À francesa

Capítulo I: Dúvidas e turbulência

Eram 06:30 da manhã e ainda estávamos em território francês. Mais precisamente em Paris, no aeroporto Charles de Gaulle, mais precisamente ainda, dentro do Airbus da Air France. Fazia pouco tempo que havíamos entrado no avião, eu Katty, Marine e Ana. Katty havia sentado ao meu lado, seguida de Marine e Ana, na janela; o que me fez ficar na ponta oposta da janela, não por acaso. Eu nunca fui fã de altura e aviões... bem, aviões me davam arrepios. Quando eu era menor, voos me deixavam bastante desconfortável, a ponto de me fazerem chorar antes da decolagem e precisar apertar firme a mão de minha mãe durante ela.

Velhos tempos... Na época, quando tinha meus 9 ou 10 anos, eu não podia imaginar a guinada que minha vida tomaria alguns anos depois. Não imaginaria que formaria uma banda e que essa banda faria sucesso, me obrigando a simplesmente não parar por mais de dois dias no mesmo lugar. Está certo que nossas viagens eram em sua maioria por terra e aliás, "por França". Arriscávamos uma vez ou outra tocar em algum festival na Espanha, ou Inglaterra. Mas nossas turnês continuavam tímidas em sua maioria, afinal nós tínhamos e não tínhamos sucesso. Isso era engraçado, mas real. Por um lado tínhamos fãs obcecados, e por outro, uma multidão nos desconhecia. Era uma surpresa sair na rua sem pretensão, nunca sabíamos se teríamos de dar autógrafos e tirar fotos ou não; apesar de eu preferir passar totalmente invisível nesses casos. A situação das Plastiscines era de fato, engraçada. E a nossa reação a isso era um pouco aos trancos e barrancos, falando por mim (e posso garantir que as meninas compartilham esse mesmo pensamento comigo), eu não sabia ser famosa, eu não sabia me portar como um "ídolo", o que muitos dos fãs talvez esperassem de nós. Isso me assustava o pouco, na realidade.

Era estranho, mas ultimamente eu andava tentando refrear algumas coisas na minha vida que me davam a leve sensação de já serem irrefreáveis. Estarem num ponto sem volta. Okay, eu que fui atrás delas, com meus 16 anos e muita timidez nas costas simplesmente dizer "quero ser a baixista da banda de vocês". Eu nunca nem sequer tinha visto um baixo pessoalmente naquela ocasião! Aliás, até tinha. Mas ele no palco e eu no público. De longe, sabem? Porque de instrumento, a única coisa que eu tocava era harpa. Erudito, não? Pois é, a Louise de alguns anos atrás nem lembraria de perto o que me tornei. E eu só precisava decidir se isso era bom ou não.

Meus pensamentos foram interrompidos quando soou no avião uma voz feminina, anunciando a decolagem em cinco minutos, com a ordem para os passageiros colocarem os cintos. Meu coração deu uma batida estranha com isso e eu senti minhas mãos um pouco suadas repentinamente, mas isso não era nem de perto meus escândalos infantis. Coloquei meu cinto sem maiores problemas e olhei para o lado por reflexo, me deparando com uma Katty entediada, já de cinto.

–Você ficava bem mais nervosa do que isso antes, lembra? – ela comentou, abrindo um sorriso, um pouco tedioso também.

–Aprendi a controlar... ou melhor, a esconder – respondi, dando de ombros com um sorrisinho de volta. Katty era minha melhor amiga, mas eu sabia que viagens de avião eram quase como um retiro espiritual para ela. Ela não gostava muito de falar e eu soube que ela havia falado por ter notado algo estranho em mim. Provavelmente dessa vez, eu tenha aparentado um maior nervosismo. E um nervosismo real.

–Louise, está tudo bem? – Katty me perguntou com aquela expressão astuta que só ela tinha, com a sobrancelha levemente erguida.

–Por que não estaria, Katty? – eu rebati quase na mesma hora. Rápido demais para parecer sincero e lógico, Katty percebeu.

–Porque você não é tão tensa assim, nem dentro de um avião. Aconteceu alguma coisa com Jean, ou algo do gênero? – Katty insistiu e novamente a voz soou no avião, primeiro em francês e em seguida em inglês. O avião decolaria a qualquer momento.

–Não, nada a ver, estamos ótimos... – respondi, com sinceridade. Eu sabia que estava estranha, só não sabia como pôr isso em palavras. Eu nem sabia o porquê! A única explicação que me vinha a mente era "medo do novo" ou "passos do tamanho das pernas". Talvez tocar nos bares de Paris fosse bem mais palpável do que essa nova etapa.

–Então o que é? Eu te conheço – e eu a conhecia. Enquanto eu não desse no mínimo uma ficha técnica de todas minhas sensações e as explicasse tópico por tópico, Katty continuaria a me olhar daquele jeito... Inexpressiva e de olhos esbugalhados. Nunca conheci no mundo alguém com tal poder de persuasão, fato!

