DISCLAIMER: Naruto não me pertence.
CEDO OU TARDE
Ele sabia que aquele dia acabaria chegando.
Antes de qualquer coisa quero deixar claro que não tenho nada contra ninguém durante esta pequena narrativa. Para começar, por que teria? Não sou uma pessoa rancorosa. Aprendi desde cedo que guardar rancor não faz bem ao coração. Ainda assim...
Eu sabia que esse dia chegaria. Claro que chegaria. Afinal, é isso que acontece, não é mesmo? Não que eu não estivesse esperando por isso, mas puxa! Foi como um soco no estômago. E agora tudo parecia rodar. E não, eu não estou fazendo drama. Não é do meu feitio. É só que... Caramba! Eles me pegaram de guarda-baixa. (O que julgo ser de péssimo feitio, se quer saber). Até porque ninguém de bom caráter faz algo do tipo. E eu sempre soube que aquele garoto era um sujeitinho mau caráter. Bastava dar uma única olhada nele. Aquele olhar de tédio e o seu aparente desinteresse para com o mundo não escondia suas reais – e malévolas – intenções.
De modo que sim, eu sabia que aquele garoto em questão seria o maior dos meus problemas. Seria ele quem roubaria minhas noites de sono. Seria ele quem acabaria me dando mais dores de cabeça – como se as que eu já tinha não fossem o suficiente. Aquele pilantra. Tudo o que ele sempre quis foi me tirar do sério. Mas agora não adianta muito, além do mais, guardar rancor faz mal ao coração.
(Ainda que eu desconfie que qualquer aceleração ocorrida nos últimos meses tenha sido culpa única e exclusivamente do rancor que venho carregando por tanto tempo).
Essa história poderia terminar de uma forma diferente? Claro que poderia. Para começo de conversa, eu nunca deveria ter deixado aquele garoto entrar em minha casa e fazer parte do meu convívio familiar. Estava ali o primeiro erro. O outro tudo bem, mas não aquele. Ele cheirava a problemas. Suas feições já delatavam suas reais intenções. E ainda que ele mascarasse tudo numa expressão aborrecida, eu sabia o que me aguardava nos próximos anos.
Tudo bem, sei que esta narrativa está um pouco estranha, mas o que tenho para dizer é importante: quantos homens não pensaram a mesma coisa que eu? Quero dizer, quantos deles não se viram dentro de um pesadelo? Por que, vamos ser sinceros, quem vai criar sua princesinha para outro homem? Eu que não.
- Oras, Inoichi! Você está sendo infantil. – ah, certo. Eu estou sendo infantil. Claro! Culpe Inoichi Yamanaka por se preocupar. Ele é sempre o culpado por tudo. – Você está agindo como se fosse o fim do mundo, querido.
E era.
Pelo menos era o fim do meu mundo.
Vamos lá, falando sério. Quantos pais ficam satisfeitos quando um sujeitinho qualquer chega à sua casa e diz 'Então, senhor, eu queria saber se poderia sair com sua filha.'. Não, seu bastardo. Você não pode. É isso que tentamos dizer enquanto deixamos claro o que vamos fazer caso nossa filha não chegue em casa no horário estabelecido. Nem tente negar, essa é a mais pura verdade. E depois disso você vê toda a sua paz de espírito destruída ao encontrar o sujeito aos amassos com sua filha no sofá da sala.
Eu tinha vontade de esganá-lo.
Mas como eu era uma pessoa sã das minhas faculdades mentais, só pigarreava e deixava claro com um olhar fulminante que aquela cena não era do meu agrado.
E sabe o que era pior? Se você não se sujeitasse a esse tipo de coisa, acabaria ganhando a indiferença da prole. Ou pior, a prole acabaria entrando num desses namoros escondidos. E se a coisa já era bem ruim enquanto você via, imagina o quão pior ficava quando você não via? Minha mãe costumava dizer que 'o que os olhos não veem o coração não sente'. Eu gosto de pensar nesse ditado da seguinte maneira: o que os olhos não veem o coração pode até não sentir, mas a mente imagina. Então é isso aí.
