Capítulo 1 - Narcisa Malfoy
O quarto era escuro, mas não porque as cortinas estivessem fechadas naquela manhã. A escuridão era questão estética, um gosto peculiar de seu dono. E é lógico que ela sabia que era pela vontade dele que tudo parecia tão sombrio. Ela já havia se envolvido o suficiente para saber que se o quarto fosse diferente não seria dele.
Ele, do outro lado do quarto percebia com fascínio o contraste entre ela e as paredes, o teto, a mobília e as janelas. Ela era tão viva, a única existência portadora de alguma cor e de alguma ação naquele quarto.
Cabelos vermelhos. E a pele branca tão pintada que daquele ângulo e sob aquela luz (ou falta de) estava levemente rosada. Um tom vivo, como numa pintura surrealista.
Mas o que importava para ele era o que ela estava fazendo ali.
Por mais que fosse seu sonho recém descoberto tê-la ali, o momento não era muito propício, afinal, havia outra mulher na casa, que exigiria no mínimo satisfações ao ver Gina Weasley naquela casa. Infelizmente essa mulher era sua mãe, ainda orgulhosa, mesmo depois de tudo que a guerra tinha feito a ela e a seu filho. Mas acima de tudo, ela era preocupada com ele. E ele sabia disso.
Ele não podia ser visto por sua mãe sob aquelas circustâncias: em sua própria casa, vestido pela metade, no seu quarto, com uma Weasley lhe dando ordens sobre o trabalho degradante que nem ele nem a mãe queriam aceitar, mas apenas o fizeram pela necessidade do momento. Era melhor ele dar um jeito de calar aquela boca logo.
-Malfoy, eu sei que eu prometi a mim mesma que só viria até aqui em último caso, mas essa é uma situação de emergência. Você me disse que ia terminar todos os relatórios até ontem, e agora pela manhã quando chego ao escritório o que encontro? Nada. – Ele começou a puxá-la para fora do quarto, pelo braço. Ela havia se incomodado com a situação de estar sendo comandada por um Malfoy, seu subordinado, mas isso não a fizera se calar.
-Você é um incompetente, Malfoy! E eu só não te coloco na rua porque foi você a única pessoa que visitou e vistoriou aquele prédio junto comigo. Você precisa fazer os relatórios. Você é a única pessoa que poderá fazer isso.
Eles ouviram uma movimentação estranha no andar de cima. Draco sabia ser Narcisa. Agora era uma questão de segundos até que ela descobrisse que a Maldita Weasley era sua chefe e que ele era empregado de alguém, e não um chefe de departamento do ministério como ele tinha dito à mãe, que concordara a contragosto com o fato de o filho trabalhar para alguém.
-Droga, Weasley, porque não se cala?
A cor das sardas agora era a mesma de todo o rosto, ele podia ver mesmo no escuro do cômodo que estavam atravessando para levá-la para fora da mansão.
-Malfoy! Isso é um absurdo. Eu sou sua chefe. Não bastasse seu total desprezo às minhas regras ainda ouço seus desaforos! Não sou obrigada a passar por isso, e como já disse, você me deve um trabalho. Nós estamos em uma hierarquia!
O velho discurso sobre a hierarquia. De certa forma, fora esse discurso ou sermão que o fizera se encantar pelas sardas, o cabelo e principalmente pelo decote, quando os botões das camisas que ela tanto gostava de usar estavam abertos. Desde pequeno, dos sermões que recebia de Narcisa Malfoy, ele nunca se deixara levar pelo assunto. Eram palavras demais, e ele precisava era de gestos e atos para chamar sua atenção. E no caso de Gina Weasley, os botões abertos lhe chamavam mais atenção que as ordens que ela recebia que deveriam ser passadas a ele para que finalmente ela as pudesse cumprir. De um modo estranho e secreto, sua parte favorita de trabalhar era sentar relaxado em sua poltrona de couro enquanto ela se portava a sua frente enumerando os defeitos dele e fazendo discursos longos e prolixos.
-Certo, Weasley. Já sei que estamos em uma hierarquia, mas isso é quando trabalhamos, e agora estamos na minha casa, que por sinal, tem outra hierarquia, onde eu mando você sair e você sai.
Ele então deu um ultimo empurrão nela e ela foi parar no jardim. Draco então fechou a porta de si e a encarou, para reforçar sua fala.
Ela suspirou, considerando as suas possibilidades, afinal, ela estava mesmo na casa dele, na qual entrara sem aviso e sem ser bem vinda, mas ele lhe devia algo, uma coisa importante, assunto de trabalho. Ela não iria até lá se não fosse nada urgente.
-Escute, Malfoy. Vou te dar uma chance. Eu sei que você tem sua vida cara para sustentar e, portanto precisa do dinheiro que eu lhe pago.
-Correção: o ministério paga.
-Correção: é o ministério quem paga, mas depende de mim se você irá ou não receber seu salário.
