eles visitaram os pontos marcantes da cidade, o sítio arqueológico, contornaram a ilha costeando as praias e visitaram os pontos mais desertos, onde ela pretendia instalar os moinhos de vento depois que Preston desse seu aval. Nesse ponto, Nigel pensou que ela não devia realmente precisar da avaliação do seu irmão, pois outros profissionais poderiam fazer o mesmo, mas ela se aproximara dele, especificamente. Foi por causa de Claudia. Ele se sentiu irritado por seu irmão ser usado também. Nenhum dos dois tinha qualquer culpa pelo que a prima de Sydney sofrera, e ambos estavam sendo manipulados por causa daquilo.
Ou não. Sydney concordara em conversarem, ela parecia estar de boa-vontade, e ela poderia ter feito algo diferente em vez de se casar com um suposto criminoso. Se ela estivesse certa da culpa de Nigel, teria lhe destruído antes. Ela tinha dinheiro e poder, não se dedicaria tanto a uma pessoa que desprezasse, certo? Então, era lógico pensar que, no fundo, ela também tinha esperanças que o marido não tivesse culpa.
Nigel sentiu de volta o ânimo, e os quatro voltaram para a cidade e resolveram almoçar no hotel.
Foi quando ele conheceu Karen.
A loira era a gerente do hotel da ilha, cargo que herdara dos pais assim como a responsabilidade pelos irmãos mais novos: Jake, de treze anos, e Claudia. Assim que Sydney apresentou os dois, Nigel esperou pelos gritos, pelo ódio, por todos os xingamentos pela irmã desaparecida.
Mas nada disso aconteceu. Karen foi educada e parecia sincera tentando agradar os amigos e o novo membro da família Fox. Ele ficou com receio de ser secretamente envenenado com a comida, só que ainda estava vivo ao final da refeição, então ficou mais confuso ainda.
Quando os quatro retornaram à casa, Christine deu várias indiretas sobre como ficaria o restante do dia no quarto, fora do caminho dos dois "pombinhos", e Nigel entrou na suíte seguido por Sydney para sua conversa depois que os padrinhos dela se retiraram.
"Você disse que Karen me odiava."
Ela balançou a cabeça, apanhou uma das fotos da cômoda e a levou para a penteadeira. Nigel percebeu que eram as fotos que vira no outro quarto. Em vez de comentar, ele aguardou a resposta dela.
"Eu disse que ela chora por não saber o que aconteceu com Claudia. E que Claudia disse a ela sobre o relacionamento."
Nigel enrugou o cenho, confuso. Karen devia saber quem ele era, devia odiá-lo se estava tão equivocada quanto a morena. Sydney suspirou e sentou-se na beirada da cama, cruzando as pernas.
"No começo daquela expedição, Claudia ficou distante. Eu insisti, e ela mencionou o seu nome. Karen deve ter esquecido, pois no decorrer disso Claudia mencionou outras pessoas também."
O inglês apertou os punhos e teve que se conter. "Sabe o que isso tudo parece? Que você juntou informações aleatórias pra me culpar. Vocês não tinham ideia do que Claudia estava fazendo e estão me usando como bode expiatório!"
"Eu fui até a Inglaterra, eu fiz perguntas, liguei os fatos. Tudo leva a você."
Ele se agitou, frustrado. "Então por que eu não estou preso? Por que a polícia descartou o meu nome das investigações?"
"Porque, aparentemente, o fato de que ela teve mais do que dois namorados num período de três meses é justificativa para se descartar a importância do desaparecimento dela. Como se ela tivesse pedido pra ser atacada. Como se a culpa fosse dela por alguém se aproveitar e arrancá-la de nós."
"Está dizendo que o caso de Claudia foi negligenciado. Isso é sério. Pode fazer com que reabram a investigação."
Sydney elevou as sobrancelhas. "E você não está com medo disso?"
"É claro que não! Não fiz nada de errado!"
"Ou tem certeza que não vai ser indiciado. Não. Foi por isso que decidi fazer tudo eu mesma em vez de sair gritando aos quatro ventos. Minha prioridade é encontrar Claudia. Eu te manterei ao meu lado enquanto isso, pagando pelo que fez, já que a polícia é inútil e incompetente."
Ele exalou o ar. "Você tem que entender que eu não fiz nada."
