CAPÍTULO 1: ENCONTRE O GNOMO
De novo. Mais uma vez a cena se repetia. Estava chovendo, uma garoa fina, um vento cortante, típico de um dia triste de livro. Uma multidão de casacos pretos, guardas-chuva escuros e lenços na mão. Dezenas de caras tristes, choro por todo lado. Eu nem sabia mais a quantos velórios tinha comparecido nos últimos meses. Mas aquele era diferente, aquele era especial, sofrido, como outros poucos. Aquele não era o enterro de um auror qualquer. Era o enterro do meu melhor amigo: Rony Weasley.
Depois do enterro todos voltamos para o Largo Grimmauld, sede da Ordem da Fênix. O último suspiro dos bruxos contrários a Voldemort. Por um ínfimo instante eu achei que não precisaria mais passar por tudo aquilo. Achei que esse inferno acabaria no ano em que eu e meus inseparáveis amigos não pudemos voltar a Hogwarts.
Saímos numa caçada inútil por Voldemort. Voltamos para casa semanas depois, muito feridos, cansados e sem acreditar que ainda estávamos vivos. Nossa aventura não teve sucesso em destruí-lo, mas pelo menos descobrimos onde ele esconde a última e fatídica horcruxe. O problema é que ele a protege bem demais. Faz oito anos que tentamos roubá-la, mas sem sucesso. Enquanto isso sou obrigado a assistir meus amigos morrerem um a um. Não sei até quando vou agüentar.
Enquanto eu sentia pena de mim mesmo por ser um pobre infeliz, sem pais, do qual todas as pessoas importantes eram tiradas e tendo certeza de que não poderia haver no mundo pessoa mais infeliz que eu, Hermione veio se juntar a mim. Eu não entendia como ela podia se manter tão forte.
Ela se sentou ao meu lado com dificuldade, sem dizer nada. Não havia palavras a serem ditas. Eu não tinha coragem para olhá-la. Não queria mostrar que ainda estava chorando porque nem ela estava mais. E ninguém mais teria tantos motivos para chorar quanto ela. Rony estava morto, e ela grávida de oito meses e meio. Então ela segurou a minha mão e disse:
Não precisa ter vergonha de chorar, Harry... – sua voz estava embargada. – Chore o quanto você quiser, chore até não agüentar mais. Eu também já chorei bastante, e sei que ainda vou chorar muito durante a noite, depois que eu me deitar. Só não podemos chorar para sempre. Ele não ia querer que nos esquecêssemos da nossa missão. Temos que continuar por ele e por todos os outros.
Até quando, Hermione? – falei pela primeira vez, tentando controlar minha voz.
Até acabarmos com Voldemort. Até nos vingarmos por todas as pessoas que ele nos tirou!
Não sei se ainda tenho forças... Eu não agüento mais ver as pessoas que eu amo morrerem desse jeito! – desabafei. – Primeiro meus pais, que eu nem conheci, depois Sírios, Dumbledore, Gina, agora o Rony! Eu não agüento mais ir a velórios, ver pessoas chorando porque perderam esse ou aquele! Estou me sentindo fraco! Não sei como é que você está agüentando essa situação! Revolta-me saber que essa criança que você está esperando não vai ter a chance de conhecer o cara incrível que foi o pai dela! O Rony estava tão cheio de planos para esse garoto! Eu não me conformo! – eu me levantei e soquei a mureta em que estivera sentado. O que só serviu para abrir um corte em minha mão e me fazer sentir mais dor ainda. Dor física dessa vez.
É justamente por causa do Derek que eu estou parecendo tão forte. – ela disse calmamente, conjurando bandagens para por em minha mão. – Eu li uma vez que os bebês são capazes de sentir o que as mães sentem. Tenho certeza que ele está sentindo o quanto eu estou triste, mas eu não posso sucumbir a essa dor porque ele precisa de mim, e eu quero continuar ao lado dele para poder contar o quão incrível o pai dele foi! E o quanto ele o amava! – ela terminou o curativo e sorriu, mas tinha lágrimas nos olhos. – Se não fosse por ele eu não sei se agüentaria... – ela chorou. E eu me senti culpado por fazê-la reviver aquela dor que ela tinha conseguido controlar. Eu a abracei e chorei também.