- Sinto muito, querida, talvez para você não seja o fim do mundo – disse e minha esposa rodou os olhos, me olhando pelo espelho da penteadeira –, mas para mim é como se uma faca estivesse sendo enfiada consecutivas vezes dentro do meu coração.
E estava.
Ino ainda era tão nova... Apesar de ela tentar me convencer de que seus vinte e sete anos diziam o contrário... E aquele garoto – aquele maldito garoto – era tão... tão... Tudo bem, nada de falar mal dele, afinal seremos uma grande e linda família feliz.
Infelizmente.
Sinceramente? Não tenho nada contra Shikamaru Nara. Ele sempre provou ser um garoto de bom caráter (eu sei, estou me contradizendo) e sempre mostrou ser respeitador (ao menos quando eu estava por perto), mas o caso é que o filho da mãe resolveu pedir a minha filha em casamento. Dá pra acreditar? Como se já não bastassem os últimos dez anos que venho o aguentando dentro de casa sob a alcunha de namorado da minha filha, agora tenho que me sujeitar a ele querendo ser o marido dela! Isso tornava as coisas ainda mais reais.
E eu esperava que um dia ele caísse na real e percebesse que não era bom o suficiente para Ino, só que não foi bem isso que aconteceu. De alguma forma surpreendente, Shikamaru acabou se tornando de jovem desmotivado e vagabundo a um exemplo vivo de bom-partido e um futuro homem do lar (ainda que eu não faça a menor ideia do que isso significa, foi o que ele disse durante o discurso improvisado no jantar).
- Você vai sobreviver. Agora troque de roupa e venha dormir.
Ah, é claro. Para ela é muito fácil falar 'venha dormir'. Ela sabia de tudo. Aliás, todos sabiam de tudo. Os Nara, os Akimichi, os noivos... Eu era o único na mesa que não sabia de nada (e talvez o John Snow também não soubesse, mas acho que estou começando a confundir as coisas. O John Snow sabe das coisas, só fica fingindo que não sabe de nada).
A contragosto acabei trocando de roupa e deitando na cama. Ainda levou um bom tempo para que eu pudesse conciliar o sono. Revi em minha mente o momento constrangedor do jantar, onde todos olharam para mim com uma expressão ansiosa – Shikamaru tinha um pouquinho de esperança na dele. O único rosto que realmente vi foi o de Ino. A princesa que eu criei com tanto amor e carinho me olhava com um sorriso amarelo, segurando fortemente a mão do futuro – urgh – marido.
Como eu poderia negar algo à Ino?
Nunca consegui negar nada a ela. Nem mesmo quando ela trouxe Shikamaru Nara para dentro de casa quando eles ainda eram crianças. Eu não podia ser egoísta e dizer que não, que não abençoava o casamento. Claro que não, mas isso não significava que eu aprovava a ousadia de Shikamaru. Eu só queria ver minha filha feliz. E foi pensando nisso que eu disse sim e dei minha bênção para a futura união.
- Alô. Alô? Isso aqui tá ligado? – disse batendo com a ponta do dedo no microfone na minha mão. Um ruído se fez presente no jardim e imediatamente o refletor foi parar na minha cara. Ah, ótimo. Tudo o que eu precisava.
Os últimos nove meses foram os mais estressantes para mim. Foi praticamente uma gestação, se quer mesmo saber. Minhas dores de cabeça só pioraram com as contas que chegavam, a lista de convidados, com o buffet a ser encomendado, a escolha do vestido da noiva, etc. etc. etc. Eis outro lado extremamente problemático em ser o pai da noite: todas as contas acabam indo para você. Mas diferentemente do filme do Steve Martin, a festa não foi na minha casa, mas sim na casa do noivo.