"Isso só vai acontecer se me der uma prova irrefutável desmentindo tudo o que ela disse e eu vi. Ela mandou fotos suas por email, Nigel."
Aquilo, sim, era uma surpresa. "Eu quero ver."
Sydney apertou a raiz do nariz. Ela agia como se já estivesse cansada de explicar a mesma coisa. Ele também estava cansado de se justificar. Então, paciência. Ela foi até a mesa no outro canto do quarto e apanhou o computador portátil, que Nigel reparou também não estar ali antes. O quarto parecia mais cheio, mas ele afastou esse pensamento quando Sydney mostrou as fotografias, sentada sobre a cama.
Ele se acomodou do outro lado do colchão e observou a tela: "Vê? Essa foto existe com cada membro da equipe, ela fez isso quando encontrou um dos artefatos e fez todos nós posarmos, um de cada vez."
Sydney assentiu, então passou para a próxima, e Nigel arregalou os olhos. Eram ele e Claudia sentados lado a lado na mesa sob a maior tenda da escavação, eles conversavam animadamente, distraídos. Pareciam próximos.
"Essa foi uma das poucas vezes que eu falei com ela. Quem bateu essa foto?" ele questionou. A mulher não sabia, então passou para outras parecidas. Em algumas, Claudia olhava diretamente para a câmera e sorria. Em todas elas, num total de oito, Nigel aparecia junto, ou falando com a loira. Quem não estivesse lá, sabendo do contexto de cada uma, diria que os dois estavam mesmo envolvidos. "Isso não quer dizer nada. Eu não sabia das fotos, mas posso te explicar cada uma delas. Foram todas ao acaso. Se era por isso que você estava me culpando…"
Sydney o interrompeu. "A polícia também disse isso. Mas as fotos serviram apenas para que eu te reconhecesse. Foi nas conversas com Karen e comigo que Claudia falou de você, falou que estava apaixonada e que precisava te ajudar em algo. Depois disso ela foi acusada e desapareceu."
Ele fechou os olhos abaixando a cabeça e segurou a testa. "Eu não entendo por que ela falou de mim." Bufou, sentindo o ânimo abandoná-lo novamente. Virou o rosto para a esposa, que o observava. "Eu não tive nada com Claudia, Syd. Eu não sei por que ela usou o meu nome."
Os dois se entreolharam. Ele percebeu Sydney buscando a verdade em seus olhos, e sustentou sua procura até ela virar o rosto. Sentiu-se abandonado naquele momento, como se a esposa não estivesse disposta a acreditar em sua mais sincera súplica. Suas palavras foram incapazes de alcançá-la. A mulher fechou o computador e levou a máquina de volta para a mesinha. O perfil de seu rosto mostrava abatimento e tristeza.
Ela não o culpava por capricho, Nigel sabia que se tratava de uma familiar desaparecida. O britânico lembrou-se da perda de seus pais, do medo de não ter mais o seu irmão e compreendeu a busca dela. Sydney tinha motivos para acreditar no envolvimento dele no crime que levara Claudia. Talvez ele pudesse ajudá-la a encontrar o verdadeiro responsável, trazer-lhe a satisfação de que ela necessitava e com isso também provar que não fora ele a causar mal àquela família. Sydney merecia isso. Claudia também.
"A balsa com o seu irmão chega daqui duas horas. Virei te buscar pra irmos juntos ao porto, tenho uns assuntos a resolver com Kaleo antes disso," Sydney anunciou ao sair do quarto, negando-se a olhar para ele.
Nigel assentiu com a cabeça, apenas, e ficou sozinho.
-X-
Quando Preston desceu da balsa, estava mais branco que as nuvens do céu. Nigel correu para auxiliar o irmão com a bagagem de mão.
"Da próxima vez, vai ser de avião," o Bailey mais velho disse, agradecendo por estar a salvo em terra. Sydney ofereceu-lhe as boas vindas, e os três aguardavam as malas serem descarregadas quando um homem forte de olhos azuis e espertos e cabelos escuros se aproximou chamando pela havaiana.
"Derek? Não sabia que viria para a ilha," ela respondeu enquanto recebia o abraço. O homem não foi muito sutil ao estudar os dois ingleses de cima a baixo durante as apresentações, então apertou a mão de cada um de maneira firme e rápida. O senhor Lloyd, como a mulher explicara, era um amigo.