Quando todas as luzes da casa se apagaram e o silêncio dominou a noite, eu não consegui pegar no sono. Na verdade eu tinha certeza que ninguém tinha conseguido dormir. Todos estavam muito abalados. Era a terceira morte de um auror em três dias. Se continuasse daquele jeito perderíamos a batalha facilmente. Os comensais conseguiam nos afetar com muito mais eficiência do que nós a eles. Para cada comensal que matávamos ou prendíamos, dois aurores eram perdidos.
Eu fechava os olhos e via Rony me contando que Hermione ganhara a discussão a cerca do nome do bebê, mas que ele ainda conseguiria convencê-la a acrescentar o nome dele ao garoto.
Derek Ronald Weasley! Nada mais justo, você não acha?
Virei de lado tentando forçar as lágrimas a não rolarem. Tentei dormir de novo, mas então a imagem de Gina me vinha à cabeça. A pele pálida, os olhos abertos e estáticos, sem brilho, o corpo gelado. Para acompanhar, a risada fria de Draco Malfoy. Meu único consolo foi que eu consegui acabar com ele naquele dia. Não me orgulho de tê-lo feito sofrer muito antes de morrer, agi como um comensal agiria, mas agora estava feito. A lembrança daquele dia martelava em minha cabeça todas as noites. O arrependimento por nunca ter dito a ela o quanto eu a amava.
Eu estava caminhando por um corredor da Ordem. Estava preocupado com nossas últimas derrotas. Havíamos capturado dois comensais no dia anterior e Rony os estava interrogando. Estávamos perto de arrancar informações cruciais deles, mas os homens eram resistentes. Nunca havia visto Rony tão calmo como naquele dia. Os comensais não cooperavam. Eu sempre fui contra usar tortura para conseguir informações, mas naquele dia eu estava quase fazendo isso. Rony, com toda calma, me convenceu a dar uma volta, esfriar a cabeça enquanto ele continuava o interrogatório. Achei que seria mesmo melhor seguir seu conselho.
Saí para tomar um ar. O clima estava pesado porque havíamos recebido uma informação sigilosa a respeito de uma reunião secreta de alguns bruxos que diziam não fazer parte do grupo de Voldemort. Era uma facção nova. Queriam nos ajudar a acabar com os comensais da morte para poderem assumir o poder. O problema é que aquela era uma época em que não se podia confiar em ninguém. De cabeça quente eu caminhei a esmo. Parei apenas quando ouvi a voz dela num cômodo qualquer. Mais calmo, resolvi vê-la. Só ela seria capaz de me animar aquele dia, mas ela também parecia nervosa.
b Flashback /b
E agora? – ela dizia. – O que eu vou fazer agora Luna? Isso não podia ter acontecido!
Calma Gina! Para tudo dá-se um jeito! – Luna respondeu calmamente.
Mas Luna! Quando ele...
Harry! – alguém me chamou e eu não pude ouvir o final da frase. – Que bom que eu te achei! – olhei para trás e vi que era Neville quem me chamara.
O que houve? – perguntei preocupado com o semblante dele.
Rony conseguiu! O cara falou tudo!
Ótimo! Vamos mandar alguns aurores até lá então! – falei entusiasmado.
b Fim do flashback /b
Corri para onde Rony estava e desisti de falar com Gina. Se eu soubesse que no fim daquela tarde eu estaria chorando sobre seu corpo e torturando Malfoy pelo que fez, eu jamais teria deixado de falar com ela. Nem que fosse apenas um 'olá', um último beijo... Luna também morreu naquele dia, portanto eu nunca pude saber o que a preocupava tanto. Senti-me pior ainda. Gina estava com um problema e eu não a ajudei a resolvê-lo, pior, eu a escalei para aquela missão. Ela ia atrás dos caras da outra facção, mas achei que seria mais seguro mandá-la para onde os comensais estavam. Só que era uma cilada.
