CAPÍTULO 1 – NATAL NOS WEASLEY

- Vamos, apresse-se Arthur! - resmungou Molly para o marido. Calçou os sapatos de uma só vez parecendo irritada e preocupada - Eles já deveriam ter chegado! Pelas barbas de Merlin, que diabos de horas são?

- Quinze para as dez querida, não se preocupe, eles estão bem! Você conhece o Nôitebus, provavelmente algum tipo de imprevisto ou qualquer outra coisa sem importância! Molly... amor... os seus sapatos...

- O que tem os meus sapatos Arthur? Não há tempo para isso...

- Você calçou o par trocado meu bem! - sorriu satisfeito o Sr Weasley.

A Sra. Weasley, com o ar zangado, fitou os pés. Estava realmente com o par trocado, sendo um de couro vermelho, elegante, e o outro uma velha bota de camurça marrom. Balançou a cabeça negativamente e subiu em disparada para os aposentos superiores.

- Não se preocupe mulher! Esta tudo bem! - gritou o Sr. Weasley para que pudesse ser ouvido da escada - Use o tempo que precisar, afinal não sairemos de casa! Não há necessidade para tanta euforia Molly querida!

- Ora não seja besta Arthur! - escutou-se a voz da Sra. Weasley - Não confio muito naquele ônibus! Você sabe muito bem! Ou por acaso se esqueceu da vez em que Fred e Jorge se perderam no País de Gales? Só de pensar fico com urticárias... - bufou.

- Acho que o ônibus não teve muito haver com o incidente querida... - declarou sensato o Sr Weasley - de qualquer maneira, Harry, Rony, Hermione e Gina são bastante ajuizados, já fizeram essa viagem milhões de vezes e tenho certeza de que não sairão por ai atrás de sarna para se coçarem!

- Como é ingênuo Arthur - disse a Sra Weasley descendo as escadas, agora devidamente calçada - Vamos querido... rápido, rápido!

Harry, Rony, Hermione e Gina estavam a caminho da Toca para passarem as festividades natalinas junto aos Weasley, e como sempre a viagem dos garotos sozinhos no Nôitebus perturbava a Sra. Weasley de forma absoluta.

Quando finalmente saíram de casa, às dez em ponto, o Sr. Weasley havia desistido de acalmar a mulher. Atravessaram o quintal rapidamente, a Sra Weasley correndo na frente, o marido ao seu alcance logo atrás. Abriram o pequeno portão de madeira que beirava a estrada e puseram-se a esperar. Era um dia frio de inverno. A neve congelava lentamente nos morros ao redor de Ottery St. Catchpole, tudo perfeitamente adequado para um natal em família. Um vento frio soprava os cabelos espessos da Sra. Weasley, que tinha os braços cruzados na altura dos seios. Resmungava todo o tempo, mordendo os lábios e sacudindo a cabeça.

- É completamente inaceitável! Já deveriam ter chegado há meia hora! – disse - imagine se não tivéssemos nos atrasado! Congelaríamos aqui desde as nove e meia!

Ficaram ali por mais alguns minutos, esperando, no caso da Sra. Weasley, esperando e bufando de preocupação. Ás onze horas daquela manhã o Nôitebus deu seu primeiro sinal de vida. A Sra. Weasley girou os olhos para o céu esbranquiçado e torceu uma cara feia.

Roxo reluzente, o Nôitebus finalmente entrara em foco. Vinha em alta velocidade, aos trancos e barrancos, sacudindo casas e objetos que ousassem entrar em seu caminho. Sua magnitude era definitivamente incontestável. Parou finalmente aos pés da Toca, fazendo a enorme lata de lixo ali deixada esquivar-se dois metros para trás. A porta foi aberta com suavidade e um jovem cujo rosto era castigado por nojentas espinhas desembarcou.

- Ottery St. Catchpole, A Toca - disse.

