Minhas mãos antes firmes estão tremendo. Kahina acabou de sair para buscar água, não creio que suportarei até seu retorno. Essa maldita doença consumiu minha alma, sou apenas um corpo moribundo e cinzento, escrever tornou-se uma tortura. Estas provavelmente serão minhas últimas palavras nesse diário. Deixei instruções específicas para que K certifique-se de que esses registros cairão em suas mãos. Eles contém informações valiosas a respeito do mundo em que vivemos e segredos que descobri durante minha jornada através de Hyrule. Talvez estas palavras lhe sejam úteis na crise pela qual estamos passando.
A verdade é que eu nunca planejei lhe entregar o registro completo da minha jornada, pois este envolve uma busca, a mesma busca que se tornou uma obsessão e que no fim me fez ser consumido pela tuberculose. Contudo, resolvi que seria melhor lhe entregar a versão completa, você merece saber toda a verdade. Apenas imploro que não vá atrás dessa maldição pois esta não lhe trará nada além de infelicidade.
Eu nunca fui um homem religioso, mas nesse momento a ideia de que as Deusas estão esperando por mim parece tão perfeita, se eu acreditasse em tal coisa claro. Pois após passar por tudo isso, o pouco de fé que eu possuía foi destruída pela realidade. Me sinto tão cansado. Sempre pensei que minha morte seria algo memorável, heróica. Não há nada de heróico na morte. Uma caverna fria, um dia cinzento e chuvoso. A escuridão só é abalada pela luz do pequeno lampião. As sombras na parede atormentam meu coração. Uma lâmpada, maldita lâmpada. Eu devia saber, nada vem de graça, uma compensação sempre será necessária.
Já faz uma hora que K se foi, cavalgar em tal tempestade apenas para buscar água para um homem morto, bem típico dela. Devo aquela mulher a minha vida, e assim que eu me for ela já não será escrava de homem algum.
O lampião apagou. Escrever nas trevas é reconfortante, as sombras se foram finalmente. Estou tão cansado, meu corpo está tremendo. Posso sentir o respirar quente da morte se aproximando. Deusas, eu não quero ir, ainda não. Eu não sei por que estou adiando o inevitável, mas eu não vejo justiça nessa morte. Talvez eu mereça pelo que fiz a ela. Eu mereço. Eu a deixei lá, foi minha culpa. Eu sou um grande desgraçado. Para mim chega, que vá à merda essa vida. Venham me buscar Deusas, vocês nunca estiveram lá quando eu precisei ao menos sejam úteis para algo e acabem com esse sofrimento.
Não suporto mais. A ironia da morte. Ha-Ha. Quando eu tinha cinco ou seis anos, não me lembro agora, eu e um vizinho roubamos uma galinha. Quando chegamos em casa amarramos ela pelo pescoço e começamos a atacar pedras. Quando ela já estava caída quase sem vida quebramos seu pescoço e arrancamos os olhos. Enquanto estávamos rindo o dono da galinha nos achou. Tomado por fúria ele sacou uma faca e avançou sobre nós. Eu fugi. O menino foi encontrado morto no dia seguinte. Eu nunca olhei para trás. No fim o dono da galinha foi enforcado por assassinato. Eu mereço cada uma dessas tosses ensanguentadas.
Uma onda acabou de atingir a caverna. A água salgada me despertou, não sei por quanto tempo dormi. Não lembro de estar perto do oceano. O sol brilha do lado de fora. Na distância uma caravela se aproxima. As velas brancas infladas pelo vento estão cada vez mais próximas.
Ouro reveste o barco e ilumina tudo ao seu redor. Me sinto bem, como não me sentia há muito tempo. O barco está tão próximo agora que posso tocá-lo se for até a entrada da caverna. A luz faz meus olhos arderem. Passam-se alguns minutos até que uma porta na base do barco abre e uma prancha prateada desce criando uma ponte entre a caravela e a caverna. O que diabos está acontecendo aqui?
Um vulto na porta estende a mão me convidando a entrar...ela. Seu sorriso ofusca o brilho da caravela e do sol. A única fonte de luz e calor provém dela. Paz, finalmente paz. Agora eu entendo. É hora de ir.
Adeus Vaughan.
