Título: Mercúrio ao Pôr do Sol

Sumário: Sobre tudo que o destino de Vulcano fez acontecer na vida de Hikaru Sulu.

Shipper: Chekov/Sulu. Não por agora.

Spoilers: De todo o filme novo, necessário. Uso também umas poucas coisas da série clássica e da novel Kobayashi Maru, mas que não tem que ter assitido nem lido pra entender.

Bichice: Gi pela betagem generosa e amor, Bruna pelo incentivo e amor, Mary pelas ameaças e amor. D&D por existir e amor, Cris por ser quem é e amor. Myiamoto Kano por ter tatuado o Ryuu. Dona Subaru por ter tecladinho tátil e amor.
Considerem essa fic um presente pra vocês. (L) -q

NA: Essa fic vem sido escrita há um tempinho, já, coisa de semanas. E estou postando esse primeiro capítulo para me incentivar a escrever o resto HAHAHAAHAH

Não tenho nem idéia de quantos capítulos serão. Final da semana que vem o segundo deve chegar por aqui; sintam-se livres pra me lembrar que prometi isso.

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Mercúrio ao Pôr do Sol

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Hikaru Sulu possuía um nome japonês e feições japonesas. Ele já tinha acostumado; tudo que esperavam dele é que fosse absolutamente japonês. Mas ele era americano, californiano, com suas ascendências filipinas bem marcadas a quem soubesse procurar.

Não sabia mais que duas palavras em japonês, mais do que três figuras de origami. Nunca pisara no Japão, tampouco nas Filipinas. Lutava esgrima e não kendô. E quando servia de ponto de referência ("a loira ali perto do japonês") apenas sorria. Quando perguntavam se ele não era um pouco moreno demais pra um japonês, ria um pouco mais abertamente. Não se importava.

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Ver Vulcano explodir tivera um forte impacto em todos os tripulantes da Enterprise. Clara e obviamente o mais afetado foi Spock, mas mesmo que em menor grau, todos sentiram.

Isso foi particularmente perceptível quando a nave voltou para a Base de São Francisco e, ainda mais, quando todos desceram à Terra. Chekov foi o único a ser recebido pela família; seus pais idosos estavam lá, de braços abertos, algaraviando em russo para receber o único filho - que parecia mal acreditar que eles estavam vivos e inteiros.

Os outros passaram o mais rápido possível pelos alojamentos (e pelos funerais) e foram aproveitar os poucos dias de folga. Sulu pensou no soldo extra e nas bonificações que recebera, e decidiu levar os pais para uma viagem – Filipinas e Japão.

Raízes.

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Na metade japonesa dessa pequena viagem que Sulu adquiriu sua primeira espada antiga. Infelizmente não teve a pequena fortuna necessária para uma autêntica espada samurai, mas comprou uma bela réplica feita na segunda metade do século XXI, por si só uma cara raridade.

Também encomendou um desenho em um especialista em tatuagens antigas. Escolheu um num estilo que, lhe disseram, era usado apenas pelas facções criminosas no Japão. Não importava muito – a despeito do que seu bisavô provavelmente diria era extremamente bonito. O rapaz desenhista lhe fez um dragão azul detalhado, com uma expressão séria e tranqüila; Sulu lhe pediu estrelas e elas lhes foram feitas, pontos brancos espalhados entre as escamas.

O rapaz pareceu desapontado ao saber que o desenho viraria um quadro e não uma tatuagem. Sulu lhe explicou com um sorriso que era um militar, não era assim tão fácil. Pagou e foi embora, divagando sobre em qual ponto do seu quarto na nave colocaria o quadro.

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A metade filipina da viagem foi o que fez com que Sulu mudasse de idéia. O show turístico incluía uma apresentação teatral do que teria sido o ritual da primeira tatuagem de um jovem. Disseram que a tatuagem guardava poderes mágicos, e seu pai lhe contou histórias muito antigas sobre tudo isso, histórias que a avó de seu pai ouvira do avô de sua mãe e o jovem tenente nunca tinha ouvido antes.

Na manhã seguinte Sulu abriu comunicação com São Francisco, para conversar sobre a idéia da tatuagem. Contou sobre Vulcano e sobre todos os seus motivos reais; a permissão veio com a ordem de que a fizesse num local ao menos sanitário.

Todo o resto da viagem foi ocupado com as sessões. Não doía nada, e não deveria ser demorado mesmo que fosse complexo, mas a tatuadora quis fazer os detalhes à mão. E sua mãe quis palpitar em todo o processo.

Dragão azul e estrelas, por toda a extensão de suas costas. Ficou muito bonito, e seus pais ficaram especialmente orgulhosos.

– Meu planeta nunca vai me deixar, agora – Sulu disse como num segredo para seus pais, que sorriram em compreensão. Sua mãe se colocou nas pontas dos pés e se aproximou de seu ouvido para responder.

– Nem nós.

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Voltar pra São Francisco foi quase estranho. Cada vez mais, Sulu se sentia olhando aquilo tudo como se tivesse olhos diferentes agora, como se fosse outra pessoa. E era; quem sabe.

O dia da reapresentação perante a Frota Estelar chegou rápido demais e demorou muito a chegar, ao mesmo tempo. Todos os que serviram a bordo da Enterprise o acolheram como um deles e se emocionaram com o momento em que receberam as comendas de honra e os postos oficiais, de volta para a nave que cada um ali considerava sua por direito.

Sulu percebeu que sentira falta de verdade daquelas pessoas.

