"Harry... Potter?" O homem loiro parou, deixando a maleta de mão cair no chão.
Sorrindo, indo em sua direção, estava o causador do espanto.
"Malfoy" saudou o moreno, estendendo a mão em sua direção para cumprimentá-lo.
Não ia ser nada fácil, pensou Harry. Mesmo depois de todos esses anos, não ia ser fácil.
***
[FLASHBACK] - Quinze dias atrás...
"Tem mais alguma coisa que eu deva saber?" perguntou Harry, pressionando a ponte do nariz. Já eram quase duas horas da madrugada. Precisava dormir.
"Ele adora comida italiana. Também, com toda aquela pança, só podia ser um adorador de massas", riu Charlie. Ele era o secretário do dono da companhia na qual Harry trabalhava, a IntegraCorp. Receber ordens dele era como receber ordens diretas do chefe.
"Ok, obrigado. Ele não vai ser difícil. São só três dias de idas e vindas à restaurantes, então".
"Suponho que sim, meu amigo. Isso torna seu trabalho mais simples... e mais chato", disse Charlie, rindo mais um pouco.
"Você está é com inveja de poder freqüentar os melhores restaurantes dos arredores - e ainda ganhar pra isso. Admita, você tem inveja de mim agora!"
"Harry, Harry, nada te escapa! Adoraria isso, mas acho que vou é tirar umas férias... Aquelas que tirei ano passado parecem tão distantes agora... Por sinal, quando você tirou férias?"
"Bem... ehnn, tem um tempinho que não tiro... Acho desde que comecei a trabalhar na empresa."
"Você acha que não tirou férias ainda? Ok, então considere-se de férias, a partir de amanhã! Vou falar com Mr. Boss sobre isso e ele vai arrancar os cabelos da cabeça – da dele e da sua!" Charlie soou aborrecido. "Como se não bastasse você trabalhar quase todos os dias, o dia inteiro! Você já ouviu falar de vida social? Você telefona pra alguma garota, algum amigo, Harry?"
Harry suspirou. Agora ia ser difícil, vinha adiando as férias há seis anos! Mr. Boss, apelido carinhoso dado ao dono da companhia, obviamente desconhecia tal fato. Nada que um charmoso sorriso e grandes olhos verdes pidões, direcionados às mulheres certas no Departamento Pessoal, pudessem ajudar a ocultar.
Trabalhava em uma profissão única: gostava de se chamar de "facilitador", mas na verdade era como uma babá de gente grande. A empresa para a qual trabalhava se chamava IntegraCorp e agia em todos os ramos, administrando lanchonetes, hospitais, hotéis, restaurantes, colégios. Mr. Boss tinha uma política de gestão inovadora, e gostava de conhecer e atender ele próprio os "peixes grandes". Dar atenção especial a alguns dos maiores clientes fazia a empresa ser uma das maiores do ramo.
Normalmente, eles traziam o cliente em potencial até a cidade, o hospedavam em um hotel 5 estrelas e mantinham pequenos encontros com Charlie para almoços, reuniões e jantares. O papel de Harry era garantir que nada faltasse ao visitante enquanto estivesse ali. Era quase como um "melhor amigo temporário". Conseguia reservas em restaurantes impossíveis, contratava stripers, comprava um casaco, tomava café da manhã no hotel com o cliente, caso este não viesse acompanhado. Tudo para agradar o cliente, para mostrar que a IntegraCorp tratava realmente de todos os detalhes. Isso era muito importante neste ramo.
Suspirou novamente. Agora não ia mais dar pra adiar. Bem, podia tentar...
"Um mês. Só pra eu poder me programar, me dê um mês antes das férias."
"Ok, garoto. Daqui a um mês, Mr. Boss receberá um memorando. Tenho certeza que arranjará o que fazer até lá."
"Charlie, isso vai me matar, mas não tenho desculpas mais pra dar. Infelizmente. Bem, obrigado pelas informações do 'Sr. Italiano" – riu do apelido. "Na dúvida sobre alguma coisa, te ligo. Boa noite"
"Boa noite, Harry".
Por fim, para alívio de Harry, o homem não era só um apreciador de massas. Era inteligente e astuto, o que não tornou sua visita tão entediante assim, já que puderam conversar além de sabores de pizza.
[FIM DO FLASHBACK]
***
Agora ali no aeroporto, de frente para o habitante de seus sonhos mais pecaminosos quando estudava em Hogwarts, sentia o coração falhar uma batida.