Do meu erro resultou também a morte de Rony. Aconteceu apenas algumas semanas depois que Gina morreu. Alguns trouxas haviam sido mortos e o ministério trouxa pediu ajuda ao ministério da magia para resolver o caso. Eles mandaram que seus melhores aurores fossem até lá, disfarçados de policiais, para analisar o caso. Rony liderava o grupo, já que era habituado aos costumes trouxas. Alguns comensais também vigiavam o local, de longe. Sabiam que os aurores seriam chamados e queriam acompanhar de perto, para ter certeza de que eles não conseguiriam encontrar nada. Entre esses comensais estava Pansy Parkinson, a namorada de Draco Malfoy.
Ela sabia da importância de Rony para mim, todos sabiam, ele era como um irmão. Ela também sabia que eu havia matado Draco. Ela sabia que eu o havia mutilado, tamanha minha raiva. Ela fez o mesmo com Rony. Deixou-o irreconhecível, pelo menos foi o que disseram. Hermione, eu e a sra Weasley não pudemos ver seu corpo. Ele foi velado em caixão lacrado, mas se Pansy havia usado a mesma técnica que eu, então eu sabia como ele havia ficado.
Pansy foi neutralizada naquele mesmo dia. Um esquadrão do ministério foi mandado até lá para isolar a área e apagar a memória dos policiais trouxas que viram Rony ser ferido de repente. Pansy se matou na prisão assim que foi deixada sozinha. A guerra estava acabando conosco. Estávamos todos perdendo o controle. Até eles, que haviam começado com tudo aquilo, estavam perdendo a sanidade, a ponto de tirarem a própria vida.
Sem agüentar o peso das lembranças resolvi deixar o quarto. A madrugada estava muito mais fria do que o dia esteve, mas eu não ligava. Internamente torcia para pegar uma pneumonia galopante e morrer no meio da noite para que todo aquele sofrimento acabasse. Fui até a cozinha pegar um copo d'água e saí para o quintal pela porta dos fundos. O céu estava extremamente estrelado aquela noite. Me peguei lembrando das lendas trouxas que diziam que as pessoas que amávamos viravam estrelas quando morriam e ficavam nos velando eternamente.
Eu preferia que as estrelas não existissem... – sussurrei num desabafo.
Tomei o último gole da água que estava no copo e fui andar pelo jardim. Foi a primeira vez que eu dei atenção a praça que ficava na frente da casa. Resolvi ir até lá. Se a sra Weasley tivesse descoberto que eu saí da mansão Black no meio da madrugada, sozinho ela teria tido um infarto, mas eu não pensei nesse fato àquela hora. Apenas me dirigi à pracinha e fiquei caminhando por entre suas árvores e seus bancos de pedra. Sem perceber cheguei bem ao centro dela, onde havia uma fonte de onde não saía mais água. Admirei-a com pena. Se ainda jorrasse seria um monumento bonito de se admirar. Andei em torno dela para ver se encontrava algum registro, algum sinal de que ela ainda funcionava e então vi uma inscrição, muito apagada, por sinal. Esforcei-me para ler, mas a noite estava muito escura. Olhei para todos os lados e acendi a ponta da minha varinha. Se era imprudente sair de casa de madrugada, mais imprudente ainda seria usar magia de madrugada, mas mais uma vez eu não pensei no assunto. Passei a claridade pela placa e pude ler:
"Encontre o gnomo e terá direito a três desejos!" Ri.
Mas que patético! Isso só pode ser coisa de trouxas!
Mas a curiosidade falou mais alto e eu resolvi procurar o tal gnomo. Passei a varinha em torno de toda a fonte e não encontrei nada que se parecesse com um gnomo trouxa. Voltei até onde estava a placa e a li de novo: "Encontre o gnomo e terá direito a três desejos!"
Afastei-me um pouco para poder ver a fonte como um todo. De repente era uma daquelas obras que você só entende quando a vê de longe. O pior é que deu certo!