"Cavalheiros, se me dão licença, tenho assuntos a resolver," o homem explicou. Os irmãos concordaram, e ele ajeitou a sacola a tiracolo, virando-se para Sydney ao se afastar. "Tenho que falar com você mais tarde."
"O que ele faz?" Preston perguntou, vendo o outro caminhar com determinação para a saída do porto.
"A resposta é confidencial."
O Bailey mais velho sorriu, mas parou ao perceber que a havaiana não estava brincando.
Os três recolheram a bagagem, e Preston insistiu em ficar no hotel, mas acabou cedendo à vontade de Sydney. Nigel tentou não demonstrar o espanto quando ela guiou seu irmão para o quarto que era dela, de frente para a suíte. Observou com discrição as paredes e notou que os livros permaneciam, mas as fotos foram todas retiradas do cômodo. Ele reconhecera algumas no aposento maior, à tarde. Será que a mulher mudara-se mesmo para a suíte junto com ele?
O arqueólogo retornava à cor normal e resolveu reunir as informações sobre o terreno da ilha com a anfitriã na biblioteca que ficava ao lado da sala de jantar.
-X-
Nigel e Preston ficaram na biblioteca até o anoitecer. Quando os dois saíram e encontraram Sydney e Derek conversando em voz baixa na varanda, o inglês percebeu que a esposa se ausentara há horas. Preston espreguiçou-se fazendo um ruído que alertou o americano, que indicou à morena que não estavam mais sozinhos, e os dois vieram para dentro da casa.
Sydney sorriu para os dois irmãos, mas Nigel reparou que aquele gesto sequer se comparava ao que se acostumara a ver no rosto dela. Forçado demais. Não servia sequer como um daqueles que ele recebera na noite de núpcias. Qualquer que fosse o assunto, abalara a mulher antes de os dois irmãos chegarem.
Todos jantaram na casa, Derek insistiu em perguntar sobre a vida de Nigel antes do casamento. Preston deliciou-se contando algumas histórias de faculdade e de como adorara ter dado aula ao irmão no último semestre. A conversa foi habilmente mantida longe da expedição em que Claudia participara, e Sydney foi quem deu boa-noite ao convidado após a sobremesa, trocando mais algumas palavras em particular na porta da casa. Nigel observou os dois conversarem como conhecidos, como colegas de infância. O homem de olhos azuis sabia muitos detalhes sobre ela que Nigel admitia ter ciúme de não fazer parte, de não conhecer e poder conversar com a mesma tranquilidade, com o mesmo ar de nostalgia. Christine dissera antes, e confirmara no jantar que Derek e a morena se conheceram na faculdade.
Os dois amigos sorriram um para o outro antes de ele sair e ela fechar a porta, e o inglês que os observava da base da escada sentiu um aperto no coração. O outro conseguira o que ele tanto queria: ser o alvo da alegria dela.
"Amanhã tenho coisas pra resolver na cidade," ela disse passando pelo marido e subindo para o quarto. Ele a seguiu e confirmou suas suspeitas ao vê-la entrar na suíte. Preston já dormia pelo barulho dos roncos que escapava da porta do lado oposto do corredor. O homem entrou depois dela. "Talvez eu vá para Oahu na parte da tarde. Deixarei tudo preparado pro seu irmão começar o trabalho," ela disse do banheiro, e seguiu-se o som de água corrente e dela escovando os dentes.
Nigel bocejou retirando os calçados e buscou o pijama no closet. Quando Sydney saiu do banheiro, ele já estava vestido.
"O lado esquerdo é meu," ela declarou, abrindo a outra porta do closet e apanhando a camisola. Como o homem apenas a observou, ela continuou, passando a se vestir sem pudores. Ele virou o rosto para o outro lado, rápido. "Seu irmão e meus padrinhos estão na casa, seria difícil dormir em quartos separados sem que desconfiassem."
O britânico apenas balançou a cabeça e foi escovar os dentes. Quando voltou, ela já estava deitada, revendo documentos e um pequeno objeto. Apenas a claridade do abajur ao seu lado iluminava o quarto. Ele deitou-se com cuidado, esperando ser expulso a qualquer momento. Mas isso não aconteceu. O homem deu uma olhadela no colar que ela estudava, e a curiosidade pela relíquia que a caçadora buscava venceu seu acanhamento.
"Isso é um minotauro?" Apontou para o desenho esculpido no mármore alvo do pingente.
