Entre mortos e feridos

Era assim que tudo parecia – uma última piada cruel. Confiança nunca antes se assemelhou tanto a uma ilusão, e contudo era o que lhes restara para enfrentar a solidão. E que herói? Há alguém de pé, sim, há alguém sobre quem recaem a glória e a vitória, mas chamá-lo de herói é outro equívoco desesperado, além de todos os cometidos até então e dos muitos mais que pontuarão a reconstrução do mundo.

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É difícil contar os mortos, então contam-se os passos até os corpos caídos; e é quase impossível olhá-los nos olhos estáticos e encovados, então fecham-se as pálpebras. Com quais palavras se deve dizer adeus? Eles estão sujos de sangue e de guerra, talvez fosse melhor poupar despedidas para quando puderem ser ouvidas. Os vivos parecem mortos, e os mortos parecem que estão prestes a regressar à existência. Crê-se que já se esperou demais por um milagre.

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As varinhas são possivelmente as únicas que se mantêm eretas, pois todos os outros se renderam, senão à morte, ao cansaço e à dor sufocada. O que não aconteceu a um, pôs-se no caminho de outro, e a probabilidade nunca falha. Quem sabe haja afinal algo em que se pode honestamente confiar. Lágrimas são vertidas por tantos, que faz lembrar de quando a chuva cai e molha os rostos. Apenas não está chovendo, nem os astros chorando; é a tristeza que é tão intensa que não cabe no corpo.

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O fim prometia alívio e reconforto, porém os destroços corrompem a mente e há tantos momentos de silêncio que chega-se a pensar que um grito que acabasse com o ar dos pulmões tornaria mais ameno o ambiente. Mas o silêncio é a lembrança, e memórias é tudo o que restou para muitos deles. Para outros, que nada possuíam realmente, o luto vem como a correnteza e os arrasta. Seria bom poder derramar a saudade em uma penseira para nunca mais ter de encontrá-la.

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Ele queria fazer tudo e ao mesmo tempo nada. Queria recolocar a vida no lugar e queria ficar parado. Queria escolher os dois e queria se abster da decisão. Sentia os músculos fatigados e a mente esgotada. Olhou para o alto e viu uma tênue linha de luz cruzar o salão, absolutamente só, sem ninguém para resgatá-la. Ele sentiu ímpetos de ir até lá, mas apenas deu as costas. Havia algo mais imperativo a se fazer: já era chegada a hora de alguém enterrar o herói.


N/A: Eu não quis dizer enterrar o legado de Harry Potter, tá?