Ele já estava pronto a responder-lhe, mas outro ruído dentro da casa o fizera despertar para a possibilidade de Narcisa ter achado a discussão e a gritaria suspeitas e querer averiguar. Então deixou que Gina falasse.
-Você tem até hoje a noite para me enviar os relatórios.
-Ok, Weasley. Vou pensar se vou fazer mesmo o que você quer. Mas vá embora. Não quero que você incomode minha mãe.
O despeito a invadiu. Ela podia não ter a mesma classe que os Malfoy, mas certamente era uma companhia agradável, e não incomodava ou incomodaria ninguém com seus hábitos discretos – Era o que ela pensava.
-Não se esqueça quem manda aqui, Malfoy. É isso ou rua.
Mas ela pensou que ele não havia ouvido sua última frase. Afinal, ele havia batido a porta em sua cara, sem mais nem menos, apressado para entrar, mas sem fazer a mínima questão de manifestar seu comprometimento ou não com o trabalho que ela havia lhe designado.
Não é a toa que se surpreendeu quando uma coruja chegou à sua casa, tarde da noite. Trazia um envelope pesado, contendo, além de um bilhetinho mal criado, um extenso, complexo e detalhado relatório sobre a vistoria de um prédio realizada ha alguns dias.
Depois de ter fechado a porta atrás de si, Draco voltou para seu quarto, esperando passar despercebido e ileso pela porta de Narcisa, mas não foi isso que lhe aconteceu. Ela estava lhe esperando à porta do quarto.
-Desculpe por atrapalhar seu sono da manhã, mãe. Eu sei que você gosta tanto de dormir enquanto está claro...
-Não se preocupe, meu filho essa noite eu dormi cedo, não me atrapalhou em nada. – Ele sabia que não era só aquilo que ouviria.
-Draco, eu ouvi uma discussão?
-Não foi nada. Foi só uma moça que dormiu aqui essa noite. Eu disse a ela que você não gosta de tomar café com pessoas estranhas, mas ela se recusava a ir embora, então começamos uma discussão boba.
-Certo. – Ela sorriu - Em alguns minutos eu já desço para tomar café. Está um sábado lindo e não quero perder seu dia de folga.
-Que tal caminhar à beira do lago?
-Eu adoraria, meu filho.
-Então, vou me trocar e descemos.
Ela fechou a porta atrás de si, para ficar sozinha com seus pensamentos. Alguma coisa não estava certa, as histórias não se encaixavam.
Ela sabia que Draco gostava de agradá-la e escondia algumas verdades inconvenientes só para não preocupá-la, mesmo que no fim ela acabasse descobrindo tudo, mas dessa vez, alguma coisa estava estranha. No máximo, ele escondia dela algumas noitadas mais selvagens, ressacas fortes demais ou mulheres em número grande demais para um encontro tradicional.
Havia algumas discussões e a todas ela ouvia. Geralmente as garotas que ele levava para dormir em casa suplicavam algo, mas dessa vez, o tom da mulher era de exigência, de ordem e irritação.
Algo estava errado. Ela olhava pela janela agora, enquanto a intrusa saia das propriedades. Era uma Weasley, ela podia reconhecer pelos cabelos e pelo tom irritantemente displicente com que ela andava a desclassificação era visível. Ela sabia que os Weasley não tinham classe ou educação e ela entendia o ponto deles, afinal, com tantos filhos, é impossível lhes passar alguma educação que possa ser chamada de exemplar. Mas não era porque ela era inferior a seu filho que ela não permitiria envolvimento entre os dois.
Depois da guerra e de tudo que ela fizera para salvar o filho, ela não queria que qualquer uma se envolvesse com ele. Ela queria o melhor para ele, e não era isso ela pensava estar acontecendo sob seu nariz.
Ou ela estava louca, ou seu filho estava dormindo com a caçula dos Weasley. Com sorte, ela era só mais uma aventura. Mas pelo tom que seu filho permitira a ela falar, não era só isso que parecia.
Ela não estava exatamente louca, mas isso não significava que seu filho e Gina Weasley estivessem juntos. Ainda.
-Fale-me mais sobre seu trabalho, meu filho.
Eles caminhavam à beira de um lago aos fundos da residência, e Narcisa fingia observar o horizonte, quando na verdade seus olhos estavam ligados nas resções de seu filho à tudo que ela dizia
-Bem, eu sou o chefe de um departamento, mas eu não gosto muito de falar sobre isso, mãe. É que envolve mortes e coisas pesadas com as quais só me envolvo durante o trabalho.
-E mulheres?
-Mulheres?
-É... tem muitas trabalhando com você?
-Tem... Algumas.
-E você já saiu com alguma delas?
-Uma... sim, mas ela fala demais, eu desisti dela – Era verdade. A secretária deles, Albertine falava mais do que fazia qualquer coisa.
-E aquela que veio aqui hoje? Você a conheceu no trabalho?
