Pergunta ao Aletiómetro

por Ireth Hollow



O tempo passa, as estações mudam, as crianças crescem. E, contudo, a dor não se atenua, as recordações não se esfumam, o amor não morre.

Lyra seguiu com a sua vida, sim. Desistir não era uma opção, nem sequer um desejo. Mas isso não significava que ela não pensasse em Will, ou que desejasse nunca o ter conhecido. Não, ele estava sempre no seu pensamento e o que eles tinham vivido juntos reflectia-se em cada gesto seu. Até na sua vontade de retomar a capacidade de ler o aletiómetro.

Embora não o admitisse a ninguém, estava consciente de que os enormes progressos que fizera se deviam exclusivamente à sua intenção de reencontrar Will. Secretamente, alimentava a esperança de interrogar o pequeno instrumento acerca do seu amado. Queria saber como é que ele estava, se se tinha safado bem sem ela, se a esquecera, …

– Pergunta ao aletiómetro! – sugeria Pan, sempre que ela deixava escapar um suspiro nostálgico.

E, apesar de o seu génio se limitar a ecoar os seus próprios pensamentos, Lyra recusava sempre aquela proposta, receando as possíveis respostas. E se descobrisse que algo de mal lhe sucedera? E se ele já se tivesse esquecido dela? E se nunca mais o pudesse ver?

Talvez viver na incerteza fosse, afinal, preferível a estar na posse de uma verdade que odiaria e com a qual seria muito difícil lidar.

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A paciência nunca fora o seu forte. Nem mesmo o passar dos anos e a maturidade que com eles adquirira tinham conseguido alterar esse traço da sua personalidade. Mais cedo ou mais tarde, cederia às muito tentadoras propostas de Pan… Porquê continuar a adiar o inevitável?

As suas mãos não se moviam com a agilidade de outrora, no entanto, era consideravelmente mais rápida do que os restantes utilizadores do leitor de símbolos. Não demorou muito a alinhar os ponteiros com os símbolos pretendidos, até formular a pergunta que há tanto tempo lhe queimava a garganta.

Voltarei a ver Will?

O seu coração batia desenfreadamente, dificultando-lhe o ritmo respiratório. As suas mãos tremiam levemente, impedindo-a de seguir com exactidão o percurso do ponteiro.

Desviou o olhar do aletiómetro, numa tentativa de se acalmar. Voltaria a fazer aquela mesma pergunta, logo que a sua respiração se normalizasse, e veria a tão aguardada resposta. Só precisava de esperar mais uns minutos e, depois, ficaria livre daquela angústia.

Mas o que sucederia se a sequência de imagens indicasse um não indubitável? Como seria acordar todas as manhãs sem a esperança de voltar a ver aquela face que tanto amava? Como seria adormecer todas as noites sem a expectativa de sentir a mão dele sobre a sua, de novo?

Como seria viver sem o alento que a fazia desejar pelo amanhã?

Antes que os seus receios a impedissem de manusear o instrumento e com a forma quente e expectante de Pan no seu colo, deixou que as suas mãos repetissem a pergunta que revelaria o seu destino. Porém, mais uma vez, foi incapaz de ler a réplica, não por causa das reacções do seu corpo à ansiedade; fora uma decisão totalmente consciente.

Não estava disposta a perder a força que a fé lhe trouxera, mesmo que isso implicasse viver para sempre na dúvida. Pan compreenderia, de certo. Ou talvez já o tivesse feito, ao mesmo tempo que ela – o vínculo que os ligava podia já não ser físico, mas seria sempre emocional.

Assim, a rapariga e o génio-marta viraram as costas à mesa onde o aletiómetro jazia, sem relancear o olhar por cima do ombro, sem saber que os ponteiros apontavam para um sim esperançoso.


N/a: Se achar que vale a pena, deixe um comentário. É de lembrar que não escrevo com qualquer fim lucrativo, apenas para meu (e vosso, espero) divertimento.