- Não me venha com formalidades seu pequeno delinqüente! Por onde esteve esse tempo todo? Ah graças ao bom Deus! Bom dia meninos! Estão todos bem ?

Harry, Rony, Gina e Hermione haviam acabado de desembarcar, logo após Lalau, o condutor do Nôitebus Andante. Carregavam os malões para fora do veiculo com a ajuda do garoto.

- Deus meu! Se controle Molly! - disse o Sr. Weasley - os garotos estão bem, deixem os pobres respirarem! E quanto a você - dirigiu-se a Lalau - perdoe minha esposa! Ela não faz por mal, estava muito atordoada por causa do atraso, que alias...

- O Sr.Leery teve um pequeno problema com a esposa e tivemos que contornar toda a situação, o que acabou atrasando um pouco os horários - explicou-se Lalau - um verdadeiro pandemônio se é que me permite dizer.

O Sr. Weasley suspirou aliviado, talvez por toda a história não se resumir em um sumiço pelas redondezas do País de Gales. A Sra Weasley certamente não o deixaria em paz com o ocorrido.

Molly conduzia os garotos ao quintal abraçando os quatro de uma só vez, como uma grande ave protetora. O Sr Weasley acertava as contas com o condutor, rindo da confusão dos Leery. Deixou Lalau e o ônibus e juntou-se aos demais ao entrarem na Toca.

A casa inteira fora decorada para as festividades natalinas. Neve encantada jazia nos móveis lustrados da sala, um grande pinheiro fora enfeitado com fitas e luzes a um canto do aposento principal, iluminando todo o espaço mesmo a luz do dia. Azevinho percorria todo o teto da casa e um cheiro maravilhoso estava empreguinado no local, um cheiro doce e excitante que alegrava instantânea e inconscientemente. Harry, Rony, Gina e Hermione largaram-se nas poltronas diante a lareira.

- E então a doida decide voltar! - continuava Rony, detalhando a desconfortável situação com os Leery no Nôitebus - nunca vi nada parecido! Pobre Sr. Leery, com uma mulher daquelas não precisa de mais nada.

O Sr. Weasley fechou a porta, pescando o final do comentário de Rony. Riu gostosamente.

- A situação não é para risadas papai! - disse tirando o casaco - gostaria de ver o senhor em situação semelhante com mamãe.

- Ora Ronald, não é pra tanto! Certamente ela agiu com precipitação e foi muito incoerente, mas o que mais era esperado de uma mulher ofendida, rejeitada e desmoralizada em público? - perguntou Hermione, fitando-o tranqüilamente a espera de uma resposta conveniente.

- Como é? Desmoralizada e ofendida? O coitado mal olhou para aquela mulher e a abitolada da Sra Leery pirou do nada...

- É o suficiente Rony - disse a Sra. Weasley recolhendo os casacos - agora parem de discutir vocês dois antes que terminem como os Leery! Um casal tão bonito como vocês não é fácil de se ver! Gracinhas... - apertou as bochechas de Rony e Hermione com um largo sorriso no rosto.Gina abafou risinhos com o rosto aterrado nas costas da poltrona.

- Mamãe! - grunhiu Rony corando.

- Certo querido! - respondeu a Sra.Weasley - receio que estejam famintos agora, mas ainda é muito cedo para o almoço e, além disso, Gui e Carlinhos provavelmente estão a caminho e também teremos os Diggory como convidados. Fred e Jorge estão ocupados com a loja e chegarão assim que puderem para as festividades. Aqueles pestinhas! Quero toda a família e amigos reunidos este natal! - saiu apressada para a cozinha de braços dados com o marido.

- Ela parece animada - disse Harry sorrindo.

- É de se esperar, não é mesmo? - cochichou Hermione - é o primeiro natal que passamos juntos aqui e tudo esta aparentemente tranqüilo. Pena o Percy não ter se entendido com eles, seria bom tê-lo aqui.