Ela estava desconfiada de alguma coisa, ele pôde perceber. Ela podia desconfiar de tudo, menos da verdade.
-Foi... Ela é minha secretária.
-Interessante. Mas aquela não é a menina Weasley?
-Você a viu, mãe?
-Pela janela somente. Pareceu-me bastante desclassificada.
Ele relutava em concordar com aquilo, porque de qualquer maneira ela era sua chefe e isso o fazia lembrar de que tinha um relatório enorme e detalhado para fazer caso quisesse que seu pescoço no mesmo lugar de sempre.
-Ah, sim... E é.
-Você nunca saiu com ela, saiu?
-Não.
"Mas poderia..." Ficou a frase para si.
Mas Narcisa não havia nascido ontem. Captou no ar o desejo de Draco. Só não soube interpretar, porque há muito não via desejo no rosto do filho. Afinal, ele sempre conseguia o que queria, era natural que ela confundisse com satisfação ou algum resquício de outro sentimento parecido.
Então, começou a formular uma teoria.
-Não minta pra mim, meu filho.
-Não estou mentindo mãe.
-Eu ouvi o tom de voz dela.
-Você ouviu nossa conversa, mãe?
-Só os gritos exigentes dessa mulher.
-Quem é ela, meu filho?
-É só uma garota com quem sai.
Ela contorceu suas sobrancelhas, incrédula.
-Certo, meu filho. Você pode confiar em mim.
E não é que não confiasse. É só que ele precisava do emprego, mas Narcisa exigiria que ele saísse dele. Sua mania irritante de achar que nada era bom suficiente para ele. Ele podia merecer muito, mas nem tanto. E além do mais, a vida era dele. Draco que fizesse suas próprias escolhas.
-Olha, mãe...
-Eu já sei. Ela tem cara de golpista, aproveitadora. Qualquer homem serviria para ela, desde que lhe pagasse qualquer quantia, que já lhe faria diferença.
Era caso de rir. Mas ele não podia rir na cara da própria mãe, mesmo que ela estivesse dizendo absurdos como este. De qualquer maneira, não lhe escapou no rosto um sorriso enviesado...
Sua mãe era tão dramática. De onde ela tirava tanta criatividade?
-Porque você está rindo, Draco?
-Porque não tem motivos para você imaginar isso.
-Ela quer tirar proveito de você, meu filho. Percebe-se pelas roupas "olhe pra mim" que ela usa.
-Certo, mãe. Porque ela estaria exigindo algo de mim?
Ela estava exigindo. Só não era nada do que Narcisa imaginava. E como ela não imaginava exatamente a verdade, a imaginou distorcida.
-Porque ela quer algo de você. Ou você prometeu algo a ela que não quer dar...
-Mãe, eu não sou bobo.
-Mas parece...
Narcisa deu meia volta no caminho que estavam fazendo em torno do lago, formando um amplo movimento com suas vestes pretas bordadas ricamente em branco e rumou para a casa. Ainda andando apressada e afobada rumo à imponente construção, ela gritou.
-Já sei. Tudo. Entendi. Você a engravidou, meu filho! E agora ela quer dinheiro por esse filho que você não teve a precaução de evitar!
Ele riu. Dessa vez não havia como não rir. De onde ela havia tirado uma idéia dessas? Ela virou-se e parou só por um instante, apenas o suficiente para dizer:
-Draco, se você está rindo é porque não tem como negar a situação. Vou esperar que você solucione tudo isso sozinho. E não fale mais comigo, como castigo pela asneira que cometeu.
E prosseguiu seu caminho, altiva, até entrar na mansão.
Draco nada mais fez que rir. Sua mãe era realmente criativa quando queria. Seguiu seu rastro até o quarto onde ela se trancara com uma história pronta na cabeça para contar a ela.
Ao verificar que a chave havia trancado a porta, certificou-se: ela não iria abrir tão cedo. Sempre fora assim, não iria mudar dessa vez.
De qualquer maneira, ele lhe contou a história inventada pela porta. Dentro de meia hora, ela sairia dali, pois a história era totalmente verossímil. Ela era sua secretária e queria um aumento de salário, já que vinha fazendo horas extras por toda uma semana.
Mas não deu tão certo quanto ele pensava, e naquela manhã ele não desceu. Depois de esperar por duas horas algum sinal de vida vindo dela ele se convenceu que dessa vez a era sério. Ele não entendia o porquê. Talvez a mãe tivesse mesmo um sexto sentido aguçado para problemas que circundassem a atmosfera de proteção que havia criado para o filho.
Sem alternativas foi para seu quarto, um tanto quanto irritado. Ficou até tarde trabalhando naquele maldito relatório. E depois de verificar mais uma vez que Narcisa não havia deixado o quarto um só instante, ele teve de passar para o papel o que já estava em sua mente. também um nada cordial bilhete para sua chefe. Provocou um Malfoy, agora que agüentasse.
