N.A. – Resposta do Desafio Feeling do Fórum Mundo dos Fics.
Disclaimer – Ayumu, Hiyono e qualquer outro personagem de Spiral não me pertencem.
Someday
A cada vez que você confia nas pessoas, se permite baixar a guarda. A cada vez que se decepciona por agirem exatamente como no fundo saberiam que reagiriam é como um ataque físico.
Doloroso demais para valer a pena.
Com o tempo você aprende a classificar todos segundo o grupo que estão. Deixa de lado a solidão constante que sente e apenas se isola.
É mais fácil desse modo.
Amigos vão inegavelmente te trair. Não importa por quanto tempo os conheça ou como pareciam te entender. É inútil as lembranças de todas as coisas que conquistaram juntos, ou como seus gostos eram parecidos.
Sim, nada disso importa. Eles vão te trair.
Algum dia todos eles vão te trair.
Por isso não tenho amigos.
- Você não está com fome?
Familiares vão te abandonar. Não importa quantas vezes falem que sempre estarão ao seu lado. Abraços, beijos, o número de histórias contadas antes de dormir, lanches gostosos preparados para o colégio.
Sim, tudo isso é parte da mentira. Eles vão te abandonar.
Algum dia todos eles vão te abandonar.
Por isso não confio na minha família.
Namoradas vão...
- Ayumu?
- Hum?
Namoradas vão...
- Ayumu?! Você está me ouvindo?
Namoradas vão...
Ayumu fechou os olhos, piscando incrédulo quando percebeu que uma mão pequena acertara sua testa. Esfregou o local, estreitando os olhos para a garota que se debruçara sobre as mesas para acertá-lo. Quase desejou que ela caísse sobre a pilha de cadernos que servia de divisória entre os dois.
- Você... me bateu?
- Estou com fome!
Namoradas vão te enlouquecer.
Por isso não tenho namorada.
Ayumu girou os olhos, penteando a franja com os dedos para cobrir a provável marca avermelhada que surgira no local que ela o atingira.
- Vá comer, estou te impedindo por acaso?
- Por que temos que ficar aqui? – Perguntou enquanto voltava a sentar direito na cadeira.
- Você não tem que ficar aqui, Hiyono. – Ayumu se ajeitou no assento, o cenho franzido, ainda irritado por ter sido tão grosseiramente agredido. – Vá comer e me deixe em paz.
'Droga, perdi a linha de raciocínio.' Ayumu suspirou, massageando as têmporas. 'Isso seria bem mais fácil se fosse apenas mais uma noticia policial. Uma reportagem investigativa! É tudo o que peço...'
- Por que está demorando tanto? – Hiyono choramingou, deitando a cabeça sobre os braços cruzados sobre a mesa. – Você nunca demora tanto!
- Já falei que não precisa esperar por mim.
- Está escrevendo sobre as Blade Children novamente?
- Não.
- Descobriu mais pistas sobre o que aconteceu com seu irmão?
- Não.
- Sobre o que está escrevendo? – Hiyono estendeu a mão, tentando puxar o notebook para o seu campo de visão e recebendo um tapa na mão. – Ai! Por que fez isso?
- Quantas vezes já falei pra não tocar minhas coisas?
- Algumas... – A garota sorriu inocentemente. – Quem está contando?
- Vá para casa.
- Você disse que ia me dar uma carona.
- Como pode ver... – Ayumu começou lentamente, tentando não ceder a tentação de acertar a mão dela, que novamente tentava alcançar o notebook. – Ainda não terminei. – Puxou o aparelho para longe do alcance da garota. – Vá comer para passar o tempo.
- Não tenho dinheiro.
- Hiyono... – Ele suspirou, desviando os olhos do rosto feminino. Era realmente difícil permanecer irritado com ela quando fixa os olhos na expressão falsamente inocente, e nos grandes olhos castanhos. – O que fez com o seu salário? Como pode... – Parou de falar, estendendo a mão para a gaveta a sua direita. – Esqueça, não estou interessado. – Pegou a carteira e retirou algumas notas de seu interior, estendendo-as para a garota. – Vá comprar alguma coisa.