- Hunft! - queixou-se Rony - Não me fale do bosta desgraçado! Ao menos poderíamos ficar com o quarto dele Mione! É bem mais espaçoso, mas mamãe não aprova a idéia de dormirmos em um mesmo quarto.

Harry sentiu suas bochechas corarem furiosamente. De uma certa forma ainda não se acostumara com a idéia de Rony e Hermione estarem vivendo um romance. Sabia que isso aconteceria mais dia menos dia, mas nunca pensou nas possibilidades de achar toda história estranha e desconcertante. Volta e meia era deixado de lado ou passava por momentos embaraçosos. Era estranho vê-los sempre juntos sem ao menos atacarem um ao outro com suas costumeiras farpas e cutucadas, estava mais que acostumado com a gritaria e as caras feias.

- Vamos subir então? - Rony convidou os dois - Onde estão aqueles dois tapados, Gui e Carlinhos? Estou morto de fome! - gesticulou já ao pé da escada.

Gui e Carlinhos chegaram finalmente ás treze horas. Vieram juntar-se alguns dias aos pais, aos irmãos, Harry e Hermione. Suas malas foram para o antigo quarto dos gêmeos, enquanto a de Harry fora para o antigo quarto de Percy, deixando Hermione no quarto de Gina. Amos Diggory, sua esposa e seu filho Cedrico, ficariam no quarto desocupado de Carlinhos.

O almoço fora posto na sala de jantar em uma longa mesa de madeira, após a chegada cenográfica dos Diggory, que aparataram no meio da sala de estar.

O Sr. Diggory fora o primeiro a materializar-se próximo a lareira da sala. Parecia-lhe uma coisa corriqueira desaparecer de um lugar e aparecer subitamente em outro há quilômetros de distância.

- Arthur! - cumprimentou Amos, abrindo os braços e curvando levemente a cabeça para a esquerda.

Sua esposa, a Sra. Diggory, aparecera também subitamente logo após o marido, cheia de sorrisos e trejeitos.

Por último, o único filho da casal, Cedrico, que estudara em Hogwarts há uns anos algumas séries acima de Harry. Não mudara absolutamente nada desde os tempos de colégio. Parecia o mesmo rapaz bonito e educado.

- Cedrico! Sra. Diggory! - dirigiu-se a Sra. Weasley hospitaleira - sejam bem vindos queridos! Sejam bem vindos!

A bagagem de três malas fora mandada imediatamente para o antigo quarto de Carlinhos, assim como todos os presentes e lembranças.

Após breves cumprimentos apressados pela Sra. Weasley, os hóspedes dirigiram-se com os demais para a sala de jantar.

Uma toalha branca cobria toda a extensão da superfície da mesa, realçando os vários pratos e travessas de comida: purê de ervilhas, carne recheada, batatas assadas e amanteigadas, travessas de arroz, pães e para a sobremesa, um enorme pudim em caldas.

Harry serviu-se de uma batata assada do tamanho de um tijolo na mesa, ao lado do Sr. Weasley e Gui. Estavam conversando sobre o sexto ano letivo e suas dificuldades em Hogwarts.

- Estou dizendo - começou Gui - não suportava a aula do Binns! Puro tédio na minha opinião!

- Escutem bem meninos - disse o Sr Weasley entre uma garfada e outra de carne recheada - se realmente querem saber, e espero que queiram, não existe uma aula monótona e sim um aluno desinteressado! Ouçam o que digo meninos!

- Concordo plenamente Arthur! - disse pomposo o Sr. Diggory - E digo pelo meu velho Cedrico aqui. Sempre um aluno exemplar enquanto esteve em Hogwarts! Lembra-se do Tribruxo? - ele disse dando tapinhas nas costas do filho - como Harry e meu Ced aqui chegaram e logo saíram juntos e com bravura daquele labirinto tenebroso?

- Não foi bem assim papai - contestou Cedrico sem graça - Harry me ajudou muito e se...

