A água fria em contacto com a minha cara nada me faz. Eu olho-me ao espelho e reparo nas olheiras enormes que se têm vindo a formar debaixo dos meus olhos. Não é de admirar, tenho passado as últimas noites acordada, ora porque estou ocupada com a Susana ou porque não consigo parar de pensar nela. É ridículo, eu sei, mas a culpa é dela. Quem é que estou a tentar enganar? A culpa é toda minha.

A culpa é minha e do meu estúpido coração que decide apaixonar-se sem sequer pensar se é boa ideia ou não. É sempre assim, os meus sentimentos metem-se no meio do caminho e eu nunca sei o que fazer com eles. Aparecem rápido demais, fortes demais.

Eu suspiro e passo novamente as minhas mãos molhadas na cara, na tentativa de me despertar um pouco. Power naps, diz ela... queria ver o que ela fazia se fosse inspectora da PJ.

Eu volto, aos tropeções, para a minha secretária onde um monte de papelada me espera. Eu adoro o meu trabalho, que não haja dúvida, mas a papelada faz-me arrepender por momentos ter escolhido esta profissão.

À minha volta, os meus colegas da brigada estão calados, a preencher formulários ou a olhar para o ecrã dos seus computadores. O ambiente tem estado de cortar à faca e eu sinto que a qualquer momento eles vão descobrir a minha relação com a Susana e, como sempre, quem se vai lixar sou eu.

A nossa relação em nada afeta o trabalho da Susana, mas eu, infelizmente, não posso dizer o mesmo. Se o Óscar descobrir que eu ando a dormir com a gaja que estamos a investigar é o meu fim e o fim da minha carreira.

Eu sinto-me uma estúpida. Estou numa corda bamba. Se eu mexer um músculo depressa demais eu posso cair e pronto, acaba tudo. Estou a pôr tudo em jogo por uma relação que se baseia nas quatros paredes de um quarto de hotel. Mas eu tenho de admitir que é cada vez mais difícil manter o nosso segredo ali preso.

Nós estamos mais descuidadas. Já não esperamos que uma vá para o quarto primeiro, já nos beijamos em frente aos outros hóspedes, cada vez mais agimos como um casal normal, mas a verdade é que não o somos. Eu nem sequer sei se somos um casal. Não, nós somos um casal... certo?

Como já é habitual nos últimos tempos, não me consigo concentrar no meu trabalho porque os meus pensamentos desviam-se para a Susana. Que boa inspectora que me eu me saí, sem dúvida. Ao menos consigo não pensar nela quando estou nas ruas, porque senão estaria não só a pôr a minha vida em risco mas também as dos meus colegas.

Susana Wang. Ela dá comigo em doida. Não vale a pena fingir que não é verdade. Ela é simplesmente linda e fascinante.

Como num impulso, as minha mãos agarram o meu telemóvel e em modo auto piloto os meus dedos escrevem uma mensagem para a mulher que é dona dos meus pensamentos.

"Que tal experimentarmos o serviço de quarto hoje à noite? Aposto que o bife do restaurante do hotel é delicioso."

Alguns minutos mais tarde o meu telemóvel vibra a avisar-me que obtive resposta.

"Eu adoraria, mas hoje não vou poder. Tenho de trabalhar." Uma dor aperta-me o coração. O telemóvel volta a vibrar. "Sabes que eu sou vegetariana, certo?"

Eu sorrio como uma idiota, espero que ninguém repare. Aliás, não quero saber se reparam ou não. Este é o efeito que ela tem em mim. Uma simples mensagem faz o meu coração iluminar-se como uma lâmpada LED.

"A tua cama vai sentir a minha falta."

A resposta chega quase imediatamente. "Amanhã eu compenso-a."

O resto do dia passou a voar.