Depois do evento oficial houve uma festa oficial, e depois dela a esperada festa não-oficial. A tripulação da Enterprise fechou um bar não muito longe da Academia e foi a melhor festa na qual Sulu esteve em sua vida. Especialmente porque, curiosamente, não aconteceu nenhuma briga, e porque, quando estava quase amanhecendo, Chekov o puxou pra dançar. Era uma coisa pequena e boba, um adolescente querendo se divertir e arrastando Sulu com ele.

Mas, dançando, Chekov tocou rapidamente as costas de Sulu; foi a primeira pessoa a tocar sua tatuagem recém-feita. Uma coisa pequena e boba; importante.

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Seus pais estavam lá, junto com todas as outras famílias, no dia em que voltaram para a nave. Sua mãe lhe deu todos os conselhos possíveis, a maioria deles variações de "não coma nada em planetas estranhos" e seu pai sussurrou um rápido "não mostre a tatuagem pra ninguém que não importe, e vê se volta".

Ninguém que não importe. Sulu achou esse conselho algo equivalente a "não faça sexo aleatoriamente com pessoas estranhas", o que de certa forma parecia com o conselho da sua mãe. Pensando nisso, estava rindo quando viu – dentre todas as pessoas – os pais de Chekov se aproximarem deles.

Papai Chekov era albino, alto e idoso. Mamãe Chekov era idosa e baixa, tinha sardas e olhos claros, e Chekov-filho se parecia muito com ela. Ele, aliás, não estava por perto; conversava animadamente com a mãe de Kirk.

Era um sotaque ainda mais forte que o do filho, o que a senhora Chekov tinha. Mas o senhor Chekov falava um surpreendente inglês perfeito, apenas com os erres mais arrastados. Conversaram com os Sulu por uns 15 minutos, se mostrando adoráveis e simpáticos. Falaram sobre como seus filhos eram jovens para se jogarem nessa forma no espaço, mas como se sentiam orgulhosos também.

Sulu admirava aquelas quatro pessoas. Porque duvidava muito que, algum dia, chegaria a permitir que seus filhos ou filhas servissem à Frota e, principalmente, saíssem correndo todo tipo de perigo galáxia afora. E teve ainda mais certeza disso quando a senhora Chekov apoiou a mão em seu braço e lhe contou algumas coisas sobre o filho, sobre como ele não gostava de ficar sozinho e como ela esperava que ele conseguisse bons amigos, que cuidassem dele.

E mais ainda quando viu que o sorriso que o jovem alferes direcionou a ele, quando se aproximou sob o som da última chamada para se despedir dos pais, dizia a mesma coisa.

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Pisar na USS Enterprise novamente foi como voltar para casa, de uma forma que Sulu nunca imaginou que seria. Seus laços com a Terra estavam menos dolorosos porque estavam mais fortes, ou algo assim, ele não queria pensar muito porque era simplesmente o bastante.

Para seu primeiro turno de folga marcou de almoçar com Uhura. Tinham tido duas ou três conversas sérias e íntimas durante o tempo que se conheciam, e agora Sulu gostava de pensar nela como uma amiga. Como tal, queria-e-não-queria falar da tatuagem com ela, porque queria falar disso com alguém tanto quanto queria guardar pra si mesmo. E um almoço seria tempo o bastante para decidir.

Conversaram sobre algumas poucas amenidades antes de Uhura dar um suspiro triste.

– Voltar para a Terra foi estranho.

– É. – Sulu respondeu – Nossa casa nunca mais vai ser nosso lugar. Não depois de tudo isso aqui.

Ela sorriu em assentimento e voltaram a falar sobre a incompetência do sintetizador em emular curry. Um pouco depois ela murmurou que Spock talvez fosse um pouco demais ou um pouco de menos e ela se sentia um tanto confusa agora. Sulu segurou a mão dela, querendo transmitir a força infinda que ele sentia agora, mas sem saber como. Pareceu bastar – ela riu baixinho e eles foram para assuntos amenos novamente.

Não falou sobre a tatuagem. Ela já tinha as próprias questões para pensar, afinal.

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Via de regra, a não ser que tivesse marcado alguma coisa com Uhura, almoçava com Chekov. Tinham sido próximos desde que se conheceram e a convivência mútua apenas aumentava. O que tinha dois lados; por um lado, era ótimo, ele era inteligentíssimo e uma ótima companhia, afinal. Por outro, ele era particularmente atraente aos olhos de Sulu, com seus olhos claros e sua boca vermelha, o que era bastante inconveniente.

Especialmente na fase que Sulu estava – se auto-definiria como apaixonado por si mesmo, pelo seu posto numa nave importante, suas raízes e sua liberdade – não queria nenhum tipo de envolvimento. E não tiraria o menino de sua cápsula de inocência e fofura por qualquer coisa de uma noite. Fosse essa cápsula uma ilusão ou não.

E, como se guardasse-e-não-guardasse aquilo tudo como um segredo, ele sorria para o garoto.

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Eles discutiam bastante, embora sempre amigavelmente. Sulu gostava daqueles pequenos fóruns sobre física e, conforme aprendia mais sobre o amigo, temperava as discussões com coisas da vida pessoal deles – como quando qualquer embate sobre combates que citasse explosões terminava em um comentário brincalhão sobre o conturbado Kobayashi Maru de Chekov.

Esse costume sempre resultava em no rosto jovem tingido de vermelho, as orelhas queimando, sussurros insultuosos em russo chispante. E no riso baixinho de Sulu, metálico e indulgente, denunciando que seu pretenso segredo, pouco a pouco, escapava por entre seus dedos.


Continua.