Sydney assentiu, admirando a imagem da criatura. "Recebi este colar de alguém da Grécia. Pode ser uma chave." Ela puxou um dos papéis para seu colo. Parecia um mapa com inscrições em grego. Nigel forçou a visão para enxergar.
O britânico traduziu com rapidez: "Este é o trabalho de um homem chamado Dédalo…" Encarou a esposa. "Está procurando pelo labirinto?"
"Se eu descobrir a entrada, talvez isto abra a porta." Ela indicou o colar. "Resta saber onde o labirinto foi construído."
Os dois observaram o mapa, intrigados. Nigel apontou para outra parte das inscrições: "Como na luz acima, na escuridão abaixo. Acha que isto pode ser uma marcação?"
A caçadora observou a imagem pequena e borrada ao lado da frase. Mexeu nos demais documentos e mostrou outro fragmento, com uma versão maior do mesmo desenho. Era o rosto do rei Minos.
"A inscrição e a imagem do rei. Talvez seja a entrada." Entusiasmo brilhou no rosto da mulher. "Tenho um colega na Grécia, se ele ajudar a localizar essas marcações, talvez encontremos o labirinto." Os dois sorriram. Os rostos estavam próximos, e ambos fitaram-se por um momento. Então a situação do casamento voltou à consciência do casal, e o sorriso deles desvaneceu.
Nigel voltou a ajeitar-se sob as cobertas. "Boa sorte com a caçada," falou, afastando-se mais da esposa.
"Obrigada pela ajuda," ela disse. O marido assentiu e acomodou-se ocupando o travesseiro.
Sydney apanhou o telefone e mandou as informações para o seu contato grego. Depois disso, permaneceu quieta, imersa na leitura dos demais documentos. Nigel adormeceu logo, cansado pelo desgaste emocional e por não dormir direito na noite anterior. O inglês manteve-se à beira de cair do enorme colchão, virado para o lado oposto a ela.
Assim foi a primeira noite dos dois juntos, dividindo a cama.
Sydney pôs os papéis de volta sobre o criado-mudo, e antes de apagar a luz, observou a silhueta imóvel do marido encolhida no ponto mais afastado. O comportamento dele era muito diferente do que Claudia dissera. Mesmo durante o namoro que antecedera o casamento, ele não manifestara muitas das características de conquistador indomável que a loirinha tagarelava vez e outra ao telefone. Ele era atraente e agradável, claro, mas não demonstrava o mesmo tipo de confiança que a prima mencionara…
Mas ainda era cedo, apenas o segundo dia desde que revelara suas intenções, ele mostraria sua verdadeira face cedo ou tarde.
-X-
Sydney estava envolvida na caçada. Ela tinha competidores na área e pretendia voltar o quanto antes. Nigel vira o brilho em seu rosto quando ela mencionara que sairia em expedição para o continente em busca da relíquia – o lendário labirinto do minotauro. Ele ficou impressionado com o efeito que a caçada tinha na esposa, e não era a primeira vez. Durante o namoro, ela também se ausentara por um par de dias em busca de outro artefato. Não havia outra coisa que a deixasse tão exultante e plena como seu trabalho.
Nigel admirava isso, admirava que ela tivesse tanto amor pelo que fazia. Ele também amava história e mal esperava para se sentir realizado assim quando começasse a dar aulas. Faltavam alguns meses até sua formatura, e com sorte ele trabalharia em Boston, ficariam sempre perto um do outro, ele e Sydney, talvez algum dia viajassem juntos em uma caçada…
Fora o que ele pensara antes de ela revelar que na verdade não o suportava e casara-se com ele apenas para controlá-lo e se vingar pelo que acontecera com Claudia.
Nigel suspirou vendo pela janela da sala o carro da esposa seguir para o aeroporto durante aquela manhã. Ninguém estranhou a busca não ficar para depois da lua de mel. Preston iniciaria o trabalho de campo, ao menos o recém-casado poderia se distrair ajudando o irmão no sítio.
O inglês mais novo pediu, assim que deram "bom-dia", todas as fotografias que o primogênito tivesse sobre a expedição em que Claudia participara. Eles tomavam café da manhã com os padrinhos de Sydney quando Derek bateu à porta. O homem conversou animadamente com Christine e tomou um dos lugares à mesa, participando da refeição. Ele estava sendo amigável, especialmente com Nigel, puxando assunto e contando também sobre suas viagens à Europa. Ainda era um mistério a profissão do homem, mas o café foi agradável. Ele fez questão que os irmãos provassem o suco de goiaba, servindo a todos e, logo, Christine e Alistair se retiraram para irem trabalhar. Preston indicou que faria o mesmo.