A decoração da fonte era de uma paisagem muito bonita. Um jardim ensolarado e cheio de figuras fantásticas: fadas, anjos, anões, vários bichinhos de todos os tamanhos e um gnomo!
Gnomos? – perguntei a mim mesmo. Aproximei-me da fonte e constatei: era mesmo um gnomo. Mas não um gnomo como os trouxas o viam, como pequenos papais noéis. Era um gnomo feio e esverdeado, como os que existiam n'A Toca e no Largo Grimmauld. – Então isso é obra de um bruxo! – exclamei e continuei admirando a obra. Reparando melhor percebi que alguns dos seres que apareciam ali eu só havia conhecido depois de entrar para o mundo bruxo. – Que bizarro! – pensei. – Bem que eu gostaria de ter um desejo realizado... – fiquei encarando o gnominho feioso. – Se eu pudesse voltaria no tempo para mudar tudo que aconteceu... – suspirei.
Então surgiu uma claridade enorme em volta da fonte, e eu tive certeza de que estava sendo atacado por comensais. Só então me dei conta da imprudência de ter saído sozinho. Estava ferrado, mas não apareceu comensal nenhum. A praça continuava em silêncio, só cortado por um barulho de água caindo. Imaginei então que a claridade fosse um relâmpago e que tivesse recomeçado a chover, mas eu não sentia a chuva me molhar. Então eu reparei na fonte. Ela havia começado a jorrar novamente. Acostumado a ver coisas estranhas acontecerem, e sem me lembrar que não "se deve confiar naquilo o qual você não consegue ver onde está o cérebro", me aproximei da fonte e estendi o braço para deixar a água escorrer pelas minhas mãos.
Minha mão começou a doer, tão fria estava a água. Até aí nada de estranho, não fosse o fato de que, conforme a dor desaparecia, o frio parecia se espalhar pelo meu corpo. Eu puxei minha mão de volta para me livrar daquela sensação, mas ela estava presa!
Presa na água? Como pode?!
Então eu notei que meu braço estava molhado, mas eu não o havia colocado em baixo d'água. Entretanto ele estava molhado, e ficava cada vez mais. Era como se a água da fonte fosse subindo pelo meu braço e se espalhando por todo meu corpo, junto com o frio que ia aumentando. Desesperei-me achando que a fonte havia sido enfeitiçada por comensais. Tentei desesperadamente escapar, mas quanto mais eu lutava, mais preso eu ficava.
Sem mais forças eu desisti, e fui sugado para dentro da fonte. Foi como se eu estivesse mergulhando cada vez mais fundo num oceano muito gelado. Comecei a me desesperar achando que morreria afogado. Ao mesmo tempo pensava na repercussão que aquilo teria: Harry Potter, o menino que sobreviveu, morto afogado numa fonte de praça. Patético. Eu sentia a pressão aumentar a cada segundo. Quando achei que meus tímpanos iam estourar, a pressão cessou.
De repente ficou tudo claro e eu me vi caído, de pijama, numa praça que eu nunca tinha visto na vida. Levantei-me sem ligar para as caras de reprovação que alguns transeuntes me dispensavam, achando que eu fosse um jovem que caíra de tão bêbado e dormiu por ali mesmo. Andei um pouco procurando alguma placa que pudesse me dizer onde eu estava. Nada. Até que algo me chamou atenção: um grupo de pessoas estranhamente vestidas, cinco, na verdade. Quatro homens, que andavam em formação e olhando para todos os lados, cautelosos. Entre eles ia uma mulher, de cabelo acaju, empurrando um carrinho de bebê. Direcionei minha atenção novamente aos homens que estavam ao redor, e então meu coração perdeu o compasso. Eu esfreguei os olhos para ter certeza de que tinha visto certo: eram os marotos! Bem mais novos, é verdade. Almofadinhas, Pontas, Rabicho e Aluado. A mulher que ia ao centro, Lily Potter, o bebê no carrinho, eu!