Ouvir o sobrenome não mais usado foi deveras engraçado.
"Harry... Poter" balbuciou o loiro.
"Malfoy", disse Harry, estendendo a mão em um cumprimento formal. Harry viu que ia ter que começar a conversa, já que o outro ainda o encarava bestificado.
"Há quanto tempo, hein, Malfoy? Me surpreendeu a notícia de que eu lhe receberia aqui."
Franzindo as sobrancelhas, Draco deu de ombros. Ainda estava muito confuso com isso; estava chocado pra dizer a verdade. Quem estava ali na sua frente, agindo como um simples antigo conhecido, era mesmo o Aclamado-Salvador-Do-Mundo-Mágico? Isso era uma brincadeira? Não entendia nada.
"Potter, é você mesmo? Quer dizer, depois da guerra, ninguém mais teve notícias suas. Como veio parar aqui? Você desapareceu do mundo bruxo, tanto que nem Rita Steeker conseguiu achar um rastro – e olha que ela tentou!"
Harry sabia que seria estranho. Sabia que, a despeito da dor que sentiria, ia ter que dar algum tipo de satisfação ao agora-mais-tentador homem loiro à sua frente. Ia ter que desenterrar lembranças antigas, tão bem ocultadas dentro de si que mal se lembrava delas.
"Vamos almoçar aqui, Malfoy? Sei que tem muitas dúvidas na cabeça nesse instante, mas posso esclarecer algumas delas enquanto fazemos nossa refeição."
"Claro, Potter. Podemos retomar nossa 'velha amizade' durante o almoço." O tom foi mais de brincadeira que de provocação. Mesmo antes de saírem oficialmente da escola, já estavam se tratando – ou se aturando – de forma mais amena.
Ali, sentados naquele restaurante de aeroporto, Harry contou a Draco sua decisão de abandonar o mundo mágico. Explicou que cumpriu o papel que necessitava desempenhar – estava marcado em si desde a infância, na forma de raio em sua testa. Eliminou Voldemort, mas não ia ficar esperando outra ameaça eternamente. Já perdera amigos demais, professores demais, numa guerra que mal conhecia os motivos.
"Resumindo: nasci com um propósito, cumpri minha missão, perdi gente que mal conhecia, mas que lutava ao meu lado. Não podia continuar naquele meio, entende?" discursava o moreno, fechado os olhos verdes quando as lembranças eram fortes demais pra suportar. "Foi tudo muito..."
"Ruim?" tentou ajudar o loiro, comovido com o que o outro lhe contava. Sabia como era perder pessoas queridas naquela guerra maluca.
"Intenso. Bom demais, ruim demais, triste demais – tudo muito rápido. Nem deu pra aproveitar aquela nova vida e já tinha acabado! Quis fugir de tudo, na verdade. Hoje, tenho um ótimo emprego trouxa, mas é mais do que eu poderia sonhar. Tenho paz. Não sonho mais com Voldemort a cada vez que fecho os olhos."
Draco se comoveu com aquela sinceridade – velha companheira de Harry – e cobriu a mão do outro sobre a mesa, como forma de apoio. Entendeu que o assunto estava terminando ali, e já sabia muito mais que todo mundo que estava no mundo bruxo.
Harry se assustou com o gesto do outro, que era sempre tão zombeteiro, tão arrogante. Quando percebeu que o loiro tinha calor nos olhos, abriu um sorriso terno de agradecimento.
Draco não sabia porque corava, mas correspondeu ao sorriso.
"E é por isso, Malfoy, que uso outro sobrenome. Com uma coisa simples como uma troca de nomes, consegui sumir do mundo bruxo. Eles dependem muito de magia e não conseguem achar uma pessoa num mundo tão vasto... Por aqui, me chamam de Harry Ford."
"Harry Ford?" a fina sobrancelha loira ergueu-se. Era um sobrenome muito forte para o moreno. "Bem, se entendi, você vai me paparicar durante uma semana. Então decido te chamar de Harry; até porque nunca ia conseguir te chamar por outro sobrenome senão Potter."
"Ok, então lhe chamarei de Draco, feito?" – sorriu, a facilidade do primeiro nome do outro rolando em sua língua o surpreendendo.
"Feito"
Apertaram as mãos, selando aquele pacto de se tratarem mais informalmente por uns dias.