E depois do sim, do beijo, da chuva de arroz, a festa teve início. Agora aqui estou eu no centro de tudo isso e com um microfone na mão, vendo os noivos na mesa principal, me olhando com expectativas. E eu tinha certeza de que não eram boas expectativas. Fala sério. Eu não pretendia dizer algo que comprometesse ninguém. Ainda que Chouza e Shikaku pensassem o contrário, até porque eles tinham apostado entre si que eu acabaria cometendo alguma gafe até o fim da noite. Eu não sabia quem estava ganhando, mas pelo sorriso malicioso no rosto de Shikaku, eu bem imaginava quem era.
- Puxa, rapaz! Está tentando me cegar? – perguntei para o garoto dos refletores. Pude ouvir risinhos vindo de algum lugar. Ah, droga. – Então... Nossa! Nem sei por onde começar. Quero dizer, eu sei. O que quero dizer é que não estava preparado para esse dia. É, podem rir... Quero só ver quando for a vez de vocês. Sinceramente, eu nunca estive preparado para hoje. Até porque nunca passou pela minha cabeça que minha filhinha fosse crescer. – Ino sorriu para mim. Um sorriso tão brilhante que senti meu coração dar um pulo. – Sejamos sinceros, quantos de vocês esperam que suas filhas comecem a trocar as bonecas por rapazes? É simplesmente aterrorizante! – risos. Risos. Risos e mais risos. De uma coisa eu estava certo, quando a aposentadoria chegasse eu poderia investir na minha carreira de comediante, afinal, não era qualquer um que conseguia fazer Hiashi Hyuuga rir. – É um choque muito grande. Pelo menos para mim foi. Um dia sua vida está incrível e no outro ela está de cabeça para baixo quando um pilantra qualquer pergunta descaradamente se pode namorar a sua filha.
Naquele ponto Shikamaru estava totalmente constrangido.
Ótimo.
- Então, qual seria a sua reação? Internamente você está espumando de raiva. Externamente você avisa que tem uma pá e um quintal muito grande e que provavelmente ninguém irá sentir a falta do garoto caso ele sumisse de uma hora para outra. Eu disse isso à Shikamaru Nara. E disse que se ele fizesse algo de errado eu ia acabar com a próxima geração da família dele. Para o meu azar, ele é muito certinho. Que filho da mãe!, com todo o respeito, Yoshino. Bem, talvez eu esteja exagerando, mas tudo o que eu disse é a mais pura verdade. E saiba que eu ainda tenho uma pá e um quintal bem grande, Shikamaru. Felicidades aos noivos!
E num brinde coletivo, todo mundo desejou a mesma coisa que eu.
Depois disso a festa foi como um borrão. Encontrei alguns parentes, falei com uns conhecidos, fugi de Yoshino e seu possível sermão sobre a tentativa de homicídio ao seu filho e só então fui me sentar com os meus amigos. Chouza é quem tinha ganhado a aposta. Aparentemente eu não cometi nenhuma gafe. Mas isso não me deixou com menos raiva dele e de Shikaku. Eles ainda faturaram às minhas custas. E em algum momento, chegou a hora de jogar o buquê e os noivos partirem para a tal lua-de-mel.
Urgh.
Eu fiquei de longe só olhando, vendo as garotas desesperadas pelo buquê e quase se estapearem por um ramalhete de flores. Alguns rapazes riram, pelo menos os que já eram casados (Chouji e Lee). Os que ainda não eram estavam preocupados em serem os próximos da fila (todos os demais). No fim das contas o buquê acabou nas mãos de Sakura – que olhou triunfante para Karin antes de correr na direção do jovem Uchiha. E então houve aquela correria, despedida aqui, beijo ali, promessas de ligação acolá. E foi então que Ino veio na minha direção.