- Ora, não seja tão nobre e modesto meu filho - cortou Amos aos risos - Sempre modesto... Aquele sim foi um ano esplendido! A glória! O reconhecimento!

Harry e Gui sorriram a um canto. O Sr. Weasley balançou a cabeça negativamente e riu timidamente. Estava vermelho e com uma expressão confusa no rosto. Uma caneca de hidromel nas mãos.

- Ah a glória e o reconhecimento! - disse titubeante - Saibam que em minha época...

- Arthur querido! - chamou a Sra. Weasley - acho que exagerou no hidromel hoje meu bem! Uma soneca antes de concertar a porta do quarto dos fundos seria adequado para você.

- Mas Molly... eu.. eu estou bem! Realmente com um pouco de sono mas... - viu o olhar intenso e penetrante da Sra. Weasley e acabou por desistir - esta bem querida! - acabou com o conteúdo da caneca em um só gole e deixou a sala.

A atenção de Harry caíra sobre Rony e Hermione, que estavam juntos do outro lado da mesa. Pareciam entretidos com alguma coisa no prato de Rony.Riam alegremente, tão próximos um do outro que se podia jurar que dividiam o mesmo assento. Faziam um casal apaixonado para os ditos românticos, porém um casal exagerado e infinitamente irritante para velhos e melhores amigos.

Era inacreditável como Harry fora posto claramente em segundo plano. O garoto entendia perfeitamente todos os motivos e sabia que era algo mais que aceitável, normal, mas passar por aquela mudança repentina, embora esperada, era um tanto doloroso.

Acostumara-se com a companhia dos dois aonde quer que fosse. As brigas, discussões e olhares tortos eram sempre habituais quando Ron e Hermione se faziam de bobos e não admitiam que o que sentiam um pelo outro ia um pouco além da amizade. Harry achava até divertido vê-los discutirem por razões infindáveis enquanto sabia que toda aquela tensão entre os dois era apenas uma forma de se protegerem e mostrarem para si mesmos que estavam enganados a respeito de seus sentimentos.

Sempre quis, sinceramente, que os dois acordassem e entendessem seus sentimentos um para com o outro, mas agora, que finalmente haviam se acertado, era um pouco difícil deixar de sentir-se um empecilho na vida dos dois.

Era como se Harry estivesse sempre ali presente para atrapalhar os planos do casal. Para corar furiosamente após um beijo ou qualquer caricia discreta.

Ainda de olhos em Ron e Mione, suspirou, pousando a mão sob o queixo.

- Eu sei como é Harry - disse Cedrico ao seu lado.

Harry assustou-se. Estava entretido de olhos no casal que esquecera parcialmente do almoço ao seu redor.

- Hum? - ele respondeu surpreso.

- Sei como é – continuou - bem chamativo, não é mesmo? Passa. Tenho certeza. Sei que vocês três faziam o trio de melhores amigos, e claro, ainda fazem, mas já era esperado que alguma coisa acontecesse com eles, certo? Nunca fui muito chegado a vocês em Hogwarts, mas as brigas desses dois não poderiam significar nada além disso. Deve ser bem difícil ter que aceitar o lance deles na boa, ser sempre deixado de lado, se tornar intruso em certas ocasiões, não é mesmo?

Era estranho ouvir Cedrico enumerar todas as coisas que o faziam ter vontade de estrangular Rony ou Hermione, como se Cedrico, de alguma forma, estivesse dentro de sua mente perturbada e fosse capaz de compreende-la perfeitamente. Sorriu sem graça, olhando para o chão.

- Acredite! Dê tempo ao tempo e logo logo a situação fica melhor – sussurrou - isso passa, você se acostuma.

Sentiu um imenso arroubo de gratidão por Cedrico ali mesmo. O que ouvira do garoto era o que andava precisando ouvir ultimamente. Estava completamente confuso e enciumado, precisava mais do que nunca de um ombro amigo que o fizesse esquecer dos inesperados ciúmes para com o romance de seus melhores amigos. Sorriu mais uma vez, agora levantando os olhos na altura dos de Cedrico.