"Estou atrasando todos," Derek repreendeu-se levemente, então pôs a mão sobre o ombro de Nigel. "Desculpe, Preston, pode me emprestar seu irmão? Prometo que o deixarei no sítio mais tarde."
Não houve discordância, e os dois viram-se sozinhos na casa em segundos. Derek serviu-se de mais suco e ofereceu também ao inglês, sorrindo. Nigel estava confuso e ansioso sobre o que o americano teria a conversar em particular, e aceitou a bebida.
"Sydney já deve ter conversado com você sobre Claudia Petruski," o moreno começou.
A ansiedade do inglês saltou, junto com seu coração, e ele olhou em direção à cozinha, esperando que nenhum dos empregados estivesse escutando. Derek sorriu novamente, e o fato de não haver ali raiva ou malícia alertou o outro homem ainda mais. Derek era perigoso.
"Não se preocupe. Estou ajudando a investigar o paradeiro de Claudia, vamos descobrir onde ela está. Claro que se você nos contar, será mais rápido." Ele permanecia cordial.
O inglês controlou a respiração para que ela não ficasse tão desesperada quanto seus batimentos cardíacos. "Eu… já disse pra Sydney. Não tenho nada a ver com Claudia. Não sabemos o que aconteceu com ela."
Derek concordou com a cabeça e bebeu um gole do suco. "Eu investiguei todos os que participaram da escavação e do processo. Todos estavam limpos, a não ser você." Os dois se entreolharam, e o americano ficou mais sério. "Claudia mencionou seu nome várias vezes. Por que ela faria isso se vocês dois não tem nada a ver?" Cruzou os dedos das mãos sobre a mesa.
"Sydney me contou que ela falava de mim. Mas nós não tínhamos nenhum envolvimento. Meu irmão está separando as fotos da expedição, talvez haja alguma pista nelas."
O americano continuou observando o rosto de Nigel firmemente. "Eu gostaria de vê-las," comentou, e bebeu o restante do suco, escorou-se contra a cadeira, tranquilamente.
Nigel assentiu. Os dois continuaram em silêncio por mais algum tempo, até que o inglês preparou-se para se retirar.
"Espere mais um pouco," Derek pediu. Nigel viu Lana se aproximando na direção dos dois e sentou-se novamente. Ela substituiu o bule de café por outro fumegante e voltou para a cozinha.
O inglês aguardou, mas Derek não disse mais nada, permaneceu apenas lhe observando.
Nigel respirou de forma pesada, e piscou. Ajeitou as costas na cadeira, tentando afastar o extremo cansaço que lhe acometeu. Ele olhou para Derek e viu o moreno sorrindo daquela forma assustadora; então seu raciocínio parou, e ele não viu mais nada.
-X-
Nigel voltou a si aos poucos, demorando a entender o que acontecia.
Ele abriu os olhos e esfregou-os várias vezes, mas o ambiente negou-se a se revelar. Pânico anunciou sua chegada na boca do estômago do inglês quando ele percebeu que não enxergava quase nada por estar no escuro.
Ele levantou do chão e tateou ao seu redor. Adiante, um fraco feixe de luz indicava o que seria a porta de saída daquela câmara escura.
"Tem… alguém aí?"
Nigel caminhou na direção da luz, mas tropeçou em algo no caminho. Caiu sobre o piso áspero de cimento e sentiu a pele dos antebraços arranhar. O pânico no fundo de sua mente aumentou quase escapando de controle. Suas mãos tremeram, ele sentiu frio nas costas e levantou de novo, com dificuldade. Demorou a se direcionar novamente, apenas escuridão ao seu redor.
"Eu quero sair daqui…" sussurrou. "Me tirem daqui…" Esticou os braços, titubeando para encontrar a porta. Algo topou em seu ombro, e o homem saltou para o lado oposto, chocando-se contra mais objetos indecifráveis. Eles caíram fazendo ruídos altos, assustando-o ainda mais. Nigel tropeçou novamente. Um peso despencou sobre suas pernas e ali ficou, como se o segurasse. O homem gritou e debateu-se. Rastejou na direção da fresta de luz cálida que prometia o escape dali. Começou a hiperventilar, sem conseguir falar. O ambiente escuro sufocante, opressor. Não havia saída, não havia janelas, ou luz, não havia ar.