Não tive muito tempo para dizer alguma coisa, quando menos esperei ela já estava enroscando os braços ao redor do meu torso e me apertando com força. Vi Shikamaru mais longe, esperando pela esposa. Ele assentiu para mim e eu assenti de volta. No fim das contas eu sabia que ele não era tão ruim assim. Eu só não queria assumir para mim mesmo que outro homem poderia ser mais importante na vida de Ino do que eu.
- Obrigada, papai.
- Pelo o quê? Por ameaçar o seu marido? Não precisa agradecer. – ela me olhou feio. – Ah, tudo bem. Eu vou aposentar a pá, não se preocupe.
- Pai!
- O quê?! – perguntei e ela só sorriu.
- Você não tem jeito! – rindo, Ino me apertou uma última vez antes de me soltar. – Vejo você daqui a duas semanas.
- Está bem, princesa.
E ela se apressou em direção ao marido, acenando para mim antes de sair de casa e eu suspirei pesadamente, sentando na cadeira atrás de mim. Shikaku me olhava expectante, com um sorriso de lado no rosto marcado. Eu rodei os olhos e coloquei a mão dentro do bolso interno do paletó. De dentro tirei um envelope marrom, jogando-o de qualquer jeito em direção dele.
- Você deveria estar feliz, afinal hoje é um grande dia. Todos saíram ganhando. Ino, Shikamaru, Chouza, eu... Você.
- Eu saí ganhando? Quer me fazer um favor? Poupe-me dos seus comentários. – Shikaku riu e Chouza também.
- Mas a culpa é toda sua. Lembra que foi você quem perguntou se Ino preferia o meu filho ou Chouji?
- Arrependo-me amargamente desse dia até hoje.
- Vamos parar com o drama? – disse Chouza ao fim, provavelmente cansado da cena que estava acostumado há anos. – Uma hora ela se casaria, Inoichi. E você sabia muito bem.
Sim, eu sabia.
Só que jamais me acostumaria. Nunca me acostumaria, na verdade. Principalmente depois de perder para Shikaku. Enquanto o via contar o valor dentro do envelope, com um sorriso enorme, suspirei cansado. Se Shikaku não tivesse me alertado, muitos anos antes, eu jamais suspeitaria que minha filha e Shikamaru estavam ainda mais próximos que amigos de infância. Se não fossem as implicâncias de Shikaku, ao me dizer que formaríamos uma linda e grande família feliz, eu não teria começado a analisar melhor os dois. Se Shikaku, esse maldito, não tivesse me dito que viu seu filho e minha filha numa intimidade bastante suspeita, eu jamais teria dito que aquilo era invenção da cabeça dele e apostado que no fim das contas Ino acabaria com qualquer outro garoto, menos Shikamaru.
De qualquer forma, cedo ou tarde eu sabia que aquele dia acabaria chegando.
Mas ainda que soubesse disso – e soubesse que todos os sinais estavam claros para que eu perdesse a aposta – era melhor não ter duvidado do que Shikaku tinha me dito. Afinal, ele sabia que aquele dia acabaria chegando desde o princípio.
Malditos Naras, afinal.
Fim.
N/A¹: depois de vários anos sem escrever nada aqui estou eu mais uma vez. Não que seja animador ou que alguém se lembre de mim, mas é isso aí. Essa oneshot nasceu num surto de uma madrugada insone. Perdoem-me por qualquer erro, qualquer coisa sem sentido, qualquer OOC. Se lerem, por favor, comentem, sim? :).
N/A²: inicialmente publicada em 29 de Junho de 2014. Reescrita e repostada em 12 de Junho de 2018. Tentei melhorar algumas sentenças, corrigir alguns errinhos, deixar a coisa menos machista em relação a posse de um pai sobre sua filha. No fim das contas, tentei mostrar o quanto o Inoichi ama a Ino. E também porque, independente de quanto tempo passe, eu continuo amando ShikaIno (sim, sou iludida). Muito possivelmente eu dê uma continuidade a essa oneshot, tornando-a uma two-shot – ou talvez uma three-shot. Quem sabe? Tudo é possível. Obrigada pelos comentários!