- Obrigado cara - disse sorrindo desconcertado - Obrigado.


Os dias seguintes não foram muito diferentes do primeiro. Rony e Hermione passavam todo o tempo que tinham juntos, de chamegos e afagos, chamando Harry para uma ou outra conversa, que este rapidamente recusava com a desculpa de ter algo a sua espera. A verdade é que passava os dias e noites com Cedrico e Gina, conversando, trocando idéias, descobrindo histórias antigas da família Weasley jamais reveladas por Rony ou por nenhum outro Weasley até ali.

Além do recente emprego conquistado por Cedrico em Hogsmead, conversavam sobre famosos campeonatos de quadribol, jogadores considerados lendas no esporte do mundo mágico e times em ascensão. O tempo lá fora não contribuía muito para atividades externas, mas todo o clima aconchegante e as conversas pontilhadas de gargalhadas e brincadeiras faziam Harry sentir-se maravilhosamente bem, aparte a frustração que sentia com o repentino afastamento de Rony e Hermione.

Era divertido estar com eles. Estavam sempre cercados de porcarias e guloseimas, comiam uma coisa ou outra na cozinha da Sra. Weasley, debatiam assuntos polêmicos do ministério com Amos Diggory ou o Sr. Weasley, riam juntos das piadas de Fred e Jorge, das brigas de Gui e Carlinhos, remexiam em todos os cômodos da Toca procurando juntos o que fazerem. Experimentavam com bastante entusiasmo os novos produtos destinados a loja dos gêmeos Weasley, o que fazia Hermione emburrar e torcer o nariz, mas não o suficiente para ralhar ou impedir as brincadeiras dos garotos, já que agora qualquer pedido de Rony era surpreendentemente atendido pela garota e Rony não a queria de cara emburrada ou muito menos supervisionando as artimanhas de Fred e Jorge.

Harry tinha a impressão de que preferia que amiga interviesse, que se mostrasse preocupada com ele ou com os outros dois, mas nem isso a fazia desgrudar-se de Rony, fazendo Harry se perguntar de que forma uma pessoa sensata como Hermione poderia render-se aos caprichos de Rony. Percebia agora um leve tom de reprovação para com o amigo.

As inquietações na cabeça de Harry logo sumiram aquela tarde quando mais uma vez juntou-se a companhia de Cedrico e Gina após o almoço. Cedrico trazia o baralho de cartas nas mãos enquanto tentava convencer Gina de que um jogo de "buraco bruxo" no sótão com o vampiro era o que faltava para realmente animar as férias dos três. Harry e Gina protestaram prontamente, mas as investidas do outro foram tantas que após uma segunda analisada a idéia pareceu-lhes tentadora.

Não era mais que três da tarde quando Gina, convencida por Cedrico, mostrou-lhes a porta que prendia o vampiro no pequeno sótão da casa. Um cheiro forte se desprendia do local e impregnava a área próxima do corredor. Não um cheiro ruim, mas muito forte e enjoativo. Quando aproximaram-se o suficiente da porta para ouvirem qualquer tipo de ruído, um leve tremor perpassou-a, os fazendo retroceder alguns passos. Uma pequena chave enferrujada estava encaixada na fechadura e Gina, por estar mais acostumada a presença da criatura, tomou a dianteira.

Girou a chave tranqüilamente enquanto Harry e Cedrico afastavam-se conscientemente da porta e do cheiro que tornava-se mais notável a cada segundo agora.

Um gemido baixo fez Harry estremecer, virando rapidamente e esboçando uma volta aos andares de baixo, mas fora eficazmente preso por cedrico pela manga do suéter.

- Não vai acovardar agora Harry! - ele murmurou, tentando de alguma maneira passar a mensagem a si mesmo.