As sombras pareciam se mexer, pareciam ter vida e pairarem ao seu redor. O inglês engasgou e desatou a gritar. "Socorro!" Chamou de novo e de novo. Implorou até chegar à porta. Era de metal – foi a única coisa que ele reconheceu. Bateu com as mãos e os joelhos, e os pés, sem controlar os próprios soluços. O que era pânico tornou-se terror quando ninguém atendeu.
"Socorro! Me ajudem! Me tirem daqui!"
O pescoço dele arrepiou, e Nigel bateu com ainda mais força, gritando a plenos pulmões. A escuridão que o ameaçava às suas costas se aproximava, parecia-se mais e mais com monstros e criaturas disformes, criaturas sem face, sem corpos, chegando cada vez mais perto.
"Socorro! Socorro!"
Ele ouviu a voz de alguém do lado de fora, gritou por ajuda, implorou que o tirassem dali. Não foi capaz de compreender o que disseram, chutou com força e já não sabia se ainda estava no escuro, pois apertou os olhos, sem coragem de olhar para trás. Cobriu os ouvidos com as mãos e murmurou pedindo para sair, repetidamente.
Uma batida o surpreendeu, vinda da porta e fazendo-o olhar para onde ele não queria. Ainda estava no escuro, ainda estava preso.
"Claudia! O que fez com Claudia!" a voz do lado de fora exigiu.
"Eu não…" Nigel encarava o breu, paralisado. Encolheu-se com as costas no metal. A escuridão o engolia, os vultos ainda mais próximos e disformes. Ele esfregou o rosto limpando e secando os olhos, colado à porta. "Por favor…" pediu, "me deixe sair…"
Bateram novamente, o som reverberando na escuridão, assustador. Nigel jogou-se contra a porta, acuado. Urrou como um animal. "Me tire daqui!" Avançou mais e mais, com toda a força. Precisava sair, ele só precisava sair, não olharia mais para trás, ele conseguiria sair.
Derek pôs a mão na chave para abrir a porta, do lado de fora da pequena cabine usada para guardar suprimentos para os cavalos, no norte da ilha. O inglês lá dentro não estava coerente desde que acordara há vários minutos. Apenas gritava e implorava para sair.
Aquilo era parte do que ele pretendia: assustar o acadêmico e obter respostas. Mas o resultado estava sendo excessivo, anormal. Nigel não respondia as perguntas, ele sequer dava indícios de que as escutava, apenas gritava. O homem estava histérico, jogando-se contra a porta. Não ajudaria nada devolver a Sydney o marido fora de si e cheio de marcas.
O americano destrancou e abriu uma fresta da grande porta de metal. "Calma, calma! Está tudo bem-" Ele não terminou de falar, pois o inglês saltou lá de dentro escancarando a porta, desnorteado.
Nigel correu sem saber para onde ir, apenas que tinha que escapar de lá. A claridade o ofuscou. Ele tropeçou sem enxergar direito. Caiu e rolou, sentindo vários metros de terra árida de um declive passarem enquanto rolava e engolia poeira. Até que parou, sentado. Ofegante.
Ele ficou ali. Esfregou as mãos trêmulas no rosto molhado, ajudando a espalhar a sujeira. Apertou os olhos para vencer a luminosidade. Viu que estava ao ar livre, o mar adiante, ninguém à vista, apenas a terra vazia e inóspita do norte da ilha.
O inglês tomou fôlego, percebendo que tremia por completo, e desabou a chorar. Cobriu a face com as mãos e encolheu-se, deixando-se tomar pelos soluços.
Derek observou tudo de cima da pequena colina. A cabine ficava uns cinco metros acima de onde Nigel escorregara e agora continuava encolhido. Olhou para o movimento ao sul e reconheceu o jipe de Sydney vindo e deixando um rastro de poeira alto na estrada de terra. Exalou o ar e pôs as mãos na cintura. Mais um detalhe que saíra errado em seu plano: Sydney voltara mais cedo da caçada. Ou sequer deixara Oahu.
A mulher freou com brusqueza e desceu do automóvel. "O que você fez? Preston disse que está com ele," exigiu ao se aproximar.
