• ANARQUIA .
Serei forte, estável, confiável porque é o que sempre faço. Então todos à minha volta despencam, porque é o que sempre fazem.
— David Fisher.
Não é o bastante você dizer que se importa.
— Florence Welch.
oneshot
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Cachorro de pelúcia, retalhos, panos de prato e gritaria.
Muita gritaria.
Uma menininha ruiva correndo e dizendo que não, ela não queria essa porcaria. E agarrou o cão pelas orelhas e o fez voar para cima dos telhados.
Retalhos.
Mentiras.
Nate — the little Fisher Jr. —, o mentiroso de mão cheia da família. Aquele com talento natural. Que falava sobre doçuras vazias e mentia, mentia, mentia.
Claire gritava, Nate mentia, os pais brigavam, os mortos dormiam em caixões no porão e David—
David em um canto.
David sorrindo.
David nas fotos de família, sorriso, cabelo penteado, lustroso, brilhante.
David seguindo as regras.
Claire olharia para o telhado dias depois e diria:
— Eu o quero de volta.
E David seria aquele a segurar quando ela tentasse cair. E a segurar Nate quando as mentiras desabassem. E a segurar cada um dos pais pelas mãos e ser o bom menino, sorrindo e sorrindo, fotos e digam xis! Seguindo as regras.
No canto.
Bem
lá.
Sendo forte o bastante para ninguém se importar.
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Então que o ensino médio muda as pessoas. Ginásio, high school, who gives a shit.
E muitas pessoas aprendem na selva de pedra e carteiras e alunos e professores e livros e banheiros e amassos e viva todo o mundo como tudo não passa de um grande treino preparatório. Como num curso intensivo de fim de ano para os exames da sua vida. Mas um curso intensivo para a sua vida. E muitas pessoas têm a decência de reprovar. No curso intensivo. Na autoescola da vida. Com rodinhas de apoio na bicicleta. E reprovando.
David — the sweet Dave — sabia que reprovaria.
Era um fodido. O fodido.
Mas forte o bastante para segurar o planeta.
Forte o bastante. Forte o bastante para não quebrar nunca, mas ver o mundo estourar em meteoros e recolher os pedaços. Forte. Estável. Confiável.
Fodido da maior marca.
Reprovando com rodas de apoio.
No curso intensivo da vida.
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"Você tem um chupão no pescoço".
E a gola da camisa subiu num whop! que fez o som do vácuo somado ao ar.
"Não tenho não".
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Então que ele tinha um chupão.
Estava lá, roxo e pulsante como se feito agora num banheiro qualquer de uma escola qualquer num corredor qualquer contra uma parede qualquer. Pulsando sob a pele, rindo em tons de roxo e inominável. Dava certa repulsa olhá-lo no espelho. Dava certo prazer olhá-lo no espelho. Cicatriz de guerra. Da guerra de cada dia, da guerra de levantar escovar o dente tomar café ir para a escola. Estudar, sorrir, seguir as regras. Guerra. Boys, this is war. E aquilo — você tem um chup. . . — era anarquia. Era Olá mãe, olá pai, olá Nate, Claire, Rico, olá todo mundo, agora vão para o inferno. Era liberdade indiscriminada.
Porque eu quero ser A-N-A-R-Q-U-I-A.
Não o cachorro de alguém.
(retalhos mentiras sorriso — — ANARCHY!)
Mas quando subia a gola da camisa, David Fischer seguia as regras outra vez.
Ninguém precisava saber.
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— H-a-alelujah. H-a-a-lelujah. For Our Lord God Almighty reign.
Lendo a letra em algum lugar nas lyrics do cérebro.
— Worthy is the lamb.
E sua família cantava e rejubilava e Nate se fora há tanto tempo. E Claire, bem, Claire não estava mais ali. Olhar para os olhos dela era saber. Such a sinner.
— Worthy is the lamb.
Sem Deus para ajudá-los agora, sem Deus, sem Deus.
— Worthy is the lamb.
Deus em lugar nenhum, agora.
— Pode me emprestar o hinário?
Numa voz grossa que arrepiava — . . . no seu pescoç. . . — e fazia analisar e tremer e querer e ele tinha de sorrir, o cabelo bem penteado, o paletó inteiro e bem aprumado e fazer o social e emprestar o hinário.
Só que as mãos que se encontraram sobre a capa dos salmos santos iam se encontrar de novo.
Porque ele queria.
Queria ser a anarquia.
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"Fuck. Oh god, fuck. GODDAMIT!"
Blasfemando num confessionário, com outro corpo prensado no seu.
Tsc. Such a sinner.
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Era Natal.
Era Natal (desçam para ver o que ganharam! Nate, deixe seu irmão em paz, Claire, não rasgue o papel) e o fodido do Santa Claus trouxera o melhor de todos os presentes.
— David Fisher? Não, perdão, foi um mau menino. Mas ao invés de meias e cuecas e gravatas e pomada para assadura resolvi trazer algo novo este ano.
Adivinhe só.
Santa Claus, O Sacana.
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"É o pior de todos nós, Dave, e vai consertar meu rosto?"
Pincel como tinta a óleo sobre o quadro.
"É o pior de todos nós, Dave".
Tentando ser perfeito todo o tempo.
Forte demais para quebrar.
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Ela chorou e uma parte dela se foi com aquele homem.
Ela chorou, mas não eram as lágrimas.
Eram as mãos.
Cheias . de . terra.
Sob as unhas, nas palmas, nos dedos, terra e as regras iam para o espaço.
Terra, e a culpa era de little Fisher Jr.
E David — o pior de todos nós — queria ser sujo só uma vez, e selvagem só uma vez, e livre só uma vez para enfiar a mão na cara daquele bastardo e fazê-lo voltar pro buraco do inferno de onde teimara em sair. Porque ele não merecia isso.
Não
merecia.
Primeiro seu pai, agora todas as regras do seu mundo.
"É MEU MUNDO PERFEITO, NATE, SERÁ QUE NÃO PODE ME DEIXAR COM ISSO? SERÁ QUE NÃO?"
Porque deveria ser ele o anarquista.
Queria muito ser.
Anarquia.
E quando queria ser a anarquia seus pés o levavam a um lugar.
Um só lugar.
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A porta se abriu e ele era uma bagunça: o cabelo ainda perfeito, mas o sorriso não, isso faz toda a diferença.
Então que entrou correndo. E se jogou entregue, todo seu essa noite querido, e beijou e mordeu e gemeu porque era isso que queria.
Ser a anarquia.
Mas aí se viu longe de tudo isso outra vez, sob um olhar que queria respostas.
"Eu. Eu... Eu... Eu preciso... Preciso."
Quebrar.
X
Sweet
anarchical nothings.