Era engraçado como Cedrico parecia tentar proteger os meninos em certas situações. Uma leve sensação de desconforto atingia Harry sempre que o garoto decidia por assim agir. Era como se ele realmente fosse muito mais velho que ele ou Gina, o que Harry sabia não ser verdade.

Gina já estava na metade do pequeno sótão escuro quando os dois garotos a seguiram, apreensivos, tentando não respirar muito o mofo e aquele odor forte que impregnava o local.

Era realmente um quarto minúsculo, sem nenhum tipo de luz. Havia uma cama mal feita junto a parede esquerda e dezenas de livros espalhados pelo chão. Na parede aposta à porta um pequeno armário de duas portas mostrava mais livros e alguns trapos que pendiam amarrotados para fora. No extremo canto esquerdo do quarto, Harry percebeu algo vivo cuja respiração era rápida e marcante.

Cedrico, com uma expressão desafiadora, logo se pôs na frente dos dois, puxando um Harry grudado em seu casaco logo atrás.

- Não vamos fazer mal - alertou cuidadosamente, tentando enxergar algo na escuridão que era o sótão. Harry, prevendo os movimentos da criatura retrocedeu, levando Cedrico e Gina encolher-se automaticamente.

Um gemido forte soou pelo minúsculo quarto e uma mão riscou o ar. A mão de Harry entrelaçou o casaco de Cedrico com mais força.

- Gi...na - disse a criatura vagarosamente, como se arrastando as sílabas em uma voz baixa mas completamente copreensível - Gina - voltou a chamar.

Gina arregalou os olhos estupefata.

- Eu, eu... nunca entrei aqui - ela disse atrás dos dois intrigada. Ainda tinha os olhos arregalados enquanto um sorriso perpassava seu rosto sardento - Como? Como ele sabe meu nome?

Cedrico sorriu divertindo-se. Por alguns instantes, Harry pode ouvir claramente a respiração do ser ali sentado tamanho foi o silêncio que se seguiu.

Após um movimento pesado e descuidado o vampiro levantou-se enquanto os três afastavam-se a passos largos. Curvado, aproximou-se o suficiente para que o estreito feixe de luz que adentrava o sótão por uma brecha na janela o iluminasse.

A pele, aparentemente seca, era pálida como a lua. Tinha cabelos loiros que lhe caiam pelos ombros e continuavam pendendo-se até a cintura. Era magro e bastante alto, por isso o fato de estar curvado. Não caberia confortavelmente no minúsculo quarto se ousasse assumir uma postura mais ereta.

Sorriu mostrando um conjunto de dentes grandes, afiados e amarelos.

- Gina veio visitar o Vampiro - ele disse do mesmo modo arrastado de antes.

A vaga expressão de horror que possuiu o rosto de Gina fez-se mais clara com a rápida aproximação do vampiro. Era quase duas vezes maior que Gina e sua pele pálida e frágil resplandecia em contraste com os cabelos ruivos da garota.

-Ah, eu... - tremia da cabeça aos pés. Rapidamente sua pele assumiu uma tonalidade próxima a da criatura, fazendo seus cabelos inflamarem com o brusco contraste. Olhou de esguelha para Harry e Cedrico, sem saber o que exatamente dizer.

O Vampiro pareceu entender a resposta corporal da garota e rapidamente sacou os dentes para fora, gemendo. Dois caninos brilhosos e pontiagudos fizeram-se notar quando a criatura arreganhou a boca e estendeu uma mão na direção dos garotos.

- Não queremos incomodar - disse Cedrico em desespero ao lado de Harry, a mão do garoto ainda presa em seu casaco.

Com um movimento rápido os três destacaram finalmente os pés do chão e dispararam em direção a porta, trancando-a com certa violência quando o último velozmente cruzou-a.

Os urros lá de dentro vinham fortes em direção a porta trancada, fazendo Harry pensar que se algum deles ainda estivesse lá dentro provavelmente acabaria surdo.