Senti o avião trafegando na pista e sua velocidade ir aumentando pouco a pouco, até que meu corpo colou na poltrona e meu estômago deu um nó. Segurar nos braços da poltrona me fez agüentar melhor a subida, até que a sensação de estar com as costas prensadas na espalda por uma força invisível acabou, e eu novamente relaxei. Sério, decolagens me enjoavam de verdade, principalmente tão cedo da manhã. Voltamos a ouvir a voz feminina no avião e retiramos o cinto, Katty pacientemente aguardando pela minha resposta; dei um suspiro e tornei a olhá-la.

–Não sei, acordei assim hoje, acho que tem a ver com as gravações – expliquei, tentando realmente entender o porquê de estar tão blasé.

–Com o McFLY? Louise, já conversamos sobre isso, todas nós no fim cedemos, mas se soubesse que estava tão incomodada, não teríamos fechado contrato!

–Não, mas não estou incomodada! É só... – perto de uma pessoa tão forte e decidida como Katty, eu me sentia inferior por sentir insegurança ou "medo do novo" e falar sobre isso era ainda pior – eles são bem famosos, certo? Nosso estilo é um pouco diferente, as fãs deles... entende? Podemos ser apedrejadas.

Katty deu uma risadinha meio incrédula ao me ouvir. Marine se mexeu na poltrona e virou para nosso lado, ao ouvir a risada, mas os fones imensos na orelhas e o sorriso lúdico de quem está totalmente boiando acusaram-na de não ter ouvido nada da conversa. Melhor. Marine era tão minha amiga quanto Katty, mas se é que me entendem, eu não estava muito a fim de compartilhar medos idiotas com muitas pessoas naquela hora.

–Louise, não seja besta! – Katty começou. Era besta, eu sei, mas inconsciente, vai explicar. Alguém consegue controlar reações de luta ou fuga quando fica nervoso? Então, é mais ou menos assim – as fãs deles não precisam nos amar para não nos atirar pedras. Só gravaremos uma música, é um simples dueto!

–E faremos shows, abriremos o shows deles na França quando estiverem em turnê... Mas talvez nem sejam só as fãs – tentei me retificar para parecer menos idiota, se Marine tivesse ouvido eu passaria a ser "Louise, a baixista com medos de fãs" – é sobre estarmos realmente no olho do... furacão?

Katty franziu as sobrancelhas e me olhou mais profundamente.

–Explica.

–Ah... gravando com McFLY vamos ser projetadas e eu não sei se estou realmente preparada para isso, é só insegurança, Katty, vai passar – falei diretamente com intenção de encerrar o assunto. Ela pareceu entender, ficou alguns segundos em silêncio, pensativa.

–Também tenho medo da fama – ela disse, simplesmente, o que me pegou extremamente de surpresa – tenho medo de que possamos perder nossa identidade e sequer percebamos isso, medo de aceitar todas as propostas "irrecusáveis", como esse dueto com McFLY, medo de estarmos sendo manipuladas e o nosso sonho de fazer a nossa música se perca pelo caminho. E medo de colocar em risco nossa amizade no meio de tudo isso.

Oui, oui,eu estava presenciando um desabafo de Katty Besnard, ao vivo, em tempo real e a cores. Incrível! E é lógico que fiquei tão estupefata que nem soube o que responder de imediato, o que a fez retomar a fala:

–Mas em compensação, Louise, nunca tive tanta sede na vida de continuar com tudo isso. De zerar, chegar ao final do que nos espera esses anos todos buscando algo concreto como banda... As coisas estão cada vez menos dispersas e isso me atiça a ser melhor e mais objetiva no que faço, tenho certeza que esse encontro com McFLY vai mudar as nossas vidas. E te juro que vou fazer de tudo para mudar a deles também.

Sério, conversar papos-cabeças com a Katty era assinar atestado de incapacidade mental. Ela era apenas um ano mais velha que eu, mas a sensação era de como se ela fosse minha mãe. Por um segundo vi uma Katty mais humana, se referindo à carreira. Uma respiração e meia depois ela me vinha com uma facadas dessas, me fazendo ficar encarando-a meio abobadamente, mais uma vez sem resposta. Sem dúvidas, ela era superior.

Não bastasse isso, depois de todo o sermão, ela simplesmente virou o rosto pra frente e ficou assim mesmo, olhando o nada, inexpressiva e em silêncio. Ela havia falado tudo e sequer esperava resposta de minha parte... é. Me empolerei melhor na poltrona e também olhei para frente, pensativa de um modo diferente.

Queria dizer então que medo e satisfação andavam juntos nessa questão? Pelo que Katty quis dizer, era inevitável não sentir medo, mas ao mesmo tempo vinha em contrapartida a sensação de querer mais e mais fama e reconhecimento; por nosso esforço e talento.

Suspirei e desisti de pensar no assunto.

O quanto eu estava insuportável nesse dia, mon Dieu; as longas uma hora e quinze minutos que separavam Paris de Londres por via aérea seriam praticamente insuportáveis comigo mesma. Eu precisava de um cigarro e de uma boa e velha Heineken, mas como não tinha nem um, nem outro, optei por colocar os fones e ligar meu iPod. Com uma novidade: era McFLY que estava tocando nele.