Primeiro ato.
Era uma noite estranhamente iluminada, por causa da lua cheia.
Ele via uma cena simétrica: árvores, pilares à esquerda, a trilha, o templo, pilares à direita, e. mais uma vez, árvores.
O templo.
Uma construção pequena, velha, mas ainda de pé. Não era um templo em si, com moradores e peregrinos, estava mais para um altar. Quase todo de madeira, algumas partes de papel tinham furos, as de pano estavam cinza de sujeira e havia muitas marcas do clima. Em cada um dos lados havia uma pagoda, escultura de pedra com andares iguais de tamanho decrescente, mas Sasuke não chegou nem a notá-las ali.
Concentrado, mas indeciso, seguiu em frente em direção a seu destino.
Sua mão direita segurava um papel comprido, retangular, de modo firme para que o vento forte não levasse. Era uma folha normal, mas com algo escrito em nanquim. Embora não houvesse alma viva por ali, ele não queria que ninguém visse o que ia fazer.
Alcançando o final da trilha, subiu dois degraus de pedra e pisou no chão elevado do santuário.
A porta estava fechada. Com a mão livre, abriu-a para o lado esquerdo, que era para onde corria, e se fechou ali dentro. Não conseguia ver mais do que as janelas permitiam, porque não havia uma luz acesa ali dentro.
O shinobi atravessou o piso central e chegou ao altar central. Deixou em seu espaço vago, em posição de oferenda, seu papel, com o lado escrito para cima. Abaixou-se para fazer uma prece e logo estava indo embora pelos mesmos rastros de seus passos, deixando de novo aquele lugar em seu vazio.
"Eu temo que..." Refletia solitário, com olhar vazio. "Os boatos não se confirmem."
O antigo monumento ficava cada vez mais para trás.
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Em outra casa rústica, num lugar além de sua compreensão e alcance, uma garota de longos cabelos pretos, deitada sobre o chão, arrastava com os dedos algumas peças do jogo Sugoroku sobre o tabuleiro feudal aberto próximo a seu rosto. Com a face meio escondida atrás do antebraço, os olhos grandes e curiosos observavam o brinquedo com aparente interesse. Na parede que estava perto dela, havia um sino com guizos amarrado a um prego, que balançou e soou sem nem entrar vento por ali.
-Estão te chamando, Ai.
Do outro lado de uma divisória translúcida onde só aparecia uma sombra de alguém girando uma roda de fiar, veio uma voz que notara o barulho. A menina não moveu um músculo para sair do lugar, mas respondeu:
-Eu já vou.
Mais alguns segundos entretida com o jogo e ela saiu da casa, deixando várias peças desordenadas para trás.
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Sasuke andava pelo caminho de volta, enfrentando a corrente de ar que vinha de um dos lados. Com a mesma expressão fria de sempre, pensava sobre o que acabara de fazer.
Será que precisava mesmo fazer aquilo?
Apenas para se certificar que não havia nada o seguindo, deu uma olhada por cima do ombro. Sem sinal de outra presença, voltou a encarar a frente e o ambiente mudara em um piscar de olhos. Assustado, começou a rastrear o novo local sem sair do lugar, achando que tinha alguma alucinação.
Não era.
Era uma planície bonita. A lua deu lugar ao sol poente, alguns metros à frente havia uma árvore escura e antiga, retorcida, de copa frondosa, o gramado alto parecia seco e do lado direito corria um riacho cristalino, refletindo a luz do fim de tarde.
"Será um genjutsu?" Nervoso, a imaginação descontrolada tentava achar uma resposta.
Ao se focar de novo em sua frente, antes encarando o córrego, apareceu uma garota. Era mais nova que ele alguns anos, mas sua aparência não era comum. A franja preta cortada reta emoldurava o rosto delicado, os olhos de íris vermelhas eram grandes, indicando ainda a infância e o kimono se confundia com a cor do cabelo, mas havia estampas de flores coloridas dispersas pelo fundo. As enormes mangas se arrastavam pelo campo.
-Me chamou? – Ela perguntou, com voz suave.
Achando que iria funcionar, o ninja fez um selo com as mãos e falou:
-Kai!
O cancelamento não teve efeito.
-O que está fazendo? – A garota lhe disse. – Não é nenhuma ilusão.
Sem resposta, ele abaixou a guarda e desfez o selo. Ela esperou que o visitante se acalmasse e, então, se apresentou:
-Eu sou Enma Ai. – Ao seu lado, apareceu um rapaz de vinte e alguns anos, não muito alto, mas com uma peculiar franja escura tampando um dos olhos e roupas urbanas, com os braços cruzados. – Ichimoku Ren.
-Sim, Donzela. – O homem pegou um pingente prata de um colar e o tocou nos lábios, desaparecendo em seguida.
Na mão que Ai estendeu, apareceu um boneco azul-marinho de palha com forma humana e uma fita vermelha em laço ao redor do pescoço.
-Pegue isto.
O Uchiha recebeu o objeto, olhando-o com dúvidas.
-Se deseja realmente se vingar de seu inimigo, deve desfazer este laço vermelho. – Ela explicou. – Se o fizer, será um contrato oficial comigo. A pessoa odiada será imediatamente enviada ao Inferno.
"Então era verdade o que escutei." Sasuke pensou.
-Porém, há um preço que você precisa pagar.
-...Preço?
-Exato. – Consentiu, e continuou a explicar. – Quando uma pessoa é amaldiçoada, dois túmulos são cavados. Se eu realizar a vingança, sua alma cairá no abismo do Inferno.
Ele ouvia tudo, atentamente, analisando os fatos ao mesmo tempo.
-Bem, somente após morrer.
-Isso não é um serviço justo. – O cliente reclamou. – Eu estou fazendo o certo. Por que também preciso ir para o Inferno?
-Eu não sou convocada para trazer justiça. – Ai disse. – Mas você deveria saber um pouco mais antes de ter tanta certeza.
-Como assim?
-Há coisas que você nunca descobrirá se continuar cego.
O shinobi olhou para o boneco em suas mãos, refletindo. Ao levantar o rosto de novo, tinha voltado ao caminho de terra do santuário, onde o vento ainda batia com força.
-O resto é você quem decide.
A voz suave de Ai soou por entre o espaço. Ele procurou por todos os lados, mas por ali, não havia mais ninguém.
Fim da parte I.