- Você não vai cozinhar pra mim hoje? – Ela perguntou desapontada.
- Você está vendo alguma cozinha no meio do escritório? – Ayumu perguntou, tentando ignorá-la. Releu a última linha que havia digitado e continuou Namoradas vão enlouquecê-lo. Carentes, emotivas demais. Depois de um tempo não há bons momentos passados que sejam suficiente para... – Estou ocupado.
- Tem o refeitório...
Ayumu parou, os dedos sobre o teclado sem realmente tocá-lo, e lentamente ergueu os olhos para a garota que levantara e parara a seu lado.
- Vou ignorar isso. – Finalmente falou, depois de alguns minutos analisando-a em silencio, tentando descobrir se ela falava sério. – Vá comprar algo para comer antes que eu pegue meu dinheiro de volta.
Ayumu tentou manter a expressão séria no rosto enquanto observava a garota apertar o dinheiro contra o peito como se pudesse impedi-lo de tomá-lo de volta se realmente quisesse.
- Você vai continuar me devendo um jantar!
O rapaz sorriu quando a viu sair correndo na direção do elevador, e voltou sua atenção para a tela do computador. Apagou a última linha com um suspiro desanimado, seus olhos voltando automaticamente para a garota parada em frente as portas metálicas do elevador.
Namoradas vão, sem sombra de dúvida, enlouquecê-lo.
Amigas que agem como namoradas também.
Escondeu os lábios com as mãos, tentando abafar o riso ao vê-la olhar em volta para se certificar que não havia ninguém observando antes de apertar o botão do elevador repetidas vezes em uma tentativa infantil e inútil de apressar o aparelho.
Intempestivas. Sentimentais demais. Barulhentas.
As portas finalmente se abriram e Hiyono quase correu para dentro da caixa metálica. Observou-a através do espelho no interior do elevador quando ela soprou alguns fios de cabelo que caíam sobre seus olhos antes de se virar de frente para as portas. Sorriu sem graça e acenou para ele quando percebeu que a observava. Com muito esforço ele conseguiu voltar sua atenção para o monitor novamente.
Haverá momentos que você vai se perguntar qual a razão para agüentar todas as suas bobagens. Mas em vezes iguais, talvez superiores, irá se perguntar qual a razão para que ela continue ao seu lado também.
Sim, ela vai irrevogavelmente te enlouquecer.
Todos os defeitos que você achava engraçadinhos no começo vão te assombrar até que tudo que reste seja a vontade, vez por outra, de esganá-la. Principalmente quando, ignorando que você está ocupado, a garota em questão ficar te cobrando refeições caseiras.
Haverá muitas noites a seu lado que você vai se perguntar porque não consegue deixá-la. Ou como não consegue fazê-la mudar, deixar de ser menos egoísta, e exigente.
Obviamente não encontrará resposta, e apesar das constantes torturas emocionais e mentais, você continuará com ela. Frustrado com cada reação impensada e instintiva que ela tem.
Você poderia simplesmente dizer que não a quer mais em sua vida. Está cansado de servir de escravo doméstico, que não existe para nada além de lhe fazer favores. Onde está a demonstração de humanidade que ela tanto exige de você?
Ayumu piscou quando um pacote marrom balançou na frente de seus olhos. Reconheceu o cheiro do lanche e levantou os olhos para a garota que o segurava. Ouviu seu próprio estomago roncar em protesto por ter ficado tanto tempo sem se alimentar mais uma vez.
- O que é isso? – Perguntou, ignorando como isso parecia idiota. Hiyono sempre fazia algo tolo desse modo, despertando um sentimento que ele preferia não nomear a maior parte das vezes.
- Achei que estivesse com fome também. – Hiyono soltou o pacote sobre suas mãos e se afastou para ocupar novamente a cadeira da mesa da frente. – Achei que encher o estômago ajudaria a melhorar seu humor. – Completou dando de ombros.