Então ela olhou para a base do barranco onde Nigel estava. Lançou para Derek um olhar que o americano não teve vergonha de dizer que temia. A mulher ainda usava a roupa que era como seu uniforme para caçadas, ou seja: tinha sua faca e sua minibesta se resolvesse usá-las. Não que ela precisasse das armas se quisesse causar algum estrago ao moreno.
Sydney desceu com rapidez, pois a pequena colina não era acidentada ou muito íngreme, e ajoelhou-se ao lado do marido.
O homem estava coberto de terra e mantinha o rosto entre as mãos. Respirava profundamente. Sydney tocou em seu ombro e chamou seu nome. Nigel percebeu que era a esposa ao seu lado e abaixou os braços. Olhou para ela, e a mulher apertou os lábios. Ela virou o rosto:
"O que você fez com ele?" gritou.
O inglês não seguiu o olhar da esposa para ver com quem ela falava. Estava exausto, queria fechar os olhos e sentir o sol em seu rosto, sentir que estava livre, a salvo. Queria ter o controle de novo, sentir o corpo voltar a lhe obedecer.
"Não fiz nada!" a voz de Derek vibrou alta. "Ele entrou em pânico…"
Nigel bloqueou o restante da explicação. Concentrou-se. Estava ali porque Derek o trouxera. Porque Derek tomara café da manhã com ele e, de alguma forma, acordara ali. E Sydney também estava ali.
A mulher levantou e correu colina acima. Nigel pôs as mãos no chão e virou o torso para enxergar aonde ela ia. Havia uma pequena cabine mais acima, a porta estava aberta ao lado de Derek, o interior era escuro.
O inglês engoliu o soluço que quis recomeçar e engatinhou até o alto. Ele tinha o controle – reassegurou em pensamento –, ele era capaz de sair dali. Ignorou a mulher que gritava com o americano e alcançou o automóvel adiante. Embarcou no jipe, virou a chave e deu marcha ré.
Os dois que discutiam ao lado da cabana observaram boquiabertos enquanto Nigel manobrava e seguia para a estrada, de volta para a cidade. Ele estava ao norte da ilha, reconhecia a geografia pelos passeios e os estudos que fizera com Preston.
Seguiu dirigindo devagar. O vento salgado batia em seu rosto e secava a lama que se formara ali. Nigel não queria pensar em nada, ele queria ir para casa. Ou ao menos para algum lugar onde se sentisse seguro o suficiente, longe de Sydney e de suas armações. Ela parecia furiosa, mas nada indicava que não tivesse planejado aquilo junto com Derek.
Ela não acreditava em Nigel, e ele não aguentaria viver assim. A mulher escolhera bem o tipo de punição, estava sendo efetivo, o marido estava prestes a desistir. Mas o problema era que ele não tinha culpa pelo que acontecera com Claudia. Todas as vezes que ele dissera não ter envolvimento com a loira jamais foram levadas a sério, e ele estava cansado.
Passou pelo lugar onde Preston começava o trabalho de campo e parou perto das barracas. Avistou o irmão dando instruções para organizar a pesquisa. Poderia contar tudo a ele, os dois iriam embora daquela ilha e ele não precisaria fingir estar feliz e realizado enquanto seu interior desmoronava.
O irmão acenou ao longe, e Nigel retribuiu o gesto. Viu seus olhos no retrovisor, reparando na própria aparência. Olhou para os braços e as palmas das mãos arranhados, a sujeira em suas roupas, os trilhos escuros por suas bochechas. Seu irmão estava tão contente com o trabalho na ilha, se ele soubesse a verdade dessa forma brusca poderia passar mal. A viagem o deixara ansioso, não era uma boa hora para grandes revelações.
Nunca seria a hora certa para uma revelação deste tipo. Fora por isso que Nigel aceitara as condições de Sydney, em primeiro lugar.
O Bailey mais novo abanou o braço, dando adeus, e pôs o carro em movimento. Dirigiu mais rápido para a casa de Sydney. Se as pessoas o vissem naquele estado, suspeitariam. Não podia deixar o irmão desconfiar, algo horrível aconteceria com Preston se ele fosse impulsivo. Acabara de descobrir que não sabia o limite do que as pessoas naquela ilha eram capazes.
Estacionou no jardim e correu para dentro da casa. Subiu para a suíte evitando os empregados e fechou-se no quarto sem ser visto.
- continua