Pálidos e arfantes, apoiando-se na parede do corredor oposta a porta, Harry, Cedrico e Gina entreolhavam-se.

- De quem foi a idéia? - perguntou por fim Cedrico com dificuldade.

- Sua! -riu-se Harry, as mãos no peito sentindo as batidas violentas tomarem conta de todo o seu corpo.

- Não, não, não! Digo a idéia de prender uma besta dessas aqui!

Gina sorriu balançando a cabeça.

- Ele esta ai desde que nasci, não me perguntem como ou o porque.

- Por Merlin! E quanto tempo não toma um banho? Oh, que horrível!

Harry e Gina gargalharam, Gina tomando a dianteira descendo as escadas. Logo Harry empurrou Cedrico pelas costas a fim de seguirem a garota para o andar de baixo, um sorriso em seu rosto, pensando que o sótão dos Weasley seria definitivamente o último lugar no mundo para disputarem uma partida de buraco bruxo.


Não demorou muito para que todos se sentassem à mesa aquela noite e terem um jantar maravilhoso, ponteado de risadas, elogios e piadas. O caldeirão de sopa de cebola fora praticamente devorado em segundos quando fora devidamente servido pela Sra. Weasley. Harry, Cedrico e Gina, embora sorrissem e participassem das conversas centrais, pareciam exaustos e dispersos. Harry nem mesmo percebera a ausência de Rony e Hermione no jantar quando finalmente se levantou despedindo-se de todos e partindo para o quarto.

Subiu as escadas com os olhos pregados nos degraus, um sorriso bobo tomando conta do rosto. Sabia que tanto Gina como Cedrico, quando fossem para seus respectivos quartos, de alguma forma também pensariam no sótão e no vampiro e em todos os dias que passaram juntos até ali na Toca. Harry teve quase certeza de que também teriam um sorriso bobo como o seu em seus lábios. Por um instante, ao cruzar a porta do quarto, sentiu um leve aperto no coração, como se toda aquela repentina alegria fosse algo que não lhe pertencesse ou algo que logo mais tarde fosse lhe fazer mal.

"Não" pensou angustiado, jogando-se na cama de barriga para cima. Já sem tênis e sem as meias, deitou-se confortavelmente mirando o teto.

"Não" repetiu. "Não os esqueci, muito menos os troquei por Gina e Cedrico. Eles sim me trocaram um pelo outro. Se a culpa de toda essa história for de alguém haverá de ser deles. Eu... só estou me divertindo, não é mesmo? Me divirto com novos amigos enquanto os dois passam dia e noite de cochichos, carinhos e segredos".

Doeu-lhe de certa forma pensar que a falta que seus amigos lhe faziam já não era a mesma desde o começo das férias natalinas e das brincadeiras com Cedrico e Gina. Não se sentia mais deslocado e muito menos intruso. Era espantosamente incrível como não conseguia deixar de sorrir ou até mesmo gargalhar quando estava perto dos dois, enquanto seu inconsciente, bem lá no fundo, ainda gritava a plenos pulmões que o local onde ele realmente deveria estar era pelos cantos, sozinho, resmungando aborrecido, ainda tentando fazer-se ser notado por Rony ou Hermione. Fechou os olhos e ajeitando o travesseiro deitou-se de lado.

Adormecera logo em alguns minutos, ainda sem assimilar que toda aquela angústia que sentia quando pensava em Rony ou Hermione não era mais proveniente do aborrecimento com o romance dos dois, adormecera ainda sem consciência de que aquele natal nos Weasley estava muito perto de mudar sua vida por completo e que aquela mesma angústia que o atacava misteriosamente a noite na Toca, por vezes o fazendo ficar acordado madrugada após madrugada revirando-se na cama, estava exatamente ligada a isso.

N.A.: Heeey! Primeira fic que eu escrevo e o título é baseado em uma música da Melanie C. Espero que gostem.