- Obrigado... – Ayumu falou lentamente, depositando o pacote na mesa. - Eu acho.
- Vai demorar muito?
- Você não trouxe nada para você comer? – Perguntou, enquanto apagava a fileira de letras que digitara acidentalmente quando ela soltara o pacote sobre suas mãos. – Talvez estar com a boca cheia ajude você a parar de falar.
- Malvado! – Hiyono alcançou o pacote e tirou um lanche de dentro dele.
Mas tão freqüentemente quanto te enlouquece, ela te faz sorrir. Todas aquelas pequenas coisas absurdas que faz. Comportamento infantil e egoísta. Momentos emocionais demais.
É confortável ter todas essas coisas te rodeando, principalmente naquelas noites que você está caindo de sono e precisa terminar o trabalho. Você esquece que tem que comer e não consegue entender porque nada produtivo sai. Até que ela aparece com uma refeição quente.
Mesmo que tenha usado seu dinheiro para comprá-la.
- Você vai me deixar ler o que está escrevendo?
Ou quando você adormece no sofá de pura exaustão, ignorando quão frio está o cômodo e acorda no dia seguinte coberto cuidadosamente por aquela manta que sabia estar adornando os pés da cama dela.
- Ayumu?
- Talvez.
Ou quando tudo o que você quer é chorar de tristeza, ou se sente sozinho demais por não ter ninguém a sua volta em quem possa confiar. (Lembram do que falei de família e amigos lá em cima? ). Ela te abraça em silencio e você sabe que aqueles tapinhas leves nas suas costas dizem que vai ficar tudo bem.
No final, a dura realidade, é que você não sabe viver sem ela.
- Pode ao menos me dizer sobre o que está escrevendo?
Namoradas vão te enlouquecer.
E o pior é que você vai adorar.
A ponto de se questionar o que faria sem aquela constante fonte de frustração em sua vida.
- Ayumu!!
Namoradas vão te enlouquecer, mas mesmo sabendo dessa triste verdade, eu fico triste.
Ao contrario de amigos e famílias, entender como essas criaturas funcionam não me fazem feliz por não ter uma na minha vida.
Na verdade, tenho que finalizar esta parte com:
Infelizmente não tenho namorada.
- Ayumu!
- Hum?
- Me conta!
O rapaz sorriu, observando o texto, antes de erguer os olhos para a garota.
- O que?
Desviou de um lápis que ela atirou em sua direção, e se obrigou a completar:
Mas existe uma fonte constante de frustração em minha vida. Algumas amigas simplesmente assumem esse papel, e você as deixa virarem sua vida de pernas para o ar.
Ela me faz feliz, mesmo quando me deixa frustrado com o comportamento bobo vez por outra.
- Sobre o que está escrevendo? – Hiyono perguntou pausadamente.
Meu consolo é que eu a deixo frustrada muitas vezes também.
Admito, sou viciado em sua presença.
- Hum... Frustração.
E um dia, se eu tiver sorte, ela vai se tronar minha namorada.
- Podemos ir. – Ele salvou o arquivo, e desligou o notebook.
- O que? – Hiyono pulou da cadeira – Você disse que ia me deixar ler!
- Não. Eu disse 'Talvez.' – Fechou o notebook e o guardou em sua pasta, apanhando o pacote com lanches da mesa.
- Mas... Mas... – Ela continuou repetindo a palavra enquanto era empurrada para o elevador.
- Você pode ler quando for publicado. – Ele sorriu, pegando um dos lanches do pacote, e dando uma mordida.
- Verdade! – Hiyono sorriu, entrando no elevador. – E quando vai ser isso?
Ayumu apenas sorriu, mastigando lentamente.
- Ayumu! Responda!
Ele riu antes de dar outra mordida no lanche e apontar a própria boca em resposta. A expressão dela emburrada, demonstrando claramente a frustração por não ter o que queria o divertia.
'Se você tiver sorte, Hiyono, antes que a última linha do texto se torne realidade para